Era manhã de sexta-feira. Uma onça-pintada (Panthera onca) transitava pela BR-262, rodovia que cruza o Pantanal sul-mato-grossense. Talvez estivesse em busca de remanescentes ou até mesmo novas porções de floresta para explorar. Em dado momento, o choque de um veículo coloca fim à sua vida. Encontrado às margens da rodovia, o felino era um macho de mais de 100 kg, confirmou a Polícia Militar Ambiental (PMA).
Esse episódio nada fictício aconteceu na última sexta-feira (27), em Miranda (MS), e ilustra a realidade de muitos animais nas rodovias de Mato Grosso do Sul. No mesmo dia, por exemplo, outras duas onças-pintadas foram vistas na BR-262, onde a primeira onça tinha sido morta.
“A gente foi chegando perto e viu que começou a mexer e se levantou. Quando a gente chegou mais perto, ela levantou e foi embora”, conta a ((o))eco a professora Crescilane Pinto de Arruda, que viu de dentro do carro em que estava um dos dois felinos deitado em plena rodovia.
O registro, feito algumas horas depois do recolhimento da onça-pintada que tinha morrido, demonstra a vulnerabilidade à qual estão expostos não apenas este, que é o maior felino das Américas, mas também outros animais, como o tamanduá-bandeira, antas e tatus, que também são vítimas da colisão de fauna.
Ameaça para a biodiversidade e humanos
A ((o))eco o zoólogo Arnaud Desbiez, fundador do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), explica que colisões veiculares são um problema constante na BR-262. “É uma rodovia perigosa para a biodiversidade, mas também para as pessoas”, diz ele ao explicar que a colisão com um animal, quando de grande porte, também coloca a vida de pessoas em risco.
Conhecida pelos atropelamentos e por vezes nomeada como “rodovia da morte”, a BR-262 não responde sozinha pelo impacto das colisões veiculares contra a fauna, comenta o pesquisador. “Todas as rodovias pavimentadas são um grande perigo para os usuários. É um problema que existe no estado todo”, relata.
Através do projeto Bandeiras e Rodovias, o ICAS monitora o impacto da colisão na fauna sul-mato-grossense. Em estudo publicado em 2021, pesquisadores do instituto revelaram que mais de 10 mil animais silvestres tinham sido vítimas de colisão veicular entre 2017 e 2020.
A área analisada foi de 1,1 mil quilômetros, distribuídos entre a BR-262, BR-267, MS-040 e MS-338, o que indica que o número ainda pode ser bem maior do que o encontrado na pesquisa.
“E 40% desses animais, na verdade, representavam um perigo para o ser humano”, diz ele se referindo às colisões envolvendo animais que podiam causar danos materiais significativos, como o tamanduá-bandeira e a anta.
Medidas para proteger
Para enfrentar esse problema que atinge as rodovias sul-mato-grossenses, que cortam trechos do Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica, são importantes uma série de medidas mitigatórias, dentre as quais algumas já foram compiladas em manual feito pelo ICAS com o apoio do Governo de Mato Grosso do Sul.
Dentre essas iniciativas, estão as passagens de fauna, feita através de pontes, túneis embaixo de rodovias, entre outras que já foram implementadas em algum nível em Mato Grosso do Sul, mas, sobretudo, a implantação de cercas, que servem para guiar o animal até essas passagens.
Ele cita o exemplo os tamanduás-bandeira, que segundo monitoramento do ICAS utilizavam as passagens de fauna em apenas 1% dos casos quando não contavam com a instalação de cercas.
“Quando não tinha cercas para guiar o animal, apenas 1% das travessias foram feitas usando essas passagens de fauna. O animal não é guiado, não é encorajado para usar essa passagem de fauna, por isso que acontece essas colisões”, conclui.
Leia na íntegra o Manual de Mitigação de Colisões Veiculares com Fauna Silvestre.
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