Reportagens

A renda da conservação

Mesmo sem números sobre os efeitos econômicos da preservação das baleias francas em Santa Catarina, municípios dão sinais positivos no desenvolvimento regional.

Fernanda Martorano Menegotto ·
4 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

Por terra ou pelo mar, os observadores só têm olhos para elas. Vibram quando – entre um “esguicho” e outro – esses animais de corpo grande, negro e arredondado emergem das águas, como numa acrobacia. Pelo menos até novembro, as baleias francas serão a principal atração para os turistas que passam pela região litorânea do centro-sul de Santa Catarina. E, mais do que nunca, para quem mora por lá.



Nos últimos dez anos, a avistagem e o estudo desses cetáceos transformaram-se em grandes propulsores da economia – principalmente nos municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna. Diante do sério trabalho de conservação da espécie, as cidades da região decidiram reforçar a infra-estrutura e estimular cada vez mais essa modalidade ecoturística.

Para Maria Elisabeth da Rocha, chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, um mapeamento do impacto socioeconômico das baleias na região é uma das primeiras metas a cumprir. Ela ressalta a importância dessa medida junto às atividades do Projeto Baleia Franca na APA, que abrange as áreas costeiras de nove municípios catarinenses e tem sido aproveitada para garantir condições de reprodução e sobrevivência desses cetáceos. “Sabemos que houve um aumento do número de pousadas, que a procura por esses municípios também cresceu, mas não há um estudo que comprove e explique essas proposições. Como investir sem melhorias, desta forma?”, questiona.

Alternativas de renda

Felizmente, mesmo sem um planejamento mais preciso, Maria Elisabeth consegue enxergar iniciativas de algumas populações da região mesclando atividades de preservação da espécie a ganhos econômicos. Ela cita o exemplo da comunidade de pescadores do Cabo de Santa Marta, que ao longo dos últimos cinco anos conseguiu firmar novos critérios na rede de hospedagem com intuito de conter a crescente especulação imobiliária. Depois de uma intensa mobilização, o grupo vetou a construção de pousadas e hotéis. Agora, as próprias famílias dos pescadores abrem portas de casa e recebem os turistas – o que acabou se transformando em uma fonte de renda complementar.

O casal Lédio e Maria Marcelino decidiu investir nesse nicho há seis anos. Motivados pelo lucro a cada nova estação, ampliaram os negócios. Hoje, têm quatro pequenas cabanas com capacidade para receber até 10 pessoas. O custo para o viajante, aliás, compensa e muito se comparado ao pacote das demais pousadas. Neste inverno, a diária com café da manhã sai a 15 reais por pessoa. Mas para os que querem conforto com economia, também existem opções bastante razoáveis. Há operadoras que fazem promoções especialmente para casais – o pacote mínimo de quatro dias e três noites em quarto standard, com todas as refeições, traslados e taxas incluídas, sai por 1.686 reais num dos hotéis mais tradicionais de Imbituba. Se o viajante preferir alugar uma casa por conta própria, pode descolar hospedagem perto da praia por cerca de 50 reais a diária, sendo que precisará desembolsar, ainda, 90 reais se quiser passar uma manhã numa embarcação confiável e ver as baleias bem de perto.

“É emocionante observar as baleias no mar, quando se chega muito perto dos animais sem ferir o meio ambiente”, ressalta Maria Elisabeth. As embarcações dispõem de ferramentas específicas para a prática, como binóculos. “Só é melhor não usá-lo quem está pouco acostumado às viagens marítimas. Há passageiros que enjoam muito”. Se você faz parte desse grupo, o jeito é treinar o olhar para mirar os animais a olho nu.



A chefe da APA aconselha procurar as operadoras credenciadas pelo Ibama. “Elas seguem planilhas de observação sugeridas pela APA, têm sempre profissionais por perto e são regulamentadas toda temporada”. Então, atenção: para passeios no mar, apenas a operadora “Vida, Sol e Mar”, de Imbituba, é cadastrada pelo instituto. E oferece acompanhamento de biólogos, geólogos e guias específicos. Escolher uma boa empresa pode garantir também que o visitante não entre ilegalmente em algumas áreas da APA. Recentemente, o Ibama editou uma Instrução Normativa proibindo o acesso de barcos em 0,3% da área protegida. Justamente em reentrâncias do litoral muito procuradas pelos cetáceos para amamentar os filhotes e nadar tranquilamente. Mas mesmo com uma restrição tão pequena perto de toda extensão da APA muitos empresários do setor de turismo de observação reclamaram, envolvendo até o governo do estado na tentativa de revogar a norma do Ibama.

Para as avistagens por terra, existem três agências avalizadas pela entidade: “Vida, Sol e Mar”, “Adventure” e “Veleiro Camacho”. Elas cobram entre 20 e 30 reais por passeio para cada pessoa. Mas é possível caminhar sozinho. Os mirantes são acessíveis por simples caminhadas, que não passam de 40 minutos, e têm como pano de fundo uma paisagem incrível.

Conservação como atrativo

Para os hoteleiros que investiram nas demais cidades da região, é preciso lutar contra os efeitos nocivos do turismo sazonal. As pousadas de Garopaba, mesmo durante o período reprodutivo das baleias, sentem a debandada dos visitantes logo findo o verão. Justamente o contrário do que acontece na alta temporada. “As opções de hospedagem se multiplicam como cogumelos depois da chuva”, acrescenta Maria Elisabeth. Essa realidade, no entanto, já foi muito mais crítica. “Se você ligasse para procurar vagas nos meses de junho e julho, tudo estaria fechado anos atrás. Hoje, você encontra lugares de sobra. As baleias se tornaram, sim, um grande atrativo”, ressalta o empresário Henrique Litman, proprietário de uma pousada e uma operadora de turismo.

A virada se justifica, em grande parte, pelo trabalho perene de associações e ambientalistas como os do Projeto Baleia Franca. A iniciativa completa 24 anos em 2006 e desde a fundação busca chamar atenção para o potencial ecoturístico da observação das baleias, reforçando o impedimento dos recursos não-letais. O presidente do IWC Brasil, José Truda Pallazo Jr, aponta muitos ganhos nessa ampla “parceria”. No entanto, reforça a importância de surgirem outros agentes transformadores. “Ainda se espera que o projeto, por ser tão bem-sucedido, dê conta de tudo. Não podemos fazer o papel dos órgãos de turismo, por exemplo”, adverte.

De fato, é consenso entre ambientalistas e operadores turísticos: essa parceria entre projetos de conservação e desenvolvimento econômico ainda tem aspectos muito improvisados. Sem um cais para embarcar, os hóspedes da pousada do empresário Henrique Litman, na praia de Garopaba, precisam entrar na água. No inverno gelado do Sul do Brasil, a medida não agrada os turistas, definitivamente.

Entretanto, além da falta de um mirante estruturado para a avistagem, num lugar onde existem dezenas de morros e colinas de excelente aproveitamento, há deficiências na formação de guias especializados. “Precisamos aumentar o número de novos profissionais para orientar corretamente quem vem”, alerta a chefe da APA. Os guias são, geralmente, estudantes de ensino médio e universitários, em busca de uma experiência para o currículo e, de quebra, de um dinheirinho extra para o ano. Atualmente, existem pouco mais de 10 pessoas formadas pelo curso do Projeto Baleia Franca, reconhecido pela Embratur. O presidente das Associações de Guias da Área de Proteção Ambientais das Baleias, Júlio César de Oliveira, revela que, em breve, estará formando mais uma turma de 20 pessoas para dar conta da temporada que começa agora. “As baleias estão chegando e uma grande e promissora época deve começar”.

* Fernanda Martorano Menegotto é jornalista de Florianópolis, atualmente morando no Rio de Janeiro.

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