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Festa no céu

Até sapo de chuva é bem-vindo em um dos prédios mais refinados de Teresina, que abriga uma fauna, com todo respeito, de dar inveja a qualquer zoológico.

Carolina Mourão ·
22 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O elegante Edifício Mansão Excalibur, em Teresina, capital do Piauí, é uma Arca de Noé de concreto, termômetro de um Brasil que gosta de criar animais silvestres de todo tipo, acreditando que faz uma boa ação. “Fazemos questão de tratar bem nossos animais, não importa a espécie”. Tem macaco que mora na varanda, tartaruga, papagaio, passarinho cantador de hino, curiquinha, peixes, sem contar os domésticos cachorros e gatos de raça. Não importa de onde vêm, nem como chegam. Com 24 pisos, o melhor um-por-andar da cidade não se intimida com a extravagância.

Junior Carvalho, do 15°, cria seus passarinhos soltos dentro de casa. “Nosso regimento prevê até um tamanho mínimo para gaiolas de passarinho. Mas os meus são soltos. Levo e trago da chácara diferentes espécies. Eles voam e voltam pela minha janela, acostumados comigo. O hino nacional que todo mundo ouve vem daqui de casa. Meu corrupião é um tenor”, orgulha-se. Dona Clarisse, do 22°, diz que não troca seu festejado cãozinho por uma criança pobre. “Os cães não traem a gente”, encerra.

Na lista extra-oficial da fauna está Frajola, um gato vadio que perdeu o rabo dia desses. Noé Medeiros, no caso o vigia, diz que ele sempre aparece e por isso já é de casa. Já a família de calangos da garagem, que só faz aumentar, traz um ar fashion às paredes. “Calango tá na moda, todo mundo aqui gosta“. Outro forasteiro é o comportado sapo Curiolano, exímio comedor de muriçocas. Curiolano é pai de Curiosvaldo, um penetra insistente que bem poderia ser personagem central dessa Festa no Céu, no edifício mais alto da capital piauiense. “Que violão do urubu que nada! Ele que subir pelo elevador de serviço mesmo”.

Noé conta que Curiosvaldo enfrenta os maiores obstáculos até chegar perto do elevador, e como todo brasileiro, não desiste nunca. “É rua, é escada, é vala de correr água. Quando chega fica lá parado. O negócio é insistir até que alguém aceite lhe dar carona”. E há, acredite, quem se comova e dê uma volta com ele de elevador. Mas o xodó mesmo é o pai. ”O Curiolano é um cavalheiro. Parece uma pedra, não incomoda ninguém. Afasta suavemente para trás quando uma dama vem vindo. Não avança as dependências e come todas as muriçocas da portaria à noite”. Essas, ninguém quer que apareçam na festa no céu nem com credencial de camarote. De certo a vingança das muriçocas não tarda. As chuvas vêm aí e ao lado do Excalibur há um terreno baldio com um buraco enorme.

Segundo a administração do prédio, a procura pelo endereço aumentou depois que o condomínio assumiu seu lado, diria, animalesco. “Ninguém quer deixar para trás seus entes queridos”, afirma Eduardo, que ajuda a administrar o condomínio. “A elite quer criar seus animais. Aqui existem regras e elas são respeitadas”. No Excalibur, animal também é gente. “Nossos animais têm grama só para eles, as pessoas também têm. Há espaço suficiente para todos e um regimento interno garante a felicidade dos nossos bichos”. Sobre as espécies silvestres em cativeiro, a resposta é rápida. “Não temos preconceitos, todos são bem recebidos aqui. O convívio entre moradores e animais é um sucesso”.

Segundo o IBGE, 64% das famílias brasileiras têm bichos de estimação. Cada Estado e os municípios têm sua própria legislação sobre a criação de animais em condomínios. Mesmo que a lei local faça ressalvas proibitivas, o proprietário acaba garantindo seu direito de manter animais em apartamento, tendo-se em vista que o Regimento Interno não se sobrepõe à Lei Federal 4.591/64. Em seu artigo 19, ela ressalta que a permanência de animal em apartamento não deverá trazer perturbação ao direito de outrem, como por exemplo o ruído excessivo ou perigo à saúde pública, higiene e segurança, respeitando as normas de boa vizinhança, e que nenhum condomínio pode permitir que se coloquem em risco ou submetam os animais à crueldade e confinamento. Também que cada condômino tem o direito de usar e fluir com exclusividade sua unidade autônoma, segundo suas conveniências. A Constituição assegura o direito de propriedade em seu art. 5º, XXII, cláusula pétrea, que portanto não pode ser modificada.

No Excalibur, as gaiolas têm tamanho mínimo definido. Oitenta centímentros quadrados. Há também campanhas internas de vacinação. Sobre o canto do corrupião de Junior Carvalho, não há reclamações e a presença do macaco não comove ninguém. “Se for contar pela proporção, minha cabine de vigia é menor do que a gaiolas definidas pelo regimento. Eu queria ser um bicho do Excalibur, mas preciso trabalhar para pagar as contas”, lamenta Noé.

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