Reportagens

Raio X da madeira

Estudo mostra que a indústria madeireira na Amazônia está consumindo menos recursos – sinal de que há outros fatores contribuindo para desmatar a região.

Manoel Francisco Brito ·
27 de março de 2005 · 20 anos atrás

Há uma boa notícia no levantamento feito no ano passado pelos pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) sobre a indústria madeireira da região. Calcado em entrevistas realizadas em 682 madeireiras – 27% do total que existe na Amazônia Legal – ele mostra que seu consumo de recursos naturais diminuiu (quadro). Em 1998, último ano em que o Imazon fez um estudo dessas dimensões, os madeireiros consumiram 28, 3 milhões de metros cúbicos de madeira em tora. Em 2004, o volume ficou em 24, 5 milhões de metros cúbicos. O total de material processado, em números absolutos, também caiu. Pouco, mas caiu. Há sete anos, foram 10, 8 milhões de metros cúbicos. Em 2004, 10, 4 milhões de metros cúbicos. A produtividade, entretanto, aumentou. O rendimento médio do processamento da madeira saltou de 38% em 1998 para 42% agora. Portanto, para produzir em 2004 praticamente o mesmo volume de produtos que há seis anos atrás, cortou-se menos 3,8 milhões de metros cúbicos de madeira em tora, o equivalente a 950 mil árvores. Esses números indicam que o crescimento da fiscalização e do contrôle do governo sobre a indústria madeireira na Amazônia começaram a dar algum resultado.

Perfil da Produção Madeireira da Amazônia em 2004 (Fonte Imazon 2005)
















Desde 2003, por exemplo, o Ibama não renova os planos de manejo florestal na área da BR-163, Oeste do Pará, estado que é o principal produtor de madeira tropical do país. Ações como esta restringiram a capacidade que os madeireiros dispunham para expandir sua atividade pela floresta. Mas funcionaram também em grande parte graças à entrada em cena, nos últimos anos, de um agente de disciplina e ordem às vezes mais poderoso do que governos: o mercado externo – que cada vez mais valoriza os produtos legalizados e não se importa em desebolsar até 20% a mais para obtê-los. Só no ano passado, ele fez compras no valor 947 milhões de dólares. O grosso desse dinheiro pagou por madeira extraída em terra com titulação regular, dentro das normas legais e com autorização do governo para ser comercializada. O aumento da produtividade foi a alternativa encontrada por pelo menos parte dos madeireiros para compensar os limites impostos, tanto pelo governo como pelos compradores externos, ao corte desenfreado de árvores. “Não há outra explicação possível para esse fenômeno. Não houve nenhum grande avanço tecnológico em anos recentes. Mas o produto legalizado ficou mais escasso. Isso forçou a indústria a ficar mais eficiente”, diz Marco Lentini, coordenador do estudo feito pelo Imazon.

Os dados do estudo, principalmente quando comparados à outras estatísticas sobre o desmatamento na região, confirmam que a indústria madeireira está longe de ser a única vilã do problema. Em relação à 1998, o número de pólos madeireiros até aumentou. Foram de 72 para 82 (mapa). Mas o fato de estarem consumindo menos madeira vai na contra-mão do crescimento do desmatamento na Amazônia nos últimos três anos. Na média, ele ficou em torno dos 23 mil quilômetros quadrados, voltando aos níveis que o país tinha no final da década de 80. “Mato Grosso é o caso mais exemplar”, aponta Tasso Azeredo, diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente. “O consumo lá caiu pela metade. O desmatamento, entretanto, subiu”. O descompasso não é difícil de explicar. Os números do último estudo do Imazon fazem supor que a queda da participação dos madeireiros na devastação está sendo substituídada pelo crescimento da ação de pecuaristas e grileiros sobre a floresta. Não chega a ser exatamente uma novidade. Em 1995, o censo agro-pecuário do IBGE já apontava que por detrás das derrubadas, havia mais do que a cobiça pela madeira. Como por exemplo, a cobiça pela terra, para colocar em cima dela gado ou simplesmente para fazer especulação imobiliária.

O censo mostrou que na época, 78% dos desmatamentos na região tinham sido causados por projetos pecuários, a maioria deles subsidiados por dinheiro público saído do Fundo Constitucional do Norte. Apesar de o IBGE não ter feito ainda um novo levantamento, Adalberto Veríssimo, outro pesquisador que trabalhou no estudo do Imazon, acredita que o quadro não se modificou. “Não dá para eximir a parcela de culpa da indústria madeireira no processo de desflorestamento”, diz Veríssimo examinando os números que indicam que 38% dos 24, 5 milhões de metros cúbicos de madeira em tora consumidos em 2004 vieram de cortes não autorizados. “Mas o resto saiu de manejos ou desmatamentos legalizados”, continua. “Se o controle que hoje se faz da extração da madeira não for estendido à pecuária e a grilagem, o desmatamento dificilmente será reduzido”. Veríssimo dá o exemplo da Terra do Meio, uma das fronteiras de desflorestamento no Pará. Ela só tem um pólo madeireiro. Isso significa que na área, quem faz a floresta tombar são principalmente o boi e o grileiro. É situação bem diversa da que ocorre na região da BR-163, colada à fronteira Oeste paraense e que nos últimos anos virou o maior pólo madeireiro do Estado. Lá também houve devastação. Só que a situação da floresta na Terra do Meio é pior.

O trabalho do Imazon serve também para reforçar a necessidade de se regulamentar a atividade madeireira na região. Há muito ela ganhou uma dimensão que simplesmente torna impossível dar-lhe um sumiço. Isso já se via no levantamento feito pelo Imazon em 1998 e alguns dos números obtidos no ano passado apenas confirmam a sua pujança econômica para a região. Comparando os dois estudos, o nível de empregos que a atividade gera, em torno de 350 mil, manteve-se estável. Mas a sua receita anual em 2004, principalmente impusionada pela exportação e pelo crescimento da atividade econômica no Brasil, pulou para quase 3 bilhões de dólares. O número de pólos madeireiros (cidades onde há produção igual ou supeior a 100 mil metros cúbicos de madeira em tora) subiu de 72 para 82. O número de empresas também subiu. Eram 2 mil 570 em 1998. Em 2004 seu número pulou para 3.132 madeireiras, 80% delas serrarias. As exportações também deram um salto. Em 1998, A Amazônia mandava para fora do país apenas 14% da madeira que produzia. Em 2004, esse percentual chegou a 36%, marca que alçou à região ao segundo lugar entre os exportadores mundiais de madeira tropical, atrás apenas da Indonésia. No ano passado, isso trouxe para o país divisas próximas às obtidas com as exportações de minério da Companhia Vale do Rio Doce na Amazônia.

No Brasil, o maior mercado consumidor (quadro) da madeira da Amazônia é São Paulo, com 15% dos 10, 4 milhões de metros cúbicos de material processada. Os Estados da região consumiram 15% enquanto os outros Estados do sudeste (Rio, Minas e Espírito Santo) utilizaram 12% do total que foi industrializado. Para cá, boa parte do que sobra é a madeira extraída ilegalmente. Nosso mercado ainda não dá valor à madeira legalizada e, se viesse a dar em prazo curto, provavelmente só serviria para deixar claro que ainda há muito a fazer para se disciplinar esta indústria. Atualmente, a Amazônia brasileira tem apenas 3,2 milhões de hectares de manejo florestal e 1, 3 milhões nos quais a madeira está certificada. Em retrospectiva, são números muito bons. Afinal, em 1998, não existiam mais do que 100 mil hectares de terra na região dedicados ao manejo florestal. Olhando para o futuro, entretanto, o desempenho ainda é pífio.

Mercado da madeira amazônica em 2004 (Fonte Imazon 2005)
























Para se atender ao consumo com razoável tranquilidade e absoluta legalidade, o país precisaria destinar 40 milhões de hectares na Amazônia para o manejo. Chegamos a apenas 8% disso. O desmatamento ilegal para a extração da madeira caiu a metade nos últimos seis anos – ficou em 39% – mas ainda está longe de ser problema resolvido. O aperto nos controles e na fiscalização, principalmente no Pará, acabou levando a indústria da madeira em direção à Oeste, rumo à Rondônia, e ao Sudeste, no Mato Grosso (quadro). “A expansão tem o claro objetivo de fugir da fiscalização”, diz Veríssimo.

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