Desde que o governo Bolsonaro impôs grandes mudanças na composição e funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), as plenárias do colegiado que discute políticas e regras para área ambiental se transformaram num ringue desigual. Nesta quarta-feira (01º), a 137ª reunião do Conama evidenciou uma vez mais esta arena desequilibrada. Na plenária foi aprovada, por 11 votos a 8, com uma abstenção e duas faltas, a proposta de alteração no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA), criticada por impor regras que restringem ainda mais a participação da sociedade.
De um lado, o governo federal sozinho possui 9 votos; de outro, entidades ambientalistas possuem apenas 4. Governos municipais, estaduais e entidades do setor empresarial compõem os outros 11 conselheiros com direito a voto. Completa a mesa do conselho o Ministério Público Federal (MPF), que apesar de ser membro do colegiado, não tem o direito de voto. Ao todo, são 23 membros neste nanico Conama, que anteriormente tinha 93 conselheiros.
Votaram a favor do novo formato do CNEA todos os entes do governo federal, inclusive o Ibama, com exceção do representante da Casa Civil, que se absteve. Os dois representantes do setor empresarial – Confederação Nacional de Serviços e Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo – e o governo municipal de João Pessoa completaram o placar de aprovação da mudança na resolução nº 292/2002.
A proposta, que disciplina o cadastramento das ONGs que atuam na defesa do meio ambiente, aumenta as exigências para o cadastro, como a declaração de corpo técnico com experiência na área ambiental e a comprovação de experiência em projetos e pesquisas socioambientais em pelo menos um bioma, e torna a renovação do cadastro anual. A nova resolução também recria a Comissão do CNEA (CCNEA), extinta em abril de 2019, a quem caberá o cadastramento, recadastramento e descadastramento das entidades.
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Desde que foi posta em pauta pela primeira vez, em agosto, organizações socioambientais se manifestaram pela rejeição da proposta. Elas apontam que as mudanças impõem burocracias e regras que dificultam a ampla participação das entidades ambientais no CNEA e consequentemente restringem ainda mais o acesso da sociedade civil ao Conama – uma vez que o cadastro é a base para seleção das quatro vagas destinadas às organizações ambientais, atualmente por sorteio.
“A proposta é prejudicial, na nossa análise, e limita ainda mais a participação da sociedade civil no Conama, torna o conselho ainda menos representativo, limita muito o tipo de organização que pode estar no CNEA e pode se tornar conselheiro. Por outro lado, aumenta a carga burocrática e cria uma carga de trabalho desnecessária. Vai contra o princípio da eficiência administrativa e desvia o foco de atuação real das entidades ambientalistas no Conama”, lista o conselheiro Marcelo Egito, representante do Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado (CEDAC), que na última semana emitiu um parecer pela rejeição integral da proposta.
Apesar de não ter direito a voto, o MPF se manifestou contrário ao texto da proposta e relembrou o entendimento da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, no processo sobre a inconstitucionalidade do atual funcionamento e composição do Conama.
“Ela [a ministra] fala que a assimetria procedimental do Conama está evidenciada na medida em que potencializa o acúmulo concentrado de poder, em setor de desfavor da fragmentação política do setor da sociedade civil e dos entes federados, de modo a impossibilitar qualquer resistência e absorção dos interesses dessas pluralidades. Não há como nesse contexto, e ainda reformulando para pior, qualquer resistência. Num conselho que tem a obrigação primordial de fazer sobrepor os interesses ambientais aos interesses econômicos ou políticos”, destaca a procuradora Fátima Borghi.
Está em tramitação um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) que avalia a constitucionalidade da atual composição e funcionamento do Conama – alterados por decreto presidencial de Bolsonaro, em maio de 2019. O processo foi interrompido em março deste ano, quando o pleito virtual já marcava 4 a 0 pela inconstitucionalidade das mudanças feitas no conselho, por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que paralisou o julgamento desde então. No início de agosto, seis organizações enviaram uma manifestação à ministra Rosa Weber, relatora do caso no Supremo, por uma medida cautelar de suspensão do decreto que reformulou o Conama, para evitar que a atual composição do colegiado possa pautar outras votações e decisões consideradas como retrocessos.
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