Birding em Festival aves. Paraty, RJ. Foto: Tietta Pivatto
O Brasil possui registro de mais de 1900 espécies de aves, o que nos coloca em segundo lugar no ranking de país com a maior diversidade de avifauna do mundo, atrás apenas da vizinha latina, a Colômbia. A riqueza de cores, tamanhos e sons, aliadas à facilidade de observá-las transformou os observadores de aves (birdwatchers, em inglês) em parceiros na conservação desses animais, os mais monitorados do mundo. Nenhuma outra classe de vertebrados conta com cientistas e amadores tão atentos sobre a última aparição de determinada espécie do grupo.
Tal esforço rende boas histórias. Há algumas semanas, pedimos para um grupo de observadores de aves nos enviarem um relato sobre a avistagem que mais os emocionou. Compartilhamos essas histórias com vocês nas linhas a seguir. Clique nas fotos para visualizar os depoimentos.
Meu primeiro encontro com o Albatroz, por Fábio Olmos
“Os únicos albatrozes que eu conhecia eram aqueles encontrados mortos na praia, na maioria das vezes não muito inteiros e certamente nada cheirosos. Certa vez consegui participar de um cruzeiro de pesquisa do Instituto de Pesca de São Paulo onde eu iria ajudar o pessoal conduzindo pesquisa com os peixes e em troca teria a oportunidade de observar as aves em alto mar. Era um barco um tanto saltitante e a navegação não era das mais confortáveis para o eu interior, mas era o que eu precisava. Depois de uma navegação noturna e uma noite ansiosa, de manhã cedo eu estava na popa do barco e começaram a aparecer algumas pardelas e outros bichos. Tudo muito excitante até que percebi movimento logo acima de mim. Olhei e um albatroz-de-nariz-amarelo estava ali, parado no ar a uns 3 metros, olhando para mim com aquela cara de curiosidade. É um dos menores do grupo, com “só” 2,1 m de envergadura, mas foi espetacular. Bom, ele ficou ali alguns segundos e, sem bater as asas, saiu planando para se juntar às outras aves. Inesquecível“.
Fábio Olmos, biólogo e ornitólogo.
Me apaixonei na universidade, por Guilherme Brito
“Estou numa fase da vida de ornitólogo que está ficando cada vez mais difícil saber com qual observação mais vibrei… mas ficarei com o caso mais clichê. Vibrei muito ao observar meus primeiros sabiás-cica (Triclaria malachitacea) na Estação Biológica de Boracéia [unidade de conservação pertencente à Universidade de São Paulo e administrada pelo Museu de Zoologia]. A vibração foi porque essa ave, de uma certa maneira, me fez virar ornitólogo. Tinha acabado de entrar no estágio no laboratório de ornitologia do Departamento de Biologia do IBUSP e na primeira semana chegou um sabiá-cica macho que tinha morrido num criadouro. Os alunos mais velhos do laboratório estavam empolgados com o bicho e eu nunca tinha visto ou ouvido falar dele. Um periquitão de bico branco e barriga roxa! Anotei o nome e fui para a biblioteca… abri o livro do Forshaw “Parrots of the World” e descobri várias coisas: Que era papagaio endêmico da Mata Atlântica… que cantava como um sabiá… e que tinha um dimorfismo sexual de plumagem bem marcado. Me apaixonei. Então, quando vi pela primeira vez bichos desses totalmente selvagens eu vibrei […]. O meu primeiro avistamento faz tempo, talvez no começo dos anos 2000. Dentro da Estação Ecológica. Lá é muito úmido e era cedinho, estava com neblina baixa. Por sorte tinha uma família praticamente do lado do alojamento. Andei 50 m e os vi!“.
Guilherme Brito, ornitólogo e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo.
Da persistência ao triunfo, por João Quental
“Houve diversas aves que, ao longo dos anos, despertaram em mim grande alegria ao vê-las ou fotografá-las. Mas destaco a saíra-apunhalada (Nemosia rourei) como aquela que provocou, talvez, a maior emoção. Passei vários anos procurando-a nas serras do Espírito Santo, sempre acompanhado do guia e amigo Gustavo Magnago. Foram 9 viagens ao longo de 7 anos, sem que tivesse visto nem sombra da ave. Em todas essas viagens, ela era, senão a única, minha principal meta. Passávamos em média 4 ou 5 dias percorrendo a região onde ela costuma aparecer, tocando a voz da espécie, olhando com nossos binóculos as copas das árvores, indo e voltando por estradas de chão, sempre inutilmente. Na última viagem, em junho de 2016, já havia praticamente desistido dela. Inclusive porque a saíra não era vista há mais de dois anos, provocando certa inquietação nos observadores locais, um medo mais do que justificado, diante de uma população da espécie que parece ser bem pequena (não há muito consenso, mas é possível que não passe de 20 indivíduos). Então, numa manhã bem enevoada, um grupo de 3 aves ouviu o playback que fazíamos no alto de um monte na chamada Mata dos Caetés (no município de Vargem Alta) e se aproximou de nós durante uns 3 minutos, tempo suficiente para fazer algumas poucas fotos e compensar essa procura de muitos anos“.
João Quental é professor e fotógrafo de aves, com mais de 1.400 espécies de aves brasileiras já registradas, e imagens em diversos livros e publicações brasileiras e estrangeiras.
O encantador Gavião-pega-macaco, por Uêdson Jorge Araújo Rêgo
“A observação de aves em minha vida é uma forma de terapia, quando saio para observar aves eu esqueço de tudo e entro em um outro mundo. A ave que mais me gerou emoção foi o Gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus), foi em um monitoramento de aves no Parque Estadual da Cantareira – Núcleo Engordador, no Projeto cidadão cientista da SAVE Brasil, então apareceu o Gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus) e eu pude observar com o binóculos toda sua imponência. Fiquei muito emocionado.
Foi em um Sábado, 29 de outubro de 2015, estava um dia quente.
Começamos a fazer o monitoramento às 6:30 da manhã e quando já estávamos no final do percurso de ida ouvimos a vocalização do Gavião-pega-macaco, então encoberto pela copas das árvores. Foi aí que chegamos a uma clareira, e a Tatiana Pongiluppi, coordenadora do projeto na época, me emprestou o binóculos, e pude finalmente ver o Gavião-pega-macaco”.
Uêdson Jorge Araújo Rêgo, 49 anos, pernambucano, mora em SP desde a infância. Trabalha com jardinagem e flores. Observador de aves há 4 anos, autodidata, curioso sobre o assunto está sempre estudando pesquisando sobre aves e árvores.
Vibro com todas, por Tietta Pivatto
“Puxa, agora você me pegou (risos). Pois não tenho exatamente uma ave em especial, vibro com todas elas. Às vezes as mais comuns, no meio da cidade, são capazes de me surpreender, como a primeira vez que vi um gavião-do-rabo-branco voando sobre a praça da República, ou o jovem sabiá-laranjeira que tinha acabado de dar seu primeiro voo ser atacado impiedosamente por um bem-te-vi bem embaixo da minha janela, aqui na Aclimação. Posso falar do meu deslumbramento na primeira manhã no Pantanal, com aquela absurda exuberância de natureza e sinfonia das aves. Ou da minha primeira harpia, vista no dia do meu aniversário em 2005. Ou da vez que vi uma tiriba-branca no Espírito Santo e chorei de emoção. E sem falar no prazer que sinto ao testemunhar o encantamento de outras pessoas pelos passarinhos… Para mim tudo faz parte: além das aves, também o lugar, as pessoas que estão comigo, a razão de eu estar naquele lugar procurando um passarinho“.
Tietta Pivatto, bióloga, observadora de aves e escritora.
Viagem atrás de uma ave enigmática, por Carlos Gussoni
“Era uma curta viagem à Bolívia com quatro amigos, minha segunda ida ao domínio da Cordilheira dos Andes. Apenas seis dias para ver inúmeros lifers. Dentre eles, o astro da viagem: uma estranha ave noturna frugívora, que se orienta utilizando ecolocalização e constrói seu ninho nas entradas de cavernas. Qual ornitólogo não gostaria de ver uma ave tão peculiar? Pousamos em Santa Cruz de la Sierra na madrugada de 07 de abril de 2012 e já nos dirigimos para Villa Tunari (Cochabamba), onde se localiza o belo Parque Nacional Carrasco, morada do guácharo (Steatornis caripensis). Tínhamos apenas dois dias no local para encontrar a ave. Ao chegarmos, nos deparamos com chuvas intensas. Mesmo assim, como todo birder fanático, caminhei sozinho ao Parque Nacional debaixo de chuva… Chegando ao local, me deparei com o aviso: fechado devido às chuvas intensas! Não pude acreditar que o clima ia me impedir de ver um sonho de criança… Resolvi esperar a chuva passar no local. Após poucas horas, felizmente o tempo abriu. Mas não havia ninguém no parque! Resolvi perguntar nas casas dos arredores se alguém conhecia um funcionário ou guia local… Para minha alegria, descobri que um dos guias voltaria à recepção do parque em breve, já que a chuva tinha cessado. Voltei para a cidade para chamar os amigos, aguardamos ansiosamente e eis que chega Julio, o guia local. Fomos muito bem recepcionados e, nos primeiros minutos de conversa, ansioso, perguntei sobre os guácharos. Nosso guia comentou que alguns indivíduos deveriam estar na famosa “Cueva del Repechón”, mas não deu garantia plena. Antes que a chuva voltasse, já partimos em direção à entrada da caverna. Atravessamos um rio turbulento, percorremos uma bela trilha na mata e chegamos a uma placa informativa sobre os guácharos, localizada um pouco antes da entrada da caverna, mas ainda sem visão para a mesma. Nosso guia nos explicou muito bem sobre as particularidades da ave, mas eu estava ansioso para observá-la e só conseguia pensar no momento em que chegaria ao destino. No meio da explicação, eis que ecoam na mata os gritos do guácharo! Obviamente, mesmo com o coração disparado, não podia interromper a fala do Julio. Esperei ansiosamente o término das explicações e nos dirigimos à caverna. Nela observamos nove indivíduos, incluindo dois ninhos com dois filhotes em cada. Uma visão incrível de uma das aves mais fantásticas que já observei. E uma das vezes em que uma ave fez lágrimas de emoção escorrerem na floresta… Para quem tiver interesse em escutar os gritos do guácharo e ver as fotos dessa passarinhada, o material está disponível aqui“.
Carlos Gussoni, doutor em Zoologia pela UNESP de Rio Claro, com especial interesse por comportamento de aves na natureza, observa aves desde os 11 anos de idade e já registrou mais de 1600 espécies na natureza.
Ixobrychus involucris, muito prazer, por Guto Carvalho
“O vento sul balança o juncal. Chuva. A bota de borracha mantém a lama afastada, mas não é suficiente para manter aquecido os pés já doloridos. Procurar raridades na Lagoa do Peixe é uma experiência única. Papa-piri, Boininha, Bate-bico, os nomes coloridos dessas pequenas aves escondem a dificuldade de observá-las. O juncal se impõe, milhares de hastes perfiladas num padrão vertical. Agora o foco está no Socoí-amarelo, uma mini-garça mimética, um fantasma que há mais de dez anos procuro sem sucesso. Batista é um profundo conhecedor das aves da região, garantiu que poderia estar ali. Mas isso não basta… diversas vezes, ao longo da última década estivemos cara a cara eu e o socoí, mas em nenhuma vez eu pude observá-lo. De repente o Luciano grita – Socoí-amarelo! e repete falando o nome científico, Ixobrychus involucris pra não deixar dúvida!!!
O sangue gelou, hora de manter a calma e agir rápido, pois o bichinho se embrenha no juncal e lá desaparece. Mas agora eu sabia onde ele estava. Me agarro então a esta ideia, e sabendo onde procurar, fixo o campo e liberto o olhar. A fria garoa, qual spray gelado na face não seria um problema, exceto porque turva o binóculo e acrescenta gotas de dificuldade na lente.
O vento lateral induz o movimento horizontal da brenha do junco. Tudo se move. Pra lá e pra cá. O playback ainda tocava, quando um padrão lateral de movimento, que negava o fluxo do junco e seguia contra o vento, pouco mais que um ponto vermelho, um olho?….mas por poucos instantes. Logo o junco o cobriu e impediu o tracking – nesses momentos o instinto nos força a mudar o foco do olhar, buscar ao lado, acima, abaixo. Nego ceder ao instinto, não me deixo enganar, persisto, sem nem piscar. A garoa, o vento, aquele momento que custa a passar, até que ressurge atrás da haste! Sim!!! Um pequeno olho vermelho, que revela um bico – não, não era uma uma folha de junco – uma pata se move lentamente, passo a passo, flutuando a meia altura, agarrado nas hastes qual um pequeno orangotango, sim! Ali estava ele, socoí-amarelo, muito prazer!”
Guto Carvalho é Birdwatcher, editor, produtor cultural e profissional de comunicação. É criador e organizador do AvistarBrasil – Encontro Brasileiro de Observação de Aves.
Para bom observador, todo encontro é bom agouro, por Karlla Barbosa
“Adoro ir para o campo observar aves, ver a diversidade de coloridos e formas das aves. Na verdade, nunca fui focada em número de espécies ou colecionar espécies raras na minha lista de “lifers”. Sou do tipo que gosto de espécies comuns, que vibro com as aves que estão em vários locais e mesmo em parques urbanos. Mas se eu pudesse descrever um momento mágico de ver uma espécie que amo ver até hoje, eu diria que foi a primeira vez que vi um ninho de acauã (Herpetotheres cachinnans) no Pantanal. Nesse dia, eu estava na árvore monitorando outras espécies através de técnica de rapel, mas quando o vi um indivíduo adulto de acauã do meu lado e um filhote fofinho dentro do ninho a emoção foi tão grande que quase caí. Sim, é um gavião comum preto e branco, e que segundo a lenda ele traz mau agouro. Bom, eu não concordo, pois para mim sempre que escuto sua vocalização em campo minhas energias se renovam e sinto que tudo vai dar certo. Somos privilegiados pela rica e diversa avifauna que temos no Brasil, com espécies e ambientes para todos os gostos“.
Karlla Barbosa é bióloga, atualmente faz doutorado em Zoologia (UNESP), pesquisando o efeito da urbanização nas aves migratórias, e é coordenadora de projetos na SAVE Brasil/BirdLife International. Observa e estuda aves a mais de 12 anos.
Olá, meu nome e Luiz ,natural de Porto Velho Rondônia.
Passei por duas experiências noturnas ,
Uma na floresta amazônica estrada Br 319.
Ao parar o veículo observei o céu como de costume era lua cheia com um halo lunar ,e percebi que uma
Ave passou muito alto com a claridade ela passou e depois foi desaparecendo .
Já na data de hoje 26 de abril de 2020 na cidade, em Porto velho RO pouco mais a meia noite
Ao costume de observar a noite
Tempo escuro com formação de friagem nuves rápidas vento não tão forte.
Vi uma ave branca tamanho não era médio
Voando a altura não tão baixa mas nitidamente observei a cor branca e asas em movimento.
Resumindo algum registro desse aparecimento e qual ave pode se tratar ?
Poderá ser uma Garça branca com habito noturno?
Agradeço dês de já uma possível resposta
Email [email protected]
Pois é. Como eu disse no depoimento, observar aves é sempre emocionante. Acabei de voltar da Colômbia, onde participei de um FAMTour para operadoras de ecoturismo, e obviamente o tour que escolhi era de observação de aves. Durante a atividade tive o privilégio de observar 224 espécies, muitas delas lifers, mas duas já entraram pra lista dos "uau!!!": em uma das manhãs, o guia que nos acompanhava identificou, distante, o canto de um Chestnut-breasted Wren (Cyphorhinus thoracicus), uma ave da família do uirapuru, mas que só vive em grandes altitudes nas florestas andinas. Por via das dúvidas, ele tocou o canto da ave. E para minha surpresa, havia outra muito, mas muito perto de nós, embrenhada nos arbustos, que respondeu com um canto melodioso e tão lindo, que me emocionei na hora. Ficamos mais de 10 minutos ouvindo aquele canto sem sequer conseguir ver o passarinho, mas foi suficiente pra eu me derreter em lágrimas. Há muito tempo não era pega de surpresa por uma ave dessa forma, me desarmou completamente, rs… E para fechar esse mesmo dia, um grupo com oito galos-da-serra-andinos, uma espécie que há anos faz parte da minha "wish list", simplesmente nos presenteou com um display frenético bem na nossa frente, espontaneamente. Observar aves é assim, toda saída tem uma surpresa especial!
Passando pela Praia de Atafona, vemos uma casa com duas janelas, uma ao lado da outra. Embaixo delas, uma boca desenhada faz com que enxerguemos a fachada da moradia como um rosto simpático. Na pequena porta ao lado do “rosto”, encontramos Ines Vidipo encostada no muro apreciando a praia, enquanto um reggae toca na varanda da casa. Casa essa que é também um bar, o “Casa-bar erosão”, negócio administrado por Dona Ines desde 2020. Muito mais que apenas uma pintura, o “rosto” simpático na parede é um grande simbolismo, já que simpatia é o que não falta ali. “Aqui uma hora é um bar, outra hora é casa. Você chega, você fica à vontade, você faz seu churrasco e canta seu karaokê, do jeitinho que eu acho que tem que ser, que é também o modelo de Atafona. É um diferencial”, conta ela ao falar sobre seu bar.
Ines Vidipo “é uma apaixonada por Atafona”, como se define. Antes de se instalar de fato no distrito, era frequentadora da praia há mais de 10 anos e sempre ia com a família. Adorava ficar acampada em tudo quanto é lugar, só para poder aproveitar cada canto de Atafona. “Até em cima do bar de um amigo eu já acampei”, contou. Desde 2020, ela mora no distrito e não tem pretensão alguma de sair.
Além do bar, Ines trabalha na prefeitura de São João da Barra com crianças com deficiência. Mas todo tempo que tem, prefere estar no seu “Casa-bar”. Antes do Erosão, Ines tinha outro bar conhecido como Birosca, de onde teve que sair por causa do avanço do mar.
Foi em uma segunda-feira de carnaval que ela começou a ver o mar chegando em seu antigo bar. “Eu estava fazendo uma caranguejada no dia, sentada em um banquinho e o pessoal comendo caranguejo na varanda, quando vimos que ia cair. O poste em frente inclinou e caiu. Quando ele caiu, balançou o da varanda. Foi aí que vi e pensei ‘é, agora vai cair tudo aqui’”, contou.
Sem desistir, Ines recomeçou no Casa-Bar Erosão, onde permanece até hoje. Muitos dos utensílios que utiliza no bar são reciclados, vindos de lixos deixados na praia e doações. Orgulhosa, ela mostra o quadro com o nome do bar, desenhado e pintado por amigos, e a parede colorida da varanda, pintada e decorada por uma amiga próxima.
Apesar dos esforços de Ines em manter o seu bar em pé e em boas condições, a erosão tem dado sinais. A parte de trás do local é mantida por algumas telhas que, de alguma forma, impedem a parede de cair. No entanto, na cozinha já existe uma rachadura que Ines vai tentar segurar colocando mais telhas. “Porque se cair aquele lado, cai a casa”, comentou, apreensiva. Ela conta que vêm acompanhando, aos poucos, pequenas rachaduras se formando na casa. “Existe uma umidade que vai penetrando por baixo, é erosão mesmo.”
Sua tarefa agora é “manter [a casa] até onde a natureza deixar”, em suas palavras. “É um pouco tenso, sabe? Só colocando muita música, cantando muito karaoke aqui para a gente não ficar muito apreensivo”, desabafou.
Antes mesmo de toda a nossa conversa, Dona Ines fez questão de mostrar a música que idealizou, com a ajuda da Inteligência Artificial.
“Um mar, a água quentinha, misturada com o rio, é uma delícia, não tem quem não goste daqui. Tem gente que não troca um mar desse aqui nem pelos grandes centros”, disse.
X
Dona Benilda
Benilda Nunes é conhecida em Atafona pelo seu quiosque localizado no Pontal do distrito, à beira do Rio Paraíba do Sul, onde antes ficava a foz do rio. Chamada de “Barraca da Benilda”, o estabelecimento recebe moradores, turistas e frequentadores de Atafona que buscam um lazer, comida boa e tranquilidade em frente ao rio. Com a barraca há sete anos, Dona Benilda não esconde o prazer que tem com seu ofício. “Eu gosto muito de trabalhar aqui. Cozinho, faço e vendo de tudo um pouco e me divirto também. Brinco, dou risada, cada hora chega um conhecido, a gente conversa e o dia passa”, disse.
Benilda está em seu terceiro endereço. Na infância, morava na Ilha do Pessanha, até que o mar passou a atingir parte do lugar e os moradores tiveram que sair. Segundo ela, havia em torno de 80 casas na ilha, que era pequena e tinha poucos estabelecimentos, como um colégio e um mercadinho. Foi então que ela, junto de sua família, mudou-se para a Ilha da Convivência, que hoje também deixou de existir, como ilha, devido à ação do mar. As cerca de 300 famílias do local, incluindo a de Benilda, também tiveram que sair porque o mar vinha chegando cada vez mais. Após isso, foi morar em Atafona, recebendo um auxílio financeiro da prefeitura por apenas três meses.
Apesar da Ilha da Convivência ser hoje apenas um extenso areal conectado à Praia de Atafona, Dona Benilda se refere ao lugar como se ainda estivesse separado. “Aqui para mim é melhor ainda, eu venho para cá quase todos os dias. Eu gosto mais daqui do que de Atafona. Eu sempre falo: ‘Eu sou daqui, me criei aqui, eu sou da terra da convivência mesmo. Sou da ilha mesmo’” e continuou: “Aqui era muito bom de viver, para tudo, eu pegava caranguejo, botava uma rede no rio, pegava um peixe, qualquer coisa que você quisesse comer tinha. Tinha gente que vinha dar aula aqui, a gente estudava também.”
Religiosa, a fé para ela é um combustível para viver e seguir trabalhando com o que gosta. “Tenho muita fé em Deus, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Penha. Eu tenho fé”, contou.
X
Marina Leite
Nascida em Campos dos Goytacazes, Marina Leite foi morar na cidade do Rio de Janeiro para estudar jornalismo na ESPM. Apesar da mudança de moradia, o que não mudou na realidade de Marina foi a ida para Atafona em todo verão. “Venho passar todos os verões aqui desde que eu nasci e eu não troco nenhum lugar do mundo para passar meu janeiro”, contou.
Marina cresceu ouvindo as histórias dos avós e do pai sobre Atafona. A família costumava ir todos os verões para a casa da avó de Marina, construção destruída pelo mar no ano que a menina nasceu, em 2002. Foi então que a família comprou outra casa para passar os verões, a algumas ruas atrás de onde o mar está hoje.
Apesar de não lembrar da primeira casa devido a sua idade, a jornalista diz que tem muitas memórias na moradia atual. “Todo mundo fala que aqui é um lugar que traz paz. Eu acho muito isso. Atafona é muito diferente de Campos e do Rio”, disse. “Mas eu acho que o que faz com que as pessoas gostem tanto daqui são as memórias que a gente cria no lugar.”
Em meio a tantas memórias, Marina optou por fazer um documentário sobre Atafona para o seu trabalho de conclusão de curso (TCC) da faculdade. Mas não um longa qualquer: a menina realizou seu trabalho a partir de um documentário que o próprio pai havia feito nos anos 90, junto com o padrinho dela. No longa, Marina mescla cenas atuais de Atafona com takes do filme do pai, além de entrevistas com moradores do distrito. Chamado de “Atafona: as histórias que o mar não leva”, o documentário busca falar do lugar para além da erosão costeira e do avanço do mar. Marina propõe, a partir de seu olhar como veranista do balneário, contar histórias e memórias que, segundo ela, fazem tantas pessoas permanecerem ou voltarem à Atafona.
“Atafona é mais do que um lugar que está sendo engolido pelo mar. Por que esse lugar não pode desaparecer? Por causa da gente, das pessoas que frequentam, das pessoas que moram e que querem que esse lugar continue vivo”, completou, se referindo a um dos motivos pelos quais quis fazer o documentário.
Apesar do avanço do mar está cada vez mais intenso, Marina não pensa em deixar de frequentar Atafona, muito pelo contrário. Segundo ela, pretende morar de vez no distrito quando estiver mais velha. “Eu converso muito isso com meus pais, eles têm essa vontade de quando ficarem mais velhos, virem morar nessa casa em Atafona. Eu também tenho essa vontade. É isso que Atafona traz, você não quer ir embora. Você quer ficar aqui, apesar do mar, você não quer sair”, contou.
X
Kauan Amaral
Amante da biologia, Kauan Amaral escolheu a área como profissão, fazendo a graduação na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Por um acaso ou não, esse apreço pela natureza é refletido na preocupação que tem com a localidade onde nasceu, cresceu e vive até hoje. Com 19 anos, Kauan sempre morou em Atafona e gosta muito de viver ali. Ele conta que não quer ver o distrito ser destruído por inteiro e ficar apenas em sua imaginação. “É uma coisa que a gente tem que levar a sério, porque se a gente não fizer nada, nós vamos sumir. Vamos perder nossa história”, disse ao citar o relatório da ONU de 2024, o qual aponta que até 2050 o mar vai subir 21 cm em Atafona.
Toda essa preocupação fez com que o menino, junto com mais três amigas, fizessem um trabalho para a escola denunciando a erosão costeira e o avanço do mar no lugar. O projeto “SOS Atafona”, realizado em forma de esquete, recebeu o terceiro lugar em dezembro de 2024 do Festival Transformar Seeduc 2024, iniciativa da Secretaria de Estado de Educação. A premiação ocorreu no centro do Rio de Janeiro, no Teatro Riachuelo. Segundo Kauan, conseguir levar a questão de Atafona para outros lugares, principalmente metrópoles como a cidade carioca, é muito importante para que mais pessoas conheçam e se sensibilizem com a causa. “Quando você é do interior e você vai pro Rio, ninguém conhece a sua história. A gente daqui sabe o que acontece lá no rio, mas será que eles lá sabem o que acontece aqui? Então a gente levou essa pauta, levamos que Atafona precisa de ajuda, contamos nossa história”, disse.
Para Kauan, a melhor parte de viver em Atafona é poder estar perto da natureza, das praias e do ar fresco. “Eu gosto muito de ir lá ver o mar, pra mim não tem coisa melhor. E o que eu amo fazer, acho que é minha coisa favorita, é ir ver o nascer do sol. E no final de semana, eu e meus amigos saímos, a gente gosta de ir à praia, jogar vôlei, futevôlei, e é sempre isso, não tem outra coisa para fazer aqui e mesmo assim a gente gosta muito de sair todo final de semana para isso”, lembrou.
No entanto, Kauan fala do quão ruim é ir à praia e encontrar escombros pelo mar, principalmente os vergalhões ou tijolos. Ele teme que, daqui a um tempo, a praia de Atafona fique completamente imprópria para banho. “A frustração é que ninguém faz nada por isso e a gente tem que ir direto lá para Grussaí [distrito vizinho], tendo aqui uma praia vasta…”, disse, decepcionado. Por isso, para ele, é importante que todos preservem e façam algo pelo distrito, principalmente os jovens.
“Nós, jovens, somos o futuro. Eu acho que se a gente mudar agora, num futuro próximo a gente consegue sim mudar alguma coisa. Também espero que não seja só por aqui, isso tem que ser uma coisa coletiva mundialmente, pq 1% do mundo fazendo uma coisa, é bom, mas não é suficiente. O coletivo é muito importante”, completou.
X
Patricia Abud
Antes do andor de Nossa Senhora da Penha chegar aos barcos para o início da procissão fluvial de Atafona, tradição da festa da padroeira, dezenas de fiéis a acompanham pelas ruas do distrito, enquanto rezam e cantam. Com uma blusa escrito “#atafonapedesocorro” nas costas, Patrícia Abud é uma das devotas que seguem Nossa Senhora até os barcos à espera da santa na beira do Rio Paraíba do Sul. Emocionada do início ao fim, Patrícia canta e agradece à padroeira da cidade que frequenta desde criança.
Patrícia é uma das mais de 100 integrantes da associação SOS Atafona, que dialoga com o poder público, organiza manifestações e busca mostrar, para cada vez mais pessoas, o que acontece no distrito. “Cada oportunidade que eu tenho, eu peço: ‘vamos lá ouvir a gente o SOS Atafona, dar voz para gente’. Eu sei que isso causa impacto, a nossa camisa causa impacto, mas não adianta só causar, a gente precisa fazer disso uma voz, para que a gente consiga que nos escutem, que o poder público nos escute”, comentou.
Devota de Nossa Senhora da Penha, Patrícia diz que Nossa Senhora lhe dá força para seguir lutando por Atafona. “Eu acredito muito que tenho uma missão na vida, que é ajudar o outro, e o que eu estou vivendo é essa missão.” Mas essa força espiritual, Patrícia também recebeu quando descobriu um câncer de mama em 2021. Após alguns médicos dizerem que ela não tinha nenhum problema específico, Patrícia mesmo assim não se conformou e, em uma ida a outro profissional, teve o diagnóstico. Hoje, já operada do tumor, ela explica o quanto Nossa Senhora foi importante nesse processo. “Minha médica dizia que era coisa [o câncer] da minha cabeça, porque meus exames recentes não davam nada. E quando eu resolvi ouvir aquela vozinha na minha mente, eu fui procurar e tinha. Eu cheguei ali na igreja e falei: "Nossa Senhora, caminha comigo, eu vou vir aqui sempre na sua festa para agradecer que nunca soltou as minhas mãos", contou, emocionada.
Histórias e memórias é o que não faltam quando as pessoas se referem à Atafona. E com Patrícia não é diferente: ela sonha que seus netos, no futuro, possam também criar muitas memórias no local. “Se eu puder fazer com que eles construam amizades como as que nós temos aqui em Atafona, já valeu tudo. Atafona tem isso. A cada esquina é uma história”. Por isso, ela segue lutando, articulando e torcendo para que algo seja feito no lugar onde criou tantas lembranças e que sonha que seus filhos criem também.
X
Nenéu
Às 5 e meia da manhã, “Nenéu” aparece ao lado de sua fiel companheira de quatro patas, a Pretinha, para pescar na Praia de Atafona. Com as duas partes de uma prancha quebrada, amarradas uma em cima da outra, o pescador enfrenta as ondas da praia para tentar garantir o seu almoço ou alguma renda para si. Pretinha o observa da areia e espera pacientemente. Na volta, Nenéu retorna com o semblante triste, de quem não conseguiu pescar um mísero peixe.
José Luiz Gonçalves Rosa, conhecido em Atafona como Nenéu, é morador do distrito há 49 anos. Antes de morar na localidade, o pescador residia com a sua família na Ilha da Convivência, onde nasceu em 1974. Com um ano de idade, teve de se mudar para Atafona devido ao avanço do mar na ilha, que fez ele, sua família e outras dezenas de moradores saírem de suas casas.
Em cima das ruínas de sua penúltima casa, que foi derrubada pela defesa civil devido ao risco do avanço do mar, Nenéu aponta para o oceano e diz: “minhas outras casas estão para lá”. Já foram quatro moradias perdidas para o mar. Na última, Nenéu viveu por 15 anos. Emocionado, ele conta que precisa ficar perto do mar, mas não consegue pagar o aluguel de uma casa pela orla. Atualmente, mora em uma antiga kitnet de seu pai em Atafona.
Nenéu então mostra seu barco, instalado em frente às ruínas de sua casa. Comprado em 2020, o pescador investiu o dinheiro que ganhava com a pesca e a confecção de redes e pagou o barco por R$10 mil. No entanto, naquele mesmo ano, a embarcação quebrou enquanto ele pescava em alto mar. Hoje, não tem mais condições para bancar o conserto do barco. Nenéu se emociona ao olhar para a embarcação ali parada, com o sonho de um dia conseguir voltar a pescar com ela.
X
Dona Sônia
O vento nordeste sopra forte e é possível ver voando as areias das dunas que ocupam o lugar onde era o quintal de Sônia Ferreira, moradora de Atafona há 27 anos. Ela entra no que resta da área pelas dunas, porque o portão da frente da casa já foi tomado. Enquanto caminha por ali, seu rosto demonstra uma espécie de luto e, ao mesmo tempo, decepção por tudo que vem acontecendo. Uma estátua de Nossa Senhora da Penha, que antes ficava ao lado de algumas plantas no quintal, hoje mora com Dona Sônia na casa da filha, há algumas ruas atrás de onde o mar está.
Nascida em Campos dos Goytacazes, Soninha – como é conhecida no distrito – cresceu aproveitando as férias em Atafona e sempre teve no lugar um refúgio de paz e memórias boas. Em 1978, ela e o marido decidiram construir uma casa de veraneio, onde recebiam toda a família.
Em 2019, o primeiro pedaço da casa de Dona Sônia caiu. Vendo o mar avançar, em 2022 ela decidiu demolir sua casa, antes que a perdesse de vez e inesperadamente. Depois da demolição, Sônia se mudou para a casinha na parte de trás do terreno, onde ficava o caseiro. Até que o mar passou a ameaçar o espaço também e, em outubro de 2023, ela foi morar com a filha, ainda em Atafona.
Quase dois anos depois, as ruínas da casa passaram a ser cada vez mais invadidas por areias, formando dunas no entorno e dentro do que antes era o quintal da casa de Sônia. Algumas de suas coisas ainda estavam na pequena casa de trás, onde viveu até 2023. Para quem vê de fora, pode até ser apenas uma ruína de uma casa. Mas, para ela, continua sendo o lar onde criou seus filhos, reuniu sua família e viveu uma vida.
Soninha conta que, além do mar, a areia também chega com muita força e vai destruindo as coisas. “A areia entra de uma forma muito agressiva, muito forte. Esse vento nordeste que é tão gostoso aqui em Atafona, está muito forte e vem trazendo essa areia. E não tem mais jeito, caiu outro pedaço do muro de anteontem para cá e aí vai. É mais um pedaço, outro pedaço e vai acabando. ” Precisou, então, retirar o quanto antes as suas coisas da casa, principalmente álbuns de fotos e outros objetos de grande valor sentimental.
Mas não foi só pela areia e o mar que a casa de Dona Sônia foi invadida. Com a casinha de trás ainda em pé, e diversos pertences dela ali, a casa passou a ser usada por moradores de rua e usuários de drogas, além de outras pessoas que entraram e roubaram o que ainda restava de móveis e objetos de Sônia. “Eu tinha ali no escritório muitos álbuns, muitas fotos, muitos porta-retratos, muitas coisas. E essas coisas foram jogadas no chão, foram espalhadas, foram pisadas, porta-retratos foram quebrados”, contou.
Em abril de 2025, ela decidiu então, demolir também a casinha de trás e tentar, aos poucos, “virar a página”. Segundo ela, é a fé que a mantém forte para seguir com a vida e continuar lutando pelo distrito.
“Deus e Nossa Senhora precisam e dão muita força para a gente, porque senão a gente não aguenta tanta destruição dos nossos sonhos, dos nossos encontros, da nossa família, dos nossos momentos de alegria. Então eu continuo com as minhas orações para agradecer que estou virando essa página.”, disse.
X
Leandro Soares
Deivid Soares nutre um amor pelo mar desde criança e sempre sonhou em ser pescador. Após pressões da mãe, entrou na escola com 8 anos de idade. No primeiro mês de aula, levou falta todos os dias, mesmo sem deixar de ir um dia sequer. Sem entender, perguntou à professora o motivo de seus registros de falta. Foi então que descobriu que seu nome era Deivid, e não Leandro, como sempre foi chamado pela família e por amigos. Em Atafona, é conhecido por todos como o “pescador Leandro que ficou à deriva no mar”.
Era 25 de dezembro de 2024, Leandro sabia que não haveria ninguém pescando na data, mas a vontade de estar no mar era maior. Foi então que, enquanto pescava, caiu no meio da Bacia de Campos. “Eu tentei voltar para o barco, mas ele estava ancorado e tinha um turbilhão de água muito, mas muito forte.” Nadou, nadou e nadou até sua exaustão física, mas não conseguiu chegar ao barco.
Religioso e de muita fé, Leandro conta que a todo momento falava com Deus. “Eu falei assim: ‘Ai, meu Deus, eu não sei aonde que eu vou parar, mas eu entrego minha vida ao Senhor’. Com grande conhecimento do mar, ele sabia que não podia se machucar, se não atrairia os cações, e que se nadasse à favor das águas, chegaria num cinturão de boias da Marinha. Dando o seu máximo para chegar até lá, as águas mudaram o curso.
“Aí veio a experiência de pescador. Eu comecei nadando totalmente para terra, poente. Comecei andando de lado. Nadando para terra, a corrente já era tão grande que me empurrava de lado. Aí eu cheguei perto da boia e subi”, contou.
Já de noite, com muito frio, Leandro sentia as mucosas do nariz queimando, de tanta água salgada que havia entrado. Usava o atrito das mãos para se esquentar. “Eu fiz isso mais algumas vezes na madrugada. Cheguei a pensar que eu ia morrer mesmo de frio. Nem na água eu fiquei tão preocupado. Agora lá eu pensei que ia morrer.”
No dia seguinte, Leandro viu um barco de pesca. Fazia sinal, mas ninguém o via. Depois, mais duas embarcações, e nada. “Chegou uma hora que eu duvidei da minha vida. Eu falei: ‘Será que eu tô vivo mesmo? Será que eu tô vendo eles e eles não tão me vendo’?”. Em Atafona, a esposa de Leandro começou a ficar preocupada pelo não retorno do marido, apesar de saber o quanto ele gostava de ficar no mar. Chamou então uma amiga que trabalhava numa rádio de comunicação para procurar por Leandro.
Duas embarcações foram à procura do pescador. Chegaram ao seu barco, mas não viram nada ali. Leandro estava mais à frente, nas boias. “Pegaram o barco, começaram a rebocar para a terra. E o outro barco veio a favor das águas me procurando. Eu vi ele primeiro do que ele me viu. E gritava: ‘Meu Deus, segue as águas, segue as águas e vai me achar’. Foi então que encontraram o pescador e seguiram para Atafona, onde Leandro foi recebido com muita comemoração.
“Hoje eu venho na igreja e falo: ‘Não tenho nada a pedir, eu só tenho agradecer’”, contou. Sua fé, que já era grande, agora se multiplicou. Leandro faz questão de estar presente em todas as missas. Ele conta que, em geral, os pescadores utilizam-se muito da fé para enfrentar o mar, principalmente com o avanço cada vez maior e o rio perdendo sua força a cada ano.
X
Aluysio Barbosa
“Foi uma cena impressionante, parecia um outro World Trade Center.” Foi assim que Aluysio Barbosa se referiu à queda do “Prédio do Julinho”, único edifício que existia em Atafona, em 2008. Ele caminhava com o filho e um amigo pela praia, quando se deparou com o ângulo em que o prédio estava: “era um ângulo maior que a Torre de Pisa”. Foi ali que Aluysio teve a certeza que o prédio iria cair. Ao se afastarem um pouco do local, o edifício inclinado foi puxado por um vergalhão e, conta Aluysio, “ele caiu sobre si mesmo, parece que foi perfeito”. Após a queda, uma nuvem de fumaça e poeira se formou na região. Aluysio segurou nas mãos das crianças e disse “essa poeira vai baixar, não se assustem com o vento e não desgrudem de mim”. No entorno, várias pessoas assistiam a cena e gritavam. “É como se a destruição também tivesse virado um espetáculo em Atafona”, disse ele.
Aluysio Barbosa é jornalista, poeta e amante de Atafona. Nascido em Niterói (RJ), em meados dos anos 70 seus pais se mudaram para Campos dos Goytacazes, quando ele tinha apenas 1 ano. Foi então que todos os verões passaram a ser em Atafona. Até que, não querendo mais ser apenas um veranista, Aluysio decidiu mudar-se para o distrito em 1994 e permaneceu até 2005. Hoje mora em Campos dos Goytacazes, mas continua retornando aos finais de semana e nos verões para o distrito.
A admiração por Atafona é transbordada para os versos de seus poemas, muitos voltados para a vida no distrito. “Atafona é minha grande musa inspiradora”, disse. Aluysio lembra com orgulho de um episódio em que passava pela praia e viu um antigo pescador, que acabara de pegar um robalo. Quando passou por ele, o pescador disse “Aluysio, o poeta de Atafona”. “Esse foi o maior elogio que alguém me fez na vida. Para mim é um título nobiliárquico.”
Dentre diversos poemas, histórias e matérias redigidas, Aluysio lamenta o fato de o avanço do mar está destruindo, aos poucos, um lugar com tamanho apreço dos moradores e frequentadores. “De um ano para o outro você tem mudanças drásticas na geografia física de Atafona. Isso são casos levados, são memórias, são histórias. Aqui não tem esquinas que não tenha uma história, um papo cabeça que você levou, um namoro, um desentendimento”. E completa: “E fisicamente, essas memórias hoje estão submersas pelo mar.”
Jornalista há 30 anos do Grupo Folha, um dos principais veículos de Campos dos Goytacazes, Aluysio também acompanhou o avanço do mar pelas matérias que redigiu ao longo do tempo. Segundo ele, há uma noção de que todo esse processo de destruição em Atafona vem sendo cada vez mais banalizado. “Tanto o poder público municipal, quanto o poder público estadual, quanto união, executivo nas suas três instâncias… Não faltou representante também, parlamentar. Mas nada se reverte em concreto.”
“As pessoas já aceitam como uma coisa inexorável. É só um novo capítulo de uma velha história. Um novo capítulo de uma história muito antiga que se repete sempre”, completou.
X
Camila Ricardinho
“Enquanto existir Atafona, eu estou feliz”, disse Camila Hissa, gerente do Restaurante Ricardinho, um dos mais conhecidos estabelecimentos de Atafona. Moradora do distrito desde que nasceu, Camila deseja permanecer ali até quando não puder mais. Durante sua vida, viu os pais mudarem o restaurante de endereço algumas vezes. Hoje, na administração do atual negócio, Camila reflete sobre as soluções que podem haver para Atafona e torce para que algo seja feito.
Com um filho de 7 anos, Camila pretende continuar o criando em Atafona, para que ele possa também ter boas memórias ao lado da família. Segundo ela, o local tem tudo o que valoriza: ar fresco, paz, amigos, família e sem qualquer discriminação.
“Atafona sempre foi essa coisa meio homogênea, de que todo mundo se mistura e todo mundo é igual. Você vê as vezes o pescador com o desembargador, um médico conversando com pescador e todo mundo é amigo… É um lugar onde as pessoas vem e se sentem à vontade para ser elas mesmas”, contou.
O Restaurante Ricardinho foi inaugurado em 1978 pelos pais de Camila. Localizado no antigo pontal de Atafona, o mar passou a avançar no lugar onde ficava o restaurante e, então, precisaram encontrar outro lugar. No segundo endereço, o negócio não durou uma semana, o mar chegou rápido. Mudaram-se então mais duas vezes e hoje, no quinto endereço, o restaurante já permanece há cerca de 28 anos. “No quarto [endereço], a minha mãe não esperou o mar chegar. Quando ele estava na porta, ela já se mudou e veio para cá. Diferente dos outros locais, que têm histórias de panela sendo carregada, fogão, geladeira, tudo boiando…”, lembrou Camila.
Apesar de não ter vivido todas as mudanças de seus pais, a gerente cresceu ouvindo as histórias e hoje tem noção do quão doloroso é perder um local para o mar, seja uma casa, seja um restaurante. Para ela, toda essa perda não é culpa dos moradores de atafona, e sim resultado de algo muito maior.
“A conversa não é só qual é a solução, porque a solução passa por tudo isso: passa por você mudar o que está sendo feito, repreender quem está fazendo coisa errada… E a gente também tem que cuidar do rio, não é pensar que só o mar está avançando. A gente tem que entender que o rio também está fraco, também está assoreado, então o que a gente precisa fazer? Essa é a pergunta”, disse.
Segundo ela, a sua geração tem mais consciência do que vem acontecendo, diferente da geração de seus pais que mal sabiam do que se tratava e como acontecia. “O que estamos fazendo de verdade para mudar isso? O que to fazendo de diferente? Como posso contribuir? Fico tentando buscar respostas e cada vez mais conhecimento”, completou.
X
Quer começar o seu dia com uma notícia positiva sobre o meio ambiente direto no seu WhatsApp? Increva-se e saiba como receber nosso podcast!
Olá, meu nome e Luiz ,natural de Porto Velho Rondônia.
Passei por duas experiências noturnas ,
Uma na floresta amazônica estrada Br 319.
Ao parar o veículo observei o céu como de costume era lua cheia com um halo lunar ,e percebi que uma
Ave passou muito alto com a claridade ela passou e depois foi desaparecendo .
Já na data de hoje 26 de abril de 2020 na cidade, em Porto velho RO pouco mais a meia noite
Ao costume de observar a noite
Tempo escuro com formação de friagem nuves rápidas vento não tão forte.
Vi uma ave branca tamanho não era médio
Voando a altura não tão baixa mas nitidamente observei a cor branca e asas em movimento.
Resumindo algum registro desse aparecimento e qual ave pode se tratar ?
Poderá ser uma Garça branca com habito noturno?
Agradeço dês de já uma possível resposta
Email [email protected]
gostei muito deste artigo parabens
amo aves
muito legal este artigo, sou admirador das aves brasileiras
eu amo aves
Pois é. Como eu disse no depoimento, observar aves é sempre emocionante. Acabei de voltar da Colômbia, onde participei de um FAMTour para operadoras de ecoturismo, e obviamente o tour que escolhi era de observação de aves. Durante a atividade tive o privilégio de observar 224 espécies, muitas delas lifers, mas duas já entraram pra lista dos "uau!!!": em uma das manhãs, o guia que nos acompanhava identificou, distante, o canto de um Chestnut-breasted Wren (Cyphorhinus thoracicus), uma ave da família do uirapuru, mas que só vive em grandes altitudes nas florestas andinas. Por via das dúvidas, ele tocou o canto da ave. E para minha surpresa, havia outra muito, mas muito perto de nós, embrenhada nos arbustos, que respondeu com um canto melodioso e tão lindo, que me emocionei na hora. Ficamos mais de 10 minutos ouvindo aquele canto sem sequer conseguir ver o passarinho, mas foi suficiente pra eu me derreter em lágrimas. Há muito tempo não era pega de surpresa por uma ave dessa forma, me desarmou completamente, rs… E para fechar esse mesmo dia, um grupo com oito galos-da-serra-andinos, uma espécie que há anos faz parte da minha "wish list", simplesmente nos presenteou com um display frenético bem na nossa frente, espontaneamente. Observar aves é assim, toda saída tem uma surpresa especial!