Reportagens

Uma foi, a outra não

A Medida Provisória 239, que tinha tudo para ser derrubada na Câmara dos Deputados, passou. O projeto de lei sobre gestão de Florestas Públicas empacou.

Manoel Francisco Brito ·
31 de maio de 2005 · 20 anos atrás

A Comissão da Câmara dos Deputados que apreciava a Medida Provisória 239 – dando o direito ao governo de decretar zonas de interdição administrativa em áreas destinadas à criação de Unidades de Conservação –, depois de intensas negociações com a cúpula do Ministério do Meio Ambiente, acabou aprovando seu texto no início da noite de terça-feira, 31 de maio. Agora, ele precisa passar pela aprovação do plenário. O projeto de lei sobre Gestão de Florestas Públicas, entretanto, que ninguém mais acreditava que pudesse ter problemas na Comissão Especial por onde tramita em regime de urgência, empacou em súbito recrudescimento da resistência dos ruralistas. Ainda há a esperança de que ele seja votado esta semana. Mas a certeza que existia entre o pessoal do governo sobre a sua aprovação se foi.

A reversão das expectativas em relação à 239, parte fundamental das medidas adotadas por Brasília em fevereiro, na esteira do assassinato da freira Dorothy Stang, que permitiu ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) proibir qualquer desmatamento em 8,3 milhões de hectares na região de Novo Progresso, cidade que fica às margens da rodovia BR-163, no sudoeste do Pará, começou a se desenhar em 25 de maio, uma quarta-feira, véspera do feriado de Corpus Christi.

Nesse dia aconteceu um encontro crucial entre o deputado Nicias Ribeiro, ruralista do PSDB paraense e presidente da Comissão encarregada de examinar a MP 239, e a ministra Marina Silva. Ribeiro sempre se recusou a conversar com os técnicos do MMA sobre o texto da MP. Só aceitava discutir o assunto com a própria ministra. O encontro acalmou seus ânimos. O tom da conversa, segundo testemunhas, foi cordial e o acordo entre ela e o deputado foi fechado rapidamente. Marina aceitou reduzir o prazo dos decretos de exclusão administrativa, que originalmente era de 6 meses prorrogáveis por mais 6, para apenas 7 meses. Também não discutiu quando Ribeiro pediu que o texto deixasse mais explícito que as atividades econômicas consideradas legais podem continuar a se desenvolver nas regiões sob o regime de exclusão.

À saída do encontro, Ribeiro fez uma gracinha. “Eu odiava a senhora”, disse ele à ministra. “Mas o ódio acabou depois de conhecê-la”. João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas, que passou o dia 31 de maio no Congresso acompanhando com régua e compasso a tramitação da 239, explicou que no fundo o governo não cedeu nesse último ponto. “Nós já havíamos considerado a questão da continuidade de atividades legalizadas em zonas sob o regime de interdição. Os deputados quiseram deixar isso mais claro e, para nós, tudo bem”, explicou. Ele revelou ainda que Ribeiro, depois de ouvir as ponderações da ministra, também recuou do seu lado.

Ele queria que o texto da MP restringisse eventuais decretos de interdição apenas para áreas de florestas. Marina o convenceu de que isso excluiria importantes ecossistemas não-florestais do país, como a caatinga e o cerrado. Ribeiro aceitou os argumentos. Durante todo o dia 31 de maio, técnicos do MMA e assessores dos deputados que fazem parte da Comissão fizeram os acertos finais no texto da 239, que acabou aprovada no início da noite.

João Paulo Capobianco não era o único assessor graduado de Marina Silva que estava no Congresso acompanhando de perto tramitação de legislação importante, na visão do governo, para a preservação do meio ambiente no Brasil. Um andar acima da sala onde Capobianco se encontrava, Tasso Azevedo, diretor de Florestas do Ministério, acompanhava as discussões finais da Comissão Especial encarregada de apreciar o Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas, que abre sua exploração econômica em regime de concessão. “Não vamos ter problemas”, dizia Azevedo a O Eco no meio da tarde. “No projeto de lei, estamos bem encaminhados”. Foi um engano. No fim do dia, com o deputado Alberto Tamer (PSDB-SP) à frente, os ruralistas botaram as mangas de fora. Fizeram demandas na visão do governo absurdas – como transformar em concessões qualquer área de posse em terras públicas – e a coisa desandou. No fim da tarde, quando o voto já deveria estar concluído, ainda havia três deputados inscritos para falar. Miguel de Souza (PL-RO), confirmou a votação para as 14h de amanhã, quarta-feira. Mas o futuro do projeto está agora incerto.

Imaginando que a disputa maior seria em torno da MP 239, várias ongs fizeram carga pesada pela aprovação do texto nos últimos dias. O Instituto Sócio-Ambiental (ISA) chegou inclusive a colocar página na Internet de onde qualquer um poderia enviar mensagem aos deputados expressando seu apoio à MP. André Lima, do ISA, depois de uma manhã tensa, por volta do meio-dia respirava mais aliviado. “Acho que vai dar para passar”, disse. Passou. Mas não vai ser o fim do caminho. Ainda falta enfrentar o teste do plenário e, na crise política que atravessa o governo Lula, o resultado é imprevisível.

Ouça a reportagem produzida por Manoel Francisco Brito para a rádio BandNews.

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