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Competição desleal

Relatório da WWF diz que humanidade consome 25% mais do que a natureza é capaz de suportar. Com a pressão, populações de vertebrados caíram 30% desde a década de 1970.

Eric Macedo ·
24 de outubro de 2006 · 18 anos atrás

A natureza e a humanidade correm em ritmos diferentes. E a distância entre os dois aumenta cada vez mais, como mostra o relatório “Planeta Vivo 2006”, publicado nesta terça-feira pela WWF. Os últimos dados, de 2003, mostram que o impacto dos homens sobre o planeta está 25% além do que ele é capaz de suportar. Se nosso estilo de vida continuar o mesmo, a demanda atingirá o dobro do que o meio ambiente pode fornecer até 2050. Isso levando em conta dados modestos projetados pela ONU.

O impacto do homem sobre a Terra, medido por um índice chamado “Pegada Ecológica”, mais do que triplicou desde 1961. O atropelo da natureza pelo homem ocorreu ainda na década de oitenta, e a exploração insustentável aumenta a cada ano. A pressão exercida, diz outro índice citado no relatório, se reflete em diminuição da biodiversidade: as populações de vertebrados diminuíram cerca de 30% da década de 70 para cá. Para a WWF, escolhas vitais devem ser tomadas agora para diminuir a nossa “pegada”. Caso contrário, os danos para o meio ambiente podem ser irreversíveis.

O cálculo da contribuição de cada país para esse impacto é feito pela área necessária para fornecer os recursos consumidos por seus habitantes (hectares globais). São as áreas de plantação (para produção de comida, fibras e óleo), pasto (para produção de carne, lã e leite), locais de pesca e de floresta (para extração madeira, polpa e fibra). Além disso, também entra na conta a área requerida para absorver o CO2 liberado na atmosfera. Com isso, o aquecimento global é citado novamente como grande vilão da história, uma vez que as emissões atmosféricas responsáveis pelas mudanças climáticas representam quase metade (48%) de nossa pegada global.

“A mensagem desses dois índices é clara e urgente: nós estamos excedendo a capacidade da Terra de agüentar o nosso estilo de vida… e precisamos parar. Precisamos equilibrar nosso consumo com a habilidade do mundo de se regenerar e absorver nossa sujeira”, escreveu o diretor da ONG, James P. Leape, na abertura do documento. O primeiro passo para a mudança desse estilo de vida, diz ele, é a diminuição da dependência dos combustíveis fósseis na produção de energia.

Equilíbrio

Os países que têm a maior contribuição na pegada são Estados Unidos (14 bilhões de hectares globais), China (2 bilhões), Índia e Rússia. O Brasil, com um consumo de 383 milhões de hectares globais, chega em sexto lugar, depois do Japão. Apesar disso, a relação entre a “biocapacidade” do país e o consumo dos brasileiros ainda é positiva. Enquanto os Estados Unidos têm um débito de 4,8 hectares/pessoa, no Brasil temos um crédito de 7,8. Isso não quer dizer, diz o relatório, que o nosso país seja mais cuidadoso do ponto de vista ambiental. Os países com crédito são dotados de reservas ecológicas, mas, explica o documento, isso não significa necessariamente que sejam bem manejados e não sofram degradação.

Planeta dos homens

Segundo o relatório, animais e pessoas competem por comida e habitat. Como a demanda humana é cada vez maior, sobram menos recursos e espaço para a vida selvagem. O segundo número apresentado pela WWF, o Índice de Vida no Planeta, mostra uma rápida e contínua perda de biodiversidade. As populações de vertebrados diminuíram em torno de um terço nos últimos trinta anos. O número leva em conta 695 espécies terrestres, 274 marinhas e 344 de água doce, num total de mais de 3,6 mil populações.

No caso dos vertebrados terrestres, o principal problema detectado é a perda de habitats, devido basicamente a conversão do espaço natural em áreas agrícolas. Os de ambiente marinho sofrem com a sobrepesca, principalmente em se tratando de espécies mais populares, como o salmão e o atum. Enquanto isso, peixes de água doce sofrem com a alteração e represamentos de rios para uso industrial e doméstico, irrigação e energia hidroelétrica.

Cenários

O relatório reconhece ser difícil implantar as mudanças sugeridas para aproximar o consumo humano da capacidade de recomposição da natureza (sua biocapacidade), que também abrange a redução no ritmo de crescimento populacional, além de aumento da produtividade da terra (com uso de irrigação, por exemplo). E traça três possíveis cenários futuros. Um deles, de permanência do modelo atual, prevê um aumento de 60% no impacto da agricultura e do CO2 em menos de 50 anos. Isso elevaria o débito ecológico do homem a um nível no qual recursos e serviços ecológicos “não estarão mais disponíveis para atender às demandas da humanidade”.

Nos outros dois cenários, há ou uma mudança lenta de postura – que traria o impacto humano sobre a natureza a um nível suportado por ela em torno do ano 2100 – ou uma mudança brusca, que o faria até 2050. Para que essa última meta seja alcançada, seria preciso diminuir as emissões carbônicas em 50% até 2050 e 70% até 2100. E o consumo de áreas plantadas deveria aumentar apenas 15% até o fim do século. Coisas que parecem longe, mas muito longe de se tornarem realidade.

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