Apesar dos servidores do Ibama estarem em greve desde o início de maio, no mato as fiscalizações continuam acontecendo. Muitas operações previstas pelo Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia estavam em curso no começo da paralisação, com recursos já repassados e que independiam até mesmo da votação tardia do orçamento da União. Houve interesse político em garantir que as ações contra o desmatamento, uma das principais bandeiras da gestão Marina Silva, não caíssem por terra.
E quase caíram. Em assembléias diárias, os servidores estão divididos sobre se mantém adesão ao movimento grevista ou não. Jonas Correa, presidente da associação dos servidores do Ibama, garante que das 83 operações de fiscalização que aconteciam no país antes da greve, apenas três continuam. “A orientação foi que tudo parasse, mas alguns servidores furaram”, disse. Até onde ele estava informado, Mato Grosso, o estado com maior número de operações, as tinha suspendido. Mas essa não é a posição da coordenação de fiscalização de Brasília, nem dos os servidores nas unidades mato-grossenses do Ibama.
Graças às diárias já concedidas a quem estava em campo mesmo antes da determinação de paralisação, as atividades continuam em pontos estratégicos do estado, como Alta Floresta, Sinop e Juína. Além das bases operativas do plano de combate ao desmatamento, como Aripuanã e Vila Rica, em fase de implantação. “Temos recursos especiais e servidores que vieram de outros estados para compor as equipes das operações, tudo sob a coordenação de Brasília, por isso podemos continuar”, informou Leslie Tavares, chefe de fiscalização do Ibama em Mato Grosso.
“As operações estão dentro do planejado”, disse Rodrigo Dutra, chefe do escritório regional de Alta Floresta. “O combate ao desmatamento é urgente para nós, e a decisão foi tirada em assembléia, apesar da cobrança de Cuiabá para que parássemos”. Em Juína, a situação é parecida. “Atendemos a questões emergenciais e às solicitações de fiscalização de outros órgãos, como Ministério Público e Polícia Federal”, disse José Raimundo Martins Júnior, gerente do Ibama de lá. A greve prejudicou apenas as diversas operações que não conseguiram começar na data prevista. “Assim que a paralisação terminar, vamos conseguir reforçar as ações em curso e aumentar seu número”, diz Arty Flack, coordenador de fiscalização do instituto.
Segundo Tavares, hoje há mais de 40 fiscais em operação em Mato Grosso — considerando já a força de 20 servidores nesta função lotados no estado. Desde o final de fevereiro, as operações vêm acontecendo de maneira praticamente ininterrupta. “Não dá para estarmos em todos os lugares ao mesmo tempo, mas queremos demonstrar que o Estado está presente em três linhas de fiscalização: desmatamento, beneficiamento e transporte”, explica Tavares. “Nossa estratégia é, com essas operações, fazer uma primeira limpeza, dar um susto, com muitos carros, helicópteros, para depois deixarmos equipes para trabalhos permanentes nas bases operativas”.
As principais operações em Mato Grosso foram denominadas Angelim, com cinco etapas previstas para ações nos maiores pólos madeireiros do estado. A primeira, no início de março, serviu para verificar a atividade dos beneficiadores de madeira em São José do Rio Claro e Nova Maringá, onde 100% das empresas vistoriadas estavam em situação irregular. Depois, em Alta Floresta, além de fiscalizar as madeireiras, a investida pretendeu diminuir a pressão de desmatamento em terras indígenas, o que gerou um montante de 34 milhões de reais só em multas.
Irregularidades no pátio
O Eco acompanhou parte da operação Angelim 3, em Juína, entre os dias 15 e 17 de maio. Diferentemente das outras, essa teve um caráter bem mais específico: descobrir como cerca de 500 Autorizações para Transporte de Produto Florestal (ATPFs) falsificadas e roubadas de Ji-Paraná, em Rondônia, em meados do ano passado, foram parar na região de Juína em janeiro de 2006, e que crimes esses papéis acobertaram.
A partir de um levantamento prévio, o Ibama selecionou 16 empresas madeireiras que receberam as ATPFs roubadas – a suspeita era que elas teriam servido para esquentar cerca de 50 mil metros cúbicos de madeira. Os 12 fiscais e mais dois agentes da Polícia Federal – que além da segurança do grupo, faziam investigações próprias – circularam por duas semanas pelos municípios de Juína, Juara e Juruena. Basicamente, eles checaram papéis e mediram toda madeira no pátio para verificar se o que estava lá era o mesmo declarado no sistema de controle da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema). Claro que não era. Todas as empresas vistoriadas apresentaram pelo menos um crime. Às vezes, a discrepância era enorme.
Foi o caso da empresa Aguiar Indústria e Comércio de Madeira Ltda, que emprega cerca de 40 funcionários em Juruena, a 100 quilômetros de Juína. Assustados com a presença dos fiscais, o encarregado da serraria, Wilson Amâncio, e a funcionária administrativa Silei Tibes, que respondiam na ausência do dono, quiseram mostrar o quão crítica era a situação do setor. Segundo eles, o empreendimento tem condições de processar de 250 a 300 metros cúbicos de madeira por mês. “A Sema não libera nossos planos de manejo. Se não saírem nossos documentos, em um mês devemos fechar as portas”, diz Silei. “Desde o ano passado não recebemos madeira nova, estamos serrando o estoque”, declara Amâncio.
Mas no pátio, a realidade era outra. Os fiscais do Ibama contam que um dos indícios mais fáceis para identificar madeira nova é a presença de abelhas comendo os restos de seiva nos troncos. Isso, eu vi. Para realizarem as medições nos blocos de madeira serrada, nas toras e fazerem todos os cálculos – na madeireira considerada de pequeno porte – os fiscais do Ibama levaram o dia inteiro. No final das contas, a empresa declarava junto a Sema 450 metros cúbicos de madeira serrada no pátio. Mas só de madeira apreendida foram 2.317 metros cúbicos, fora os 448 metros cúbicos de toras ilegais, que renderam, junto com outros crimes identificados ali, mais de dois milhões de reais em multas. “Nem as ATPFs roubadas foram suficientes para dar saída em tanta madeira. Pelo visto, a falta do documento da Sema está dificultando o transporte de toda carga”, explicou Eduardo Engelmann, coordenador da operação.
Já que tinha licença de operação da Sema e alguma madeira legalizada, a empresa não fechou, mas na teoria vai ter que trabalhar com praticamente um terço do que fazia antes. Virou fiel depositária da madeira, que passa a ficar à disposição da União, com a promessa de um dia os fiscais voltarem para se certificar que elas continuam lá e para dar a elas um destino.
A essa altura, até o prefeito de Juruena já tinha se metido dentro do escritório da madeireira, demonstrando extrema preocupação – mesmo sem ser chamado. A notícia de que o Ibama estava na região correu rápido pela cidade. Tanto que se ouvia pelos cantos que outras empresas estavam esvaziando os pátios e escondendo madeira no mato, caso recebesse a visita dos fiscais. No final da tarde, entre o choro de Amâncio e o desespero de Silei, o prefeito tomou as dores dos funcionários da madeireira e se incluiu: “Estamos ferrados”.
Esforço contínuo
Apesar do susto, Samuel Flôr, chefe da divisão de fiscalização da gerência de Juína, lamenta que investidas nas madeireiras da região não sejam freqüentes. “O trabalho deveria ser assim todos os dias. Mas só temos condições de fiscalizar em caso de denúncia ou quando acontece uma operação dessas”.
Embora todas as empresas vistoriadas na Angelim 3 tivessem licença de operação da Sema, o Ibama identificou crimes em todas elas e emitiu 42 autos de infração. O saldo foram 17 mil metros cúbicos de madeira serrada e 3.700 metros cúbicos de toras apreendidos, sendo que, segundo Engelmann, mais da metade desse material ilegal foi obtido com as ATPFs falsas e furtadas de Rondônia. No total, as multas bateram a casa dos 25 milhões de reais.
Na visão de Tavares, chefe da fiscalização de Cuiabá, o sucesso dessa e das outras operações se deve ao serviço de inteligência do Ibama, além da parceria com a Polícia Federal. “Estamos gastando menos combustível e mais fosfato!”, brinca. De acordo com ele, as operações estão mais ágeis porque os alvos já são pré-definidos. “Em alguns casos fazemos uma primeira avaliação, entregamos ao Ministério Público e já saímos para campo com mandado de prisão”.
Apesar da greve, uma outra operação de combate ao desmatamento em Alta Floresta está em curso, além da Angelim 4, nos arredores de Sinop. O objetivo desta última é verificar planos de manejo e desmatamentos dentro e fora de assentamentos rurais nas proximidades da região do polígono das castanheiras e do Parque do Xingu.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →