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Segundo dia do Seminário de Jornalismo Ambiental ((o))eco aborda o potencial das novas mídias

O último dia do evento contou com três mesas de conversa, entrevista com Andrew Revkin e uma solenidade em comemoração aos 20 anos de ((o))eco

Daniele Bragança ·
31 de agosto de 2024

O segundo dia do seminário teve como ponto de partida o debate sobre estratégias na distribuição de conteúdo e orientações para produção de um jornalismo investigativo eficaz. A mesa “Investigando delitos ambientais na Amazônia” reuniu uma bancada de jornalistas com especialidade em grandes reportagens que retratam desafios sociais e ecológicos. Mediada por Bryan Araújo, oficial do Programa da Amazônia para América do Sul na Internews, a conversa foi aprofundada por Kendria Cavalcante, editora-chefe de jornalismo da Rede Amazônica, Maria Regina Telles, diretora da Comunicativa Assessoria, e pelo criador e diretor do Correio Sabiá, Maurício Ferro.  

Um dos maiores desafios do jornalismo atual é conter a disseminação de notícias falsas. A velocidade com que as informações se espalham pelas redes sociais dificulta a verificação da veracidade dos conteúdos e permite que muitos usuários compartilhem notícias sem autenticidade, alimentando um ciclo de desinformação. Em 2018, inconformado com o ecossistema noticioso, Maurício Ferro criou a primeira organização de mídia digital independente no WhatsApp, o Correio Sabiá.

Para combater a desinformação e incentivar a pluralidade de notícias, ele desenvolveu uma estratégia de distribuição de conteúdo jornalístico à ponta da linha no aplicativo de mensagens. Mas, afinal, a comunicação digital pode ser uma aliada na luta pela proteção da Amazônia? Segundo Maurício, a resposta é sim. Ao capacitar jornalistas e pesquisadores da região para contribuir para a circulação de informações sobre os delitos ambientais de forma segura, ele comentou que foi possível estabelecer uma relação de confiança e, assim, construir uma audiência fiel e engajada: “Defendo que a audiência deve ser parte da solução de qualquer problema do ecossistema de notícias”, afirmou.

Em algumas cidades brasileiras, a oferta de notícias se concentra em um único veículo, muitas vezes alinhado a interesses públicos ou econômicos locais, restringindo a pluralidade de vozes. Para o fundador do Correio Sabiá, o WhatsApp se tornou uma plataforma capaz de alcançar um público vasto e diverso, mas também vulnerável à desinformação: “O WhatsApp poderia ser usado como um instrumento para levar o conteúdo do jornalismo, o conteúdo ambiental, verificado à ponta da linha e construir audiências”, disse.

No total, o saldo do programa foi positivo pela ampla diversidade dos selecionados. Durante a mesa, Maurício comentou que, inicialmente, eles iriam selecionar cerca de 12 pessoas, mas decidiram abrir para 43 interessados que demonstraram interesse em fazer parte dessa rede. Para incentivar as pessoas a conseguirem construir seus próprios produtos, o processo consistia em sessões de mentoria individual, ligações e webinários semanais.

Já a jornalista Maria Regina Telles dedicou seu momento na mesa para compartilhar as experiências da sua trajetória nas reportagens investigativas. Ao narrar o tráfico de animais silvestres e a exploração madeireira no Maranhão, em parceria com as jornalistas Monalisa Coelho e Camila Simões, Maria Regina não só detalhou o processo de produção dessas reportagens, como também evidenciou o impacto do trabalho na sensibilização da sociedade e na pressão por mudanças públicas.

Além disso, a jornalista explicou a importância da utilização de dados para enriquecer o conteúdo na matéria. De acordo com ela, quando as informações são de interesse coletivo, os órgãos governamentais, as entidades que lidam com questões ambientais e as instituições de pesquisa, como o MapBiomas e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), funcionam como aliados para complementação. 

As reportagens que utilizam desses recursos também podem ser incrementadas com outras fontes para tornar a narrativa mais plural e viva. Maria Regina instiga a busca por instituições de classe, organizações constituídas pela própria população afetada e que sejam voltadas especificamente para o público atingido. 

Junto aos dois participantes, Kendria Cavalcante participou da conversa com uma reflexão sobre a complexidade e os desafios enfrentados por mulheres no jornalismo, especialmente em áreas de vulnerabilidade, como a Amazônia. Ela compartilhou que, ao lidar com denúncias e se colocar à frente das investigações, o desafio se intensifica, mas que isso não a impede de exercer sua profissão: “Trabalhar na Amazônia, retratar e poder trazer para o mundo esses delitos ambientais, significa todos os dias levantar e dizer ‘eu vou fazer, mas vão ter consequências’. E é você arcar com essas consequências, porque o mundo precisa saber o que a gente passa”, declarou.

Em Roraima, estado de nascença da jornalista, as condições de trabalho não são as melhores. Ao final da mesa, Kendria contou que ela e seus colegas de trabalho passaram por uma situação de desconforto e precisaram esconder suas identidades para evitar retaliação: “Chegaram momentos em que nós fomos convidados a retirar as nossas fardas e a não ter nenhum tipo de identificação porque nós estávamos sofrendo represálias. Nós não podíamos chegar identificados no nosso trabalho”, disse.

Como explorar o potencial das novas mídias?

Com o tema “Comunicação e Novas Mídias”, a segunda mesa do dia discutiu o avanço da tecnologia e o impacto no compartilhamento de informações ambientais. A conversa foi mediada por Marcio Isensee e Sá, diretor de conteúdo de((o))eco, e contou com a presença de Francisco Figueiredo, criador de conteúdo e colaborador do ((o))eco, Daniele Rodrigues, gerente de comunicação do Instituto Oyá, Adriano Liziero, fundador do Geopanoramas, uma newsletter mensal gratuita que mostra o mundo a partir de imagens de satélite.

Em sua fala, Daniele Rodrigues destacou que o público, especialmente o mais jovem, não tem o costume de instalar aplicativos como TikTok ou Instagram para aprender ecologia. Gerente de comunicação do Instituto Oyá, projeto que busca contribuir para o desenvolvimento humano, intelectual e artístico de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade na comunidade de Salvador, Daniele definiu as redes sociais como uma ponte essencial entre jornalistas e sua audiência. Para ela, a solução é unir o conteúdo de entretenimento com o conteúdo educacional.

Nessa questão, Adriano Liziero acrescentou que, quando começou a criar conteúdo, precisou considerar o que os espectadores gostariam de ver: “Ninguém quer ter aula no Instagram”, refletiu. Com a intenção de atingir estudantes de vestibular, o geógrafo enxergou a necessidade de produzir um conteúdo mais leve. Segundo Liziero, a criação de vídeos curtos são necessários nos dias de hoje, sendo a melhor forma de falar com diferentes camadas da população.

Outro assunto explorado pela mesa foi a responsabilização da sociedade pelas questões ambientais. Daniele chamou atenção para os perigos da individualização da culpa, especialmente quando a raiz do problema é muito maior: “Uma pessoa comum não é a responsável pelos problemas nos ecossistemas nem pela crise ambiental, e sim o sistema. Culpabilizar essas pessoas as afasta da causa e não oferece nenhuma solução”, disse.

Para o colunista e influenciador Francisco Figueiredo, o propósito deve ser levar cada vez mais pessoas para o meio ambiental, o que inclui buscar parcerias com outros profissionais da área digital. Como um dos seus grandes objetivos, ele destacou fazer com que aqueles que tenham um grande número de seguidores participem da luta ecológica e se mobilizem no combate à desinformação. Ao final da conversa, Figueiredo também anunciou o lançamento do seu novo projeto, o Proibido Pisar na Grama (PPG), cuja proposta é convidar pessoas para saírem e curtirem ao ar livre enquanto debatem assuntos quentes e divulgar um novo caminho de fazer jornalismo ambiental para as novas gerações.

Comunicação em tempos de crise climática

Negacionismo climático é discutido em mesa com Aldem Bourscheit, Bernardo Esteves, Juliana Baladelli e Maureen Santos. Foto: Joana Braga

Como comunicar em tempos de crise climática? Foi para responder esse questionamento que a terceira e última mesa do seminário foi planejada. Mediada por Aldem Bourscheit, repórter especial de ((o))eco, a conversa reuniu Bernardo Esteves, repórter da Revista Piauí, Juliana Baladelli, gerente de projetos e especialista em Soluções Baseadas na Natureza na Fundação Grupo Boticário, e Maureen Santos, coordenadora do Núcleo de Políticas e Alternativas da FASE. Entre os principais assuntos abordados, destaca-se a discussão sobre negacionismo climático, analfabetismo político e iniciativas diplomáticas.

Ao início, Bernardo Esteves, apresentador do podcast “A Terra é redonda (mesmo)”, apresentou sua tese de doutorado, que trata sobre o negacionismo climático na Wikipédia, para ressaltar o papel da literatura científica no combate à desinformação: “O negacionismo não está na literatura científica. Ela está muito alinhada com o consenso de que o aquecimento global é causado pelas atividades humanas, esquema de combustíveis fósseis e desmatamento”, afirmou. Para exemplificar a tese, ele apresentou a reportagem “Ativismo Indoor”, publicada pela Revista Piauí em 2016 sobre o tema.

No panorama do aquecimento global, Juliana Baladelli destacou a importância de valorizar os novos dados, frequentemente divulgados, sobre as consequências das mudanças climáticas. Entre as pesquisas citadas, Baladelli chamou atenção para um estudo da Agência Nacional das Águas que aponta que a disponibilidade de água no Brasil pode diminuir em até 40% até 2040: “Será que a imprensa está falando sobre isso o suficiente? Em termos de planejamento estratégico, isso é amanhã”, provocou. Durante sua apresentação, Juliana também mostrou algumas pesquisas feitas pela Fundação Grupo Boticário. Uma delas mediu a percepção do brasileiro a respeito da mudança do clima e concluiu que 91% da população acredita que as mudanças climáticas terão grande impacto nas futuras gerações.

Para Maureen Santos, que atualmente integra a FASE, uma organização não governamental sem fins lucrativos que atua no desenvolvimento local, comunitário e associativo na Amazônia, a capacidade de empatia está diretamente relacionada com a capacidade de mobilização social, de modo que a população ainda sente dificuldade em se sensibilizar com desastres que acontecem distantes das metrópoles. Segundo ela, é importante considerar o fator da desigualdade ao analisar o cenário em questão: “A mudança climática não chega igual para todo mundo, mas é vendida como um problema geral”, afirmou. 

Ao final da mesa, Maureen também refletiu sobre a ausência de políticas públicas para a proteção de povos indígenas: “Eu quero entender porque a demarcação de terras indígenas não deveria ser algo prioritário. As populações tradicionais, os povos indígenas de todo o mundo, protegem 80% da nossa biodiversidade”, concluiu.

Entrevista com Andrew Revkin

Para fechar o evento, a jornalista Cristiane Prizibisczki, do ((o))eco, entrevistou Andrew Revkin, uma das principais referências da cobertura ambiental e do jornalismo especializado nos Estados Unidos. Aos 68 anos, Revkin apresenta um leque diverso de atuação, tendo produzido conteúdo em diferentes formatos de mídia, como podcast, texto, audiovisual e fotojornalismo. Ainda em 2007, enquanto era repórter no The New York Times, criou o blog “Dot Earth” (Ponto Terra), voltado para a cobertura de meio ambiente. 

Formado em Biologia pela Brown University, em Rhode Island, Revkin comentou que o interesse na natureza humana teria sido o ponto de partida para sua decisão de seguir nos estudos de ecologia. Ao ser questionado sobre a dualidade entre o apego com os temas ambientais e o dever jornalístico da cobertura, Revkin destacou que existem diferentes tipos de jornalismo. Defensor de uma perspectiva socioambientalista, o repórter estadunidense comentou que sua “paixão é pela realidade”, e afirmou que sua motivação está no desafio de “pensar em formas de navegar pela realidade onde eu possa explorar a complexidade humana”.

Ao ser questionado sobre a abordagem do tema por outros veículos de imprensa no eixo Estados Unidos-Europa, Revkin citou a abordagem excessivamente alarmista do jornal britânico The Guardian como um ponto de crítica. Segundo o jornalista, quando a linha editorial do veículo estabelece o uso de termos como “catástrofe climática”, ela pode estar contribuindo para o esvaziamento do debate. Afinal, Andrew considera que nem todos os países, povos e etnias estão sendo igualmente impactados pelas mudanças climáticas hoje. Sendo assim, seria uma catástrofe climática para quem?

Ao final da entrevista, o ambiente foi tomado por um momento de nostalgia, enquanto a equipe relembrava o lado musical de Revkin de forma descontraída. Ele, que destacou a importância da expressão musical na sua vida pessoal, produziu um CD original, em novembro de 2013, intitulado “A Very Fine Line” (“Uma Linha Muito Fina”). No auditório da ESPM-Rio, os participantes assistiram a uma gravação antiga, na qual Revkin performava a música “Liberated Carbon” (“Carbono Emitido”).

Prêmios distribuídos na solenidade de 20 anos de ((o))eco. Foto: Joana Braga

Solenidade 20 anos 

O Seminário de Jornalismo Ambiental de ((o))eco chegou ao fim com a cerimônia de solenidade. Celebrando duas décadas de jornalismo ambiental, independente e digital, o evento reuniu aqueles que contribuíram para a construção do veículo. Como ponto alto da noite, a equipe organizou uma homenagem e premiação aos profissionais que fizeram parte da história. O fundador de ((o))eco, Marcos Sá Correa, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, receberam um prêmio de reconhecimento às suas trajetórias e contribuições para o jornalismo e para a política ambiental.

Pedro Curi, coordenador do curso de jornalismo da ESPM-Rio. Foto: Joana Braga

Pedro Curi, coordenador do curso de jornalismo da ESPM-Rio, também participou da cerimônia. A faculdade foi responsável por sediar o seminário durante os últimos dois dias, e, em agradecimento, a equipe de ((o))eco o convidou para fazer um discurso durante o encerramento. Representando o curso, Pedro destaca a importância das pautas mencionadas no evento para o futuro do jornalismo: “É um privilégio enorme receber esse evento aqui, para os nossos estudantes verem temas e debates tão urgentes não só para o jornalismo, mas para o país e para o mundo. Ver os nossos estudantes trabalhando na cobertura do evento, se engajando e percebendo o jornalismo ambiental ainda mais presente no curso é um prazer enorme. As portas estarão sempre abertas, vida longa ao ((o))eco!”.

*Estudantes do Portal de Jornalismo da ESPM-Rio

  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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