Reportagens

O Rio debaixo d’água

Aquecimento global no Rio de Janeiro reproduzirá o modelo mundial: áreas mais ricas vão se adaptar facilmente, enquanto regiões mais pobres sofrerão alagamentos freqüentes.

Eric Macedo ·
26 de abril de 2007 · 18 anos atrás

Uma revista de circulação nacional foi às bancas no início deste mês com uma montagem na capa que mostrava o Cristo Redentor pairando sobre uma Zona Sul debaixo d’água. O assunto principal da edição era o aquecimento global. A imagem pode servir para ilustrar o fato de que o nível do mar está subindo e, devido às mudanças climáticas, vai aumentar cada vez mais. Mas, levada ao pé da letra, não passa de ficção. A parte mais rica da cidade deve passar praticamente incólume com a subida do Atlântico. As afirmações são de dois cientistas do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, Paulo Canedo e Paulo Cesar Rosman. Como no resto do mundo, quem sofrerá mais serão as populações pobres. No Rio, as principais vítimas serão os moradores da Baixada Fluminense e de Jacarepaguá. Mapear o quanto antes as áreas vulneráveis, dizem os professores, é essencial para que o país enfrente o problema no futuro.

Numa palestra em fins de março, os pesquisadores mostraram o que acontecerá no Brasil – e, em especial, no Rio de Janeiro – caso o nível do mar suba 50 centímetros até o fim do século, como afirmam as estimativas mais confiáveis do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). “Quem faz esse tipo de desenho deve ter assistido a muito filme-catástrofe hollywoodiano”, diz Rosman sobre as imagens da Zona Sul alagada. “Para se ter uma idéia, o calçadão de Copacabana está 4,5 metros acima do nível da água”, exemplifica. Mesmo em praias com faixas menores de areia o problema não é difícil de ser resolvido. Ipanema, Leblon, São Conrado e Barra da Tijuca poderão ter essa faixa aumentada artificialmente, com areia trazida de fora. Algo que aconteceu no passado, devido a desgastes naturais.

Rosman explica que o aquecimento global deve afetar a costa brasileira de três formas: o mar vai subir (devido ao derretimento do gelo sobre o Ártico, a Groenlândia e partes do Canadá e da Antártida), situações climáticas extremas (como chuvas intensas) se tornarão mais freqüentes e haverá alteração nos padrões de circulação da atmosfera. Essa última mudança pode fazer com que, além de trazer mais areia, seja preciso fazer obras de correção da direção das praias, que podem ficar “tortas” com a mudança na direção dos ventos. “Espigões”de pedras dividindo as praias ou prolongamentos de canais (como o do Jardim de Alah) podem resolver o problema.

O nível do mar varia de acordo com o tempo, subindo na chegada de frentes frias (é a chamada maré meteorológica). No Rio, esse aumento pode chegar a 40 ou 50 centímetros, nas tempestades mais fortes. Como não só o nível permanente do mar vai aumentar, mas também as chuvas, isso se traduz em problema em dobro. Não para quem mora em lugares onde a água escorre com facilidade de volta para o mar, mas para quem, mesmo hoje em dia, sofre com alagamentos. É o caso das regiões de baixadas e no entorno de baías (como a da Guanabara) e lagoas (como as de Sepetiba, Araruama e Saquarema, na Região dos Lagos fluminense).

Soluções

Para contornar as mudanças nesses lugares, Paulo Canedo estima que será preciso dez vezes mais recursos do que para solucionar a questão das praias. “Como o mar vai subir, os rios de baixada vão ter mais dificuldade para escoar a água das chuvas, transbordando”, diz. A solução pode ser a construção de diques e pôlderes (reservatórios para onde a água escorre, como os “piscinões” paulistas) ao longo dos rios. Como não se sabe ainda com exatidão qual será o tamanho do problema, não há nem como quantificar o estrago aos cofres públicos. Só se sabe que será caro. “E quanto mais a água subir, mais caro fica”, diz o engenheiro. O certo é que, se nada for feito, determinadas áreas, na região de Jacarepaguá, por exemplo, se tornarão inabitáveis. “Aquilo ficará debaixo d’água”, diz Rosman.

Para ele, a remoção de população (um assunto que costuma dar calafrios em qualquer político de olho nas urnas) é inevitável. “Essas são áreas de ocupação desordenada, problemáticas mesmo hoje em dia”, diz. A sugestão do engenheiro é que se ataque duas questões de uma só vez. Para ele, é preciso levar em conta dois tipos de áreas críticas: as que tiveram ocupação desordenada e as que hoje estão urbanizadas de forma definitiva. A retirada da população deve se concentrar onde ainda não há urbanização. “Esses lugares devem ser reservados para funcionar como pôlderes, no momento em que houver alagamento. Sem chuva, poderiam ser usadas como quadras esportivas, parques, ou reservas naturais”, diz o engenheiro. Ao mesmo tempo, terão que ser feitas obras para escoar a água das regiões de baixada urbanizadas para essas áreas “alagáveis”.

Segundo Canedo, o governo brasileiro está muito atrás de outros na preparação para enfrentar a nova realidade. Não foram contratados estudos para mapear as áreas em risco, coisa que tem sido feito por países europeus. Talvez seja ainda cedo para começar obras de adaptação, uma vez que o grau de certeza quanto à dimensão dos impactos ainda não é suficiente. Mas dá, certamente, para ter noção de onde as dores de cabeça serão maiores. Saber de antemão permite tomar medidas de precaução, como limitar novas construções nas áreas que ficarão em risco no futuro. “Aqui, as pessoas ainda estão deglutindo as informações sobre o aquecimento. Mas os estudos já poderiam ter sido solicitados. São a parte mais barata”, diz Canedo.

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