A corrida para salvar um dos últimos campos rupestres de Juiz de Fora, como noticiou ((o))eco com exclusividade no início de março, ganhou de vez espaço na agenda da prefeitura do município mineiro. A Serra do Pires, um raro remanescente deste ecossistema repleto de espécies únicas de plantas, que vinha sendo explorado pela mineração até 2023, teve sua importância reconhecida no Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, publicado nesta segunda-feira (24).
O plano é dividido em duas partes, o diagnóstico técnico-científico, elaborado em convênio com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que traz todo o levantamento e contextualização sobre a cobertura de vegetação nativa no município; e o plano de ação, com uma lista de objetivos e atividades, algumas já em andamento, em prol da conservação da Mata Atlântica.
Entre as ações, destaca-se o incentivo à criação de novas unidades de conservação públicas, com especial atenção às áreas rurais e definidas como prioritárias para a conservação e restauração no diagnóstico. Classificada como alta prioridade, a meta destaca o projeto de criação da área protegida no Pires, localizada no distrito rural de Torreões, como atividade já em andamento.
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O remanescente de campo rupestre no Vilarejo do Pires foi listado como uma das áreas prioritárias para a conservação pelo diagnóstico, que recomenda “fortemente” a criação de uma unidade de conservação (UC) na área. O documento técnico-científico sugere ainda a formação de dois corredores de vegetação nativa – com fragmentos florestais, de campos e afloramentos rochosos – e a ampliação das áreas protegidas rurais, já que atualmente todas as UCs do município concentram-se na malha urbana.
O município possui uma área de 39.185 hectares de florestas em diferentes níveis de regeneração e outros 23 hectares de formações naturais não florestais, segundo dados do diagnóstico levantados por meio da plataforma MapBiomas. O estudo ressalta, entretanto, que os números, gerados por imagens de satélite, tendem a estar subestimados já que “áreas importantes como os campos rupestres da localidade de Pires, distrito de Torreões, são tidas como áreas antropizadas de pastagem”.
Superar a invisibilidade dos campos rupestres é um dos desafios para garantir sua conservação contra os interesses exploratórios. Por estarem associados a afloramentos rochosos, normalmente de quartzito, arenito e ferro, os campos são alvos comuns da atividade mineradora.

Na Serra do Pires, conforme mostrou a reportagem de ((o))eco, a extração de quartzito para produção de areia, que alimenta as indústrias de vidro e da construção civil, ocorreu entre 2017 e julho de 2023, quando foi interrompida após uma denúncia ao órgão ambiental estadual que durante a fiscalização constatou diversas irregularidades ambientais no empreendimento. Foram lavradas sete multas, no valor de R$170 mil, e determinada a suspensão da atividade e o cancelamento da licença ambiental.
Campos rupestres são ecossistemas marcados pela vegetação arbustiva, com plantas que não costumam passar dos dois metros de altura, que se desenvolvem em afloramentos rochosos acima dos 700 metros de altitude. Essas condições, inóspitas para a maioria das espécies, favorecem a ocorrência de espécies únicas, adaptadas evolutivamente ao longo de milhares de anos para prosperar nessas áreas de solo raso e pobre em nutrientes. Tipicamente associados ao Cerrado, existem porções de campo rupestre em diferentes biomas do Brasil, como na Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e até na Amazônia.
Os pesquisadores reforçam que os campos representam um volume gigantesco da biodiversidade brasileira, com diversas espécies de animais e plantas exclusivas. Durante uma visita de reconhecimento para elaboração do diagnóstico – quando a Serra do Pires foi “descoberta” pelos pesquisadores – já foram registradas pelo menos duas novas espécies de plantas para a ciência, uma sempre-viva (Paepalanthus salimenae) e uma canela-de-ema, cuja descrição ainda será formalmente publicada.
Para além da importância científica, os cientistas reforçam que os campos nativos são ambientes essenciais para a manutenção dos ciclos hídricos e ecológicos de Juiz de Fora. E a Serra do Pires não é o único campo rupestre sobrevivente no município.
“Além desta área de campo rupestre encontrada no Pires, a qual está em vertentes montanhosas que fazem ligação ao complexo serrano do Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira em divisa com o município de Santa Bárbara do Monte Verde, há outros pontos no distrito de Valadares e Toledos que também possuem formação quartzosa que demandam completa atenção, investigação e tomadas de decisões quanto à conservação. Essa última área faz ligação com um importante ponto turístico da cidade, o Pico da Cabeça de Formiga, e com as Serras de Lima Duarte. Todas as localidades têm grande potencial para um turismo rural pautado na conservação e desenvolvimento sustentável”, reforça o texto do diagnóstico.
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