Em junho, começa na Coréia do Sul a 57º reunião da Comissão Internacional de Baleias (CIB) – órgão multilateral que faz a gestão dos estoques destes animais nos mares – e, novamente, a proposta brasileira para criar um santuário para os mamíferos no Atlântico Sul vai ser sumetida a debate e votação. Ela está em discussão desde 1998 e sugere a proibição definitva da caça de baleias na região, reservando seu uso apenas para a pesquisa, atividades turísticas de baixo impacto ambiental e educação. A maior oposição à idéia vem do Japão, país com vasta tradição na indústria baleeira e que na última semana de maio recebeu a visita do presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva.
Em Tóquio, Lula fez discursos elogiando o Congresso japonês, pedindo mais investimentos no Brasil e maior proteção aos imigrantes brasileiros que foram buscar vida melhor no Japão. Mas sobre o santuário das baleias no Atlântico Sul, o presidente não deu qualquer palavra. O que não deixa de ser surpreendente, porque a proposta, além de ser legitimamente brasileira, tem o apoio oficial do Ministério do Meio Ambiente, através da sua Secretaria de Biodiversidade, ocupada por João Paulo Capobianco.
O governo japonês alega que os estoques de baleia no mundo, desde a proibição da caça na década de 80, já estão recuperados. Diz também que o aumento da sua população está colocando pressão sobre os estoques pesqueiros mundiais, contribuindo para reduzi-los. Por isso, vem defendendo a tese de uma caça sustentável de cetáceos nos mares, que vai frontalmente contra a proposta de criação do santuário no Atlântico Sul. José Truda, membro da delegação brasileira na CIB e coordenador do Projeto Baleia Franca, rebate essas afirmações.
As populações de baleias franca e jubarte estão se recuperando desde que a caça à baleia foi proibida na década de 80, mas ainda não atingiram níveis que possam ser considerados seguros. “As baleias azuis da Antártica ainda não estão nem em processo de recuperação”, diz ele. E há várias espécies no Atlântico Sul, como as mink, sobre as quais existem pouca ou nenhuma informação, situação que no mínimo recomendaria cautela. Truda conta que a oposição japonesa é formidável, principalmente porque, graças ao seu poderio econômico, tem poder suficiente para pressionar os países mais pobres da região a votarem em seu favor.
É o caso de Gabão e Suriname, que sob a inspiração de Tóquio, vêm boicotando, cada um à sua maneira, a proposta brasileira de criação de um santuário para as baleias que nadam pelo Atlântico Sul e que conta com o apoio efetivo de Chile, Argentina e África do Sul. O Suriname, diante de promessas de ajuda econômica japonesa, desde o ano passado adotou a posição de se abster de qualquer votação relativa à proposta na CIB. O Gabão foi mais longe. É o único país do Atlântico Sul a falar abertamente contra a idéia. Truda acredita que, do mesmo modo que os japoneses, o Brasil poderia usar sua diplomacia para exercer pressão sobre esses dois países.
O Suriname, por exemplo, é sensível ao fato de estar em zona de influência brasileira na fronteira da Amazônia. Quanto ao Gabão, a situação é mais grave. O Brasil tinha à mão inclusive instrumentos diretos de pressão econômica, mas abriu mão deles na visita que o presidente Lula fez ao país no ano passado. Em troca de uma duvidosa expansão do comércio exterior brasileiro na África, Lula perdoou a dívida gabonesa com o Brasil e prometeu fazer investimentos em saúde pública no país. As baleias ficaram alijadas do favor. O presidente brasileiro nem chegou a conversar sobre elas.
Além de não tocar na questão do santuário com Japão, Suriname e Gabão, o Brasil também não está fazendo força para garantir o voto favorável de outros países sul-americanos, como Uruguai e Peru. Este último, segundo Truda, sempre votou na CIB a favor da conservação de baleias, mas está ameaçando não ir a reunião da Coréia por uma questão de caixa baixo: diz não ter como pagar a quota anual devida por todos os países membros da Comissão. “O Uruguai está relutante em votar a favor da idéia do santuário”, diz Truda, invocando como razão a pressão econômica japonesa. O Panamá, embora não tenha dado nenhuma razão clara, não parece disposto a ir até a Coréia este ano. Entre os países industrializados, os americanos resolveram lavar as mãos. Dos europeus, o apoio maior à proposta do Brasil vem de Inglaterra, Alemanha e Bélgica.
Mas ele é insuficiente para garantir a sobrevida da idéia do santuário no Atlântico Sul. Para ser aprovada, ela precisa de 2/3 do total de votos de países membros da Comissão.
Para ser rejeitada, no entanto, basta a maioria simples. “Temo que uma vitória japonesa nesta questão possa começar a virar o jogo em favor das forças anti-conservação”, diz Truda. A idéia de criar santuários para baleias não é original. A CIB já votou a favor da criação de três destas áreas onde a caça fica, independente de estar liberada ou não para outras regiões, proibida. Dois deles ainda estão em vigor, um no Oceano Índico e outro na Antártica. Truda está usando a Internet para exercer pressão sobre Gabão, Suriname, Panamá e Peru. Numa mensagem enviada na sexta-feira, 27 de maio, pede que os destinatários enviem e-mails às embaixadas dos quatro países em Brasília e sugere inclusive tons específicos para cada uma das mensagens. Com o embaixador do Gabão, prefere que os e-mails “peguem pesado” e exijam a reversão do voto do país na CIB. Com Suriname, Panamá e Peru, indica uso de texto mais diplomático. Pode não dar em nada, mas como ele mesmo diz, já que o Planalto não se mexe, não custa tentar.
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