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Desmate e crise climática podem varrer araucárias de regiões do país

As estimativas são de que a ocorrência nacional da espécie caia mais de 70% até 2050 e que desapareça de Minas e São Paulo

Aldem Bourscheit ·
2 de janeiro de 2025

Cientistas soam um novo alarme para o forte encolhimento e extinção de populações do pinheiro brasileiro, em várias regiões do país. A lista de culpados tem o insistente desmatamento e a piora da crise do clima.

A araucária não tem vida fácil. Nas últimas décadas, perdeu quase nove em cada dez hectares da área que naturalmente ocupava em serras do Sul e Sudeste brasileiros e em países vizinhos, como a Argentina.

A busca por sua valorizada madeira foi a maior fonte de destruição no passado, mas ecoa no presente. Ainda hoje são comuns derrubadas criminosas flagradas por agentes ambientais e policiais.

“A exploração só caiu porque sobrou muito pouco da espécie, mas ainda tem muita exploração irregular”, afirma o biólogo João de Deus Medeiros, doutor em Botânica e professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A árvore (Araucaria angustifolia) prefere regiões mais altas e frias da Mata Atlântica, o bioma mais dizimado do país. Resta cerca de ¼ de sua vegetação original, e só metade disso segue bem preservado.

Mas, como o ditado diz que “desgraça pouca é bobagem”, a crise do clima também pesaria cada vez no declínio da espécie, aponta um estudo publicado na revista Global Ecology Conservation.

A araucária prefere regiões com solos ricos, muita chuva e temperaturas médias entre 16ºC e 23ºC. A mudança climática está mudando esses quesitos.

Assinado por cientistas de instituições do Brasil e Exterior, o trabalho estima que o calor em alta encolherá de 45% a 56% as áreas de potencial distribuição da árvore no país, nas próximas três décadas. 

Mas, juntando clima com desmate e outras façanhas humanas, a redução ganha força e seria de 70% a 75%. Os resultados catastróficos vieram da avaliação de milhares de diferentes configurações e variáveis.

No cenário mais grave, a araucária seria extinta em grande parte do Paraná, oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, além de no sul de Minas Gerais e na Serra da Mantiqueira, em São Paulo.

Araucárias em meio ao avanço das monoculturas do agronegócio, em Guarapuava (PR). Foto: Deyvid Aleksandr Raffo Setti e Eloy Olindo Setti/Creative Commons

Um dos autores do estudo é Victor Zwiener, do Departamento de Biodiversidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele diz que o clima mutante reduz a produção de sementes, os pinhões, complica a reprodução da árvore e sua adaptação às novas temperaturas.

“O resultado é o declínio populacional, com o aumento nas taxas de mortalidade e diminuição de novas árvores. A espécie não vai conseguir manter populações viáveis nas regiões anteriormente favoráveis”, avisa.

João de Deus Medeiros (UFSC) lembra que os números do pinheiro brasileiro também podem encolher se a crise climática aquecer a disputa entre plantas lá no meio das matas.

“Competição com outras espécies também influencia na retração da araucária nas florestas ombrófilas mistas”, conta o também presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina (CRBio-09).Dessas florestas restam só 3% no país. Elas são as porções da Mata Atlântica que abrigam as araucárias e outras plantas igualmente ameaçadas, como imbuia, canela-sassafrás, erva-mate e xaxim.

Grandes blocos de floresta ombrófila mista são raridade no Brasil. Foto: Ana Taemi/Creative Commons

De acordo com o estudo, se forem mantidas as perigosas tendências de desmate e clima, a araucária pode sobreviver só em refúgios como as regiões da Escarpa Devoniana, de Guarapuava e da capital Curitiba, no Paraná. 

“O desmatamento reduz a quantidade de habitat e fragmenta os remanescentes florestais, comprometendo a conectividade e reprodução de populações isoladas”, aponta Zwiener.

Esse distanciamento dificulta a troca de pólen entre as araucárias e pode levar espécies, como a cutia (Dasyprocta sp), a dispersar pinhões longe dos maiores remanescentes de matas com a espécie.

Começar a reverter a pindaíba nacional da árvore depende de medidas como pisar no freio da eliminação da Mata Atlântica e criar mais parques e outras unidades de conservação. 

“Isso é absolutamente crucial”, diz Medeiros (UFSC). “O homem continua sendo a maior ameaça à araucária. Mesmo estabilizando ou restaurando o clima, a pressão sobre a espécie continuará”, avalia.

Apesar disso, a criação de reservas no bioma está congelada. Barreiras políticas estaduais foram erguidas desde meados dos anos 2000, quando o primeiro governo Lula decretou áreas como os parques nacionais da Araucária e dos Campos Gerais e a Estação Ecológica de Mata Preta. 

Além disso, grandes matas bem preservadas para receber proteção legal são raridade, e o que sobrou do bioma está muito fragmentado, com milhares de cacos em imóveis privados. Além disso, o já resguardado é pouco. Os cenários traçados no estudo apontam, por exemplo, que 98% das regiões que terão clima futuro adequado à araucária no Paraná estão desprotegidas. Ou seja, os cerca de 26 mil Km2 hoje resguardados no estado não a salvarão.

Matas preservadas com araucárias. Foto: Matheus Wladeka/Pexels/Creative Commons

Felizmente, há outros meios para amenizar a baixa proteção e a fragmentação da Mata Atlântica, como manter corredores ecológicos entre áreas protegidas públicas e privadas. Eles são previstos na legislação federal desde o ano 2000. 

Os corredores oferecem “um ambiente propício para diversas formas de vida e facilitam a movimentação segura entre diferentes áreas”, explica Victor Zwiener (UFPR).

Estratégico também é restaurar a vegetação nativa, mais que tudo onde vivem araucárias e outras espécies ameaçadas, seja dentro ou fora de parques e outras unidades de conservação. 

“Muitas florestas empobrecidas pela atividade madeireira não têm capacidade de se recuperar sozinhas em prazos razoáveis”, lembra João de Deus Medeiros (UFSC). Nesses casos, uma ajudinha humana é necessária.

É o que indígenas e ongs estão fazendo na Floresta Estadual Metropolitana, onde eucaliptos plantados pela extinta Rede Ferroviária Federal são trocados por araucárias e outras plantas nativas.

A gestão dos 4,4 mil ha da unidade de conservação é compartilhada entre o governo estadual e indígenas Kaingang, Guarani Ñandeva, Guarani Mbya, Avá- Guarani e Tukano, moradores do local.

Membros dessas etnias viram de perto a destruição de matas com araucárias que deram espaço às monoculturas, como da soja, descreve o que viu Eloy Jacintho na infância.

“Você saia do território, nas bordas já começava o desmatamento, assoreamento dos rios, via-se só a terra vermelha mesmo”, conta a liderança Guarani Ñandeva e membro do Conselho dos Povos Indígenas do Paraná.

*Com informações da Comunicação da UFPR. 

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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