Análises

Uma breve história dos últimos 13,7 bilhões de anos

No Dia do Meio Ambiente, é bom lembrar que somos o mais recente capítulo da maior narrativa de todos os tempos, que permanece com final aberto.

Fabio Olmos ·
4 de junho de 2013 · 12 anos atrás
Bactérias e Archaea colorem a água fervente e carregada de minerais que sai de um dos geisers em El Tatio, Chile. Foto: Fabio Olmos
Bactérias e Archaea colorem a água fervente e carregada de minerais que sai de um dos geisers em El Tatio, Chile. Foto: Fabio Olmos

A longa história da Vida na Terra é a história de sua biodiversidade. É a nossa história. E a realidade é muito mais interessante do que a ficção.

Há algo como 13,7 bilhões de anos o espaço, tempo, matéria e energia que formam o Universo que habitamos (possivelmente um entre vários) estavam compactados em um volume não maior do que o hoje ocupado pelo nosso sistema solar. O evento hoje conhecido como Big Bang iniciou o processo de evolução cosmológica e sucessivamente deu origem a partículas subatômicas que geraram o hidrogênio e hélio que formaram as primeiras estrelas. Reações nucleares no interior destas, e explosões de super e hiper novas, forjaram outros elementos químicos, como carbono, oxigênio e ferro.

Estes elementos são matéria-prima de nebulosas, cometas, planetas e, eventualmente, da Vida. Esta foi definida de muitas maneiras, mas prefiro aquela sugerida pelo grande astrônomo e divulgador científico Carl Sagan e hoje utilizada pela NASA: Vida é um sistema químico capaz de evolução darwiniana. Esta definição tem a vantagem de considerar outras possibilidades além da vida baseada em DNA/RNA e células que caracteriza nosso planeta.

Organismos são construídos a partir de informação que deve ser armazenada de alguma maneira. Em nossa biosfera os vetores desta informação são os ácidos nucléicos, DNA e RNA. De forma simplificada, pode-se dizer que estas moléculas armazenam tanto os algoritmos que direcionam a construção dos organismos como os mecanismos que regulam seu funcionamento.

Até o momento o único local no Universo onde sabemos haver Vida é a Terra. Isto provavelmente irá mudar no futuro, quando outros mundos como Marte, Europa (uma das luas de Júpiter), Enceladus e Titã (duas das luas de Saturno) puderem ser adequadamente explorados no nosso sistema solar, e além.

Nosso planeta é um mundo jovem que orbita uma estrela média de um dos braços externos de uma das muitas galáxias espirais do universo conhecido. Nossa galáxia, a Via Láctea, tem entre 100 e 400 bilhões de estrelas (a diferença depende do número de anãs vermelhas e outras categorias de pequena massa, difíceis de detectar). Enquanto isso, o universo observável tem um mínimo de 176 bilhões de galáxias, e não será surpresa se pesquisas futuras mostrarem que o total se aproxima de um trilhão.

É uma impossibilidade estatística que estejamos sozinhos no Universo.

Embora mitologias contem estórias diferentes, medições de decaimento radioativo (o mesmo processo que faz um reator de fissão nuclear funcionar) provam que nosso planeta se formou há 4,56 bilhões de anos. Também sabemos que sua infância envolveu eventos dramáticos, como bombardeios constantes por meteoritos e a colisão com outro proto-planeta, acidente que deu origem à nossa Lua.

A vida como a conhecemos deve ter surgido (ou aqui chegou vinda de outro lugar) em nosso planeta pouco depois de ter esfriado o suficiente e os impactos planetários terem se tornado menos catastróficos. Isto ocorreu entre 4,1 e 3,8 bilhões de anos atrás, o que é apoiado pela proporção de isótopos de carbono em rochas sedimentares com 3,8-3,9 bilhões de anos.

Number one

Seres microscópicos aparentemente humildes são uma potência geológica e geoquímica.

Mais importante, o fato dos grandes ramos da vida, Bacteria, Archaea e Eucarya, compartilharem a mesma bioquímica básica e serem baseados em DNA aponta para um ancestral comum para todos estes grupos, que estaria na base da chamada “árvore da vida”. Você, as bactérias em seu intestino, as matérias-primas de seu almoço e todas as demais formas de vida neste planeta compartilham um ancestral comum, conhecido como LUCA (do inglês, Last Universal Common Ancestor) ou “Number One”.

Os primeiros fósseis de seres vivos datam de 3,6 bilhões de anos, sendo muito similares a microorganismos ainda existentes. Se a vida se originou aqui ou em outro mundo ainda é campo para especulação (a ser esclarecida quando encontrarmos outras biosferas), mas durante pelo menos 2,6 bilhões de anos o planeta foi habitado apenas por organismos procariotos (células sem núcleo ou organelas formadas por membranas), conjunto que engloba os ramos da árvore da vida conhecidos como Bacteria (incluindo as chamadas “algas azuis”) e Archaea.

Os Archaea (antes chamados de “arqueobactérias”) são o grupo de seres vivos metabolicamente mais diverso, capaz de utilizar um vasto cardápio de fontes de energia, da luz a íons metálicos e hidrogênio gasoso. Existem Archaea vivendo no umbigo e no cólon humano (onde produzem metano), em fontes termais, nas profundidades oceânicas e em rochas a quilômetros de profundidade, utilizando de hidrocarbonetos a urânio radioativo como fonte de energia.

Mestres da bioquímica que desenvolveram metabolismos capazes de explorar as fontes de energia menos prováveis e sobreviver às condições mais hostis, da radiação nuclear ao vácuo do espaço, Archaea e Bacteria moldaram o planeta, sendo o alicerce de todos os ecossistemas modernos.

A composição da atmosfera da Terra e um número enorme de minerais – incluindo muitos usados por nós – são resultados da ação biológica. Seres microscópicos aparentemente humildes são uma potência geológica e geoquímica.

Pois a vida está intimamente associada a ciclos biogeoquímicos como os do carbono, nitrogênio, fósforo e cálcio. Um exemplo dramático é o de como as cianobactérias (ou “algas azuis”), os primeiros organismos fotossintetizantes, foram as responsáveis por uma das mais dramáticas mudanças ambientais do planeta, o acúmulo de oxigênio na atmosfera e nos oceanos, detectável no registro geológico a partir de 2,4-2,2 bilhões de anos.

Organismos simples

Olhar uma célula eucariota é como olhar uma bactéria que absorveu outras bactérias e archaea menores e não as digeriu, incorporando-as e criando uma criatura nova.

Durante os 2,6 bilhões de anos de dominância dos procariotos estes aprimoraram sua habilidade de criar redes metabólicas e transferir genes entre organismos apenas distantemente relacionados. Esta “transferência horizontal” de genes é o que permite, hoje, que a resistência a antibióticos se espalhe de bactérias inofensivas para as patogênicas.

Além de trocar genes como quem troca figurinhas, Bacteria e Archaea foram além e fusões resultantes da invasão ou absorção de uma célula por outra, levaram ao surgimento de organismos mais complexos.

Os Eucarya (eucariotos) são os organismos com células que possuem um núcleo e organelas delimitadas por membranas. Olhar uma célula eucariota é como olhar uma bactéria que absorveu outras bactérias e archaea menores e não as digeriu, incorporando-as e criando uma criatura nova.

As evidências moleculares mostram que esses eventos de fusão/absorção entre células (ou “endossimbiose”) foram o que deu origem aos Eucarya, ocorreram repetidas vezes e foram importantes na evolução da diversidade do grupo. Por exemplo, quando um eucarioto passou a abrigar uma cianobactéria capaz de fazer fotossíntese, resultando em uma “alga” com um cloroplasto.

De fato, há casos de endossimbiose primária, secundária e terciária. Há organismos, como dinoflagelados que causam marés vermelhas, que podem ser vistos como a combinação de quatro células diferentes, uma versão biológica das bonecas russas. Isso confunde nossa percepção de seres vivos criados em gavetinhas pré-definidas e estanques.

A situação pode ser ainda mais complexa. Genes de um procarioto podem ter sido incorporados no genoma de um eucarioto enquanto seu organismo-fonte desapareceu sem deixar outros traços. E literalmente milhares de vírus (esse ramo da Vida formado por genes oportunistas) foram incorporados aos genomas de suas células hospedeiras.

Evolução

Plantas terrestres surgiram há 425 milhões de anos, mas plantas com flores fizeram sua primeira aparição há apenas 130 milhões de anos.

Cerca de 8% do genoma humano é formado por sequências originárias de dezenas de milhares de vírus que contaminaram nossos ancestrais (recuando no tempo além dos primeiros Tetrapoda) e acabaram incorporados a “nós”, resultando em inovações como o modelo único de placenta que os primatas têm. Isso dá o que pensar sobre nossa individualidade. Somos uma multidão.

Os primeiros fósseis de criaturas multicelulares datam de 2,1 bilhões de anos, mas ainda não sabemos se estas criaturas eram associações de bactérias ou seres multicelulares verdadeiros. Mas fósseis já reconhecíveis como Eucarya datam de 1,5 bilhões de anos, e é possível que marcadores químicos em rochas de 2,7 bilhões de anos correspondam a traços de eucariotos.

Fósseis que parecem ser esponjas (o grupo ancestral dos animais) datam de 740 milhões de anos atrás, e há 550 milhões de anos já há criaturas com corpos segmentados e simetria bilateral típica de grupos como anelídeos, cordados (que incluem os vertebrados) e artrópodes, que surgem em grande número no registro fóssil com a chamada “Explosão Cambriana” há 530 milhões de anos. É nesse momento que a maioria dos filos de animais hoje existentes se torna identificável no registro fóssil.

Formas de vida que hoje nos são familiares e consideramos dominantes surgiram muito mais recentemente. Plantas terrestres surgiram há 425 milhões de anos, mas plantas com flores fizeram sua primeira aparição há apenas 130 milhões de anos. Os fósseis mais antigos de Tetrapoda terrestres, que incluem todos os anfíbios, répteis, aves e mamíferos, datam de 395 milhões de anos, mas as criaturas mais antigas reconhecíveis como mamíferos datam apenas de 125-130 milhões de anos.

E enquanto os fósseis mais antigos que podem ser considerados como sendo de Homo sapiens datam de 200-195 mil anos atrás, os primórdios do que chamamos de civilização tiveram início a meros 10 mil anos.

*Texto adaptado de livro de Fabio Olmos “Espécies e Ecossistemas” (Editora Edgard Blücher).

Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas.

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

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