Reportagens

Ao deus-dará

Brasil não está preparado para enfrentar grandes incêndios florestais. A ajuda pelo ar podia poupar bombeiros e mata. Mas avião para combater fogo, só tem um.

Andreia Fanzeres ·
30 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

O Acre arde em chamas como nunca se viu antes. Tamanha é a destruição que na semana passada cerca de 100 homens do Corpo de Bombeiros, Exército e Ibama de Brasília foram enviados ao estado para ajudar no combate ao fogo. Não foram com as mãos abanando. Levaram motobombas, motos serras, equipamentos de proteção individual e ferramentas manuais, como enxadas e foices. O Ibama deslocou três helicópteros para a região. Sem dúvida vão ajudar. Mas apagar as labaredas, que é bom, nada.

O país não precisaria contar apenas com as condições meteorológicas ou com o arriscado trabalho dos bombeiros no chão se investisse mais em aeronaves, como ensinam Estados Unidos, Portugal e Canadá. Segundo Wilson Cavalcanti, coronel-aviador da reserva da Aeronáutica, 90% dos incêndios da província de Ontário, no Canadá, são contidos por um ataque inicial com aviões-bombeiros e a média de destruição das florestas não supera 4 hectares por foco.

No Brasil, a realidade é outra. Mesmo com queimadas tão arrasadoras (foram 236.821 focos em 2004 e mais de 150 mil só este ano), o país dispõe de apenas um avião comprado especialmente para combater incêndios florestais. O monomotor AT802F pertence ao Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e foi adquirido com o dinheiro da multa aplicada sobre a Petrobras pelo vazamento de 2 milhões de litros de óleo na Baía de Guanabara, em 2000. Há cerca de dois anos, o avião cobre todo estado do Rio, além de atender solicitações em outros locais, como em julho deste ano, quando apagou em três dias o incêndio que destruía há mais de um mês a Serra de Itabaiana, em Sergipe, hoje um parque nacional.

Esse avião tem capacidade para 3.100 litros de água e exige a ação de apenas dois homens. “Temos um computador a bordo que indica o momento certo para o despejo da água, acionado pelo piloto”, explica o major Jesus, do Grupamento de Operações Aéreas do Corpo de Bombeiros do Rio. Segundo ele, o uso da aeronave também foi crucial para combater incêndios no Parque Nacional da Serra dos Órgãos e no Parque Nacional da Tijuca. O sucesso empolgou os bombeiros do Rio: já existem planos para a compra de um segundo avião – um luxo para os padrões brasileiros.

Com ou sem avião, bombeiros do Rio, Minas Gerais e São Paulo realizam ações aéreas de combate ao fogo. A Marinha opera com um equipamento acoplado a seus helicópteros de emprego geral, chamado bambi bucket. É uma espécie de bolsa que carrega até 500 litros de água. O Exército também tem helicópteros que prestam apoio a ações de combate a incêndio e o Ibama conta com o serviço de quatro aeronaves de empresas particulares, baseadas na região amazônica, para ações de fiscalização, monitoramento e combate ao fogo. “Os helicópteros podem ser deslocados para todas as regiões do país e ficam em permanente operação, mas os incêndios sempre têm prioridade sobre as outras atividades”, informa o diretor do PrevFogo, Heloíso Figueiredo. Segundo o instituto, além do combate às chamas nos parques e reservas ambientais, o Ibama ajuda a reter os focos em outras áreas quando solicitado.

“O Ministério da Defesa tem nos atendido sempre que precisamos de apoio para transporte de brigadistas e equipamentos, não muito para apagar os focos”, explica Figueiredo. O motivo é claro. “Os militares não têm aeronave específica para combater incêndios florestais”. Por enquanto.

A Aeronáutica acabou de comprar da empresa americana Aerounion dois módulos contra incêndio do tipo AFFS. Cada um deve ser instalado em um avião Hercules C130 e o despejo da água ou dos produtos químicos pode ser acionado pelo piloto. Nos casos de grandes incêndios, o coronel Cavalcanti explica que é mais eficiente usar produtos químicos, misturados ou não à água, porque ela, sozinha, evapora antes de chegar ao solo por causa do calor da floresta em chamas. A Aeronáutica informou que o projeto para uso desses módulos ainda está sendo preparado, por isso não pode dar mais detalhes. Mesmo assim, avisou que tecnologia não é adequada para apagar fogo, mas serve para “retardar o alastramento do incêndio”, diminuindo a intensidade das chamas.

De qualquer forma, para o coronel Cavalcanti, ex-piloto da Força Aérea Brasileira (FAB), a notícia é mais do que bem-vinda. “A melhor solução para controlar incêndios florestais são aviões especializados. O Hercules, por exemplo, pode carregar mais de 10 mil litros de água”, diz. Para Cavalcanti, voar é a parte mais fácil da operação. O difícil é manter o avião em atividade, administrar sua manutenção e dar treinamento para as equipes. “É preciso que alguém seja responsável pela detecção dos focos, por uma rede de alarme. Alguém que tenha competência para armar uma operação com parâmetros ambientais. A Aeronáutica sozinha não pode fazer isso. Teria que ser o Ibama”. A parte operacional, entretanto, mereceria ser militar. “Não é fácil apagar incêndios. A equipe tem que saber onde jogar a água com eficiência, pois o vôo é baixo, de risco. Não há espaço nem tempo para improvisação”.

Nessa história, o Ibama informa que, apesar das limitações internas, não quer tirar o corpo fora. Figueiredo, do PrevFogo, disse que já no ano que vem espera ter firmado um acordo que está em negociação com o Ministério da Agricultura para que os milhares de aviões agrícolas ociosos durante a temporada das queimadas transportem água em vez de insumos e agrotóxicos. “O custo dos aviões seria baixo porque faríamos contrato com as empresas ou particulares que têm as aeronaves.” Segundo Figueiredo, a idéia é tão viável que já existem empresas se adaptando e oferecendo esse serviço. “Uma de Mato Grosso já adaptou três aviões. E o governo de Minas Gerais já fez acordo com algumas delas para monitorar todas as unidades de conservação federais no estado”.

Cavalcanti considera a preparação de uma frota de aviões-bombeiros uma espécie de apólice de seguro contra os incêndios. “A população paga impostos também para ser protegida contra calamidades. Além do mais, a ativação dos serviços aéreos especializados representaria um impulso para a nossa aviação geral, que atravessa um longo período de dificuldades”. Ele, que há mais de 20 anos faz estudos sobre a aplicação de aeronaves no combate a incêndios no Brasil, não se conforma ao ver, todos os anos, a população olhando passiva para o problema das queimadas no país. “Acho que o povo só vai pressionar o governo para essa questão quando o fogo começar a ameaçar as áreas urbanas”, opina.

Talvez seja tarde demais. E São Paulo é um bom exemplo disso. O Corpo de Bombeiros trabalha em parceria com a Polícia Militar e tem helicópteros em prontidão nas maiores cidades do estado para qualquer apoio. “Estamos a postos, mas quer saber a verdade? Quase não temos problema de incêndio florestal por aqui”, revela o tenente Palumbo. “Não temos mata pra isso”, diz, rindo da própria desgraça. “O fogo que precisamos apagar é nas favelas”.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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