Reportagens

Desafio à lógica

Apesar da subida vertiginosa dos preços das commodities agrícolas, os índices de desmatamento em Mato Grosso no mês de abril apontam para uma tendência de queda acentuada.

Manoel Francisco Brito ·
24 de maio de 2007 · 18 anos atrás

As aparências enganam. Visto somente pelo prisma dos últimos dois meses, o desmatamento no Mato Grosso deu um pulo assustador. Pelos números do último boletim do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), uma parceria entre o Imazon e o ICV que desde setembro do ano passado, com a ajuda de imagens de satélite, vem monitorando com régua e compasso a derrubada de áreas de florestas no estado, o corte de árvores em abril aumentou em 117% em relação a março, quando foram desmatados 30 quilômetros quadrados. Mas vista dentro de uma série histórica, a taxa de abril, de 65 quilômetros quadrados, representa na verdade uma queda não menos espantosa. Em relação a abril do ano passado, a redução foi de 89%.

No saldo do desmatamento acumulado entre agosto de 2006 e abril de 2007, o tombo também foi grande. Ele atingiu 2 mil 680 quilômetros quadrados, equivalente a apenas 38% do que foi desmatado entre agosto de 2005 e abril de 2006. “A tendência de queda é muito forte”, diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon. “Se continuar assim, ele será mais baixo do que o índice de 6 mil e 86 quilômetros quadrados desmatados registrados entre agosto de 2005 e julho de 2006”. Essa contínua tendência de queda tem deixado os responsáveis pelo SAD quebrando a cabeça para encontrar suas motivações. Afinal de contas, o preço de grãos e da carne, principais incentivos ao desmatamento no Mato Grosso, voltaram a subir no mercado internacional.

Pela lógica do passado recente do corte de árvores no estado, elas deveriam estar tombando em volume bem maior. O boletim levanta duas hipóteses para explicar a situação. O primeiro, a valorização do câmbio, que reduziu a margem do agronegócio local, tornando o custo de expansão de pastos e lavouras inviável. “Nós conversamos com vários produtores rurais da região e isso parece ser de fato um fator de contenção do desmatamento”, diz Laurent Micol, do ICV. “Mas para ter certeza, precisaremos fazer mais estudos”. A segunda hipótese se escora num possível aumento da fiscalização. Pode até ser e se for, trata-se de uma mudança e tanto.

Sinais de sucesso

Cinquenta e sete por cento do desmatamento de abril passado ocorreu em terrenos fora do Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais (SLAPR), no qual, pelo menos na letra da lei, todas as fazendas mato-grossenses deveriam estar cadastradas. Portanto, toda essa derrubada não foi autorizada pelas autoridades e é considerada ilegal. O restante do corte de abril, 43%, aconteceu em propriedades registradas no SLAPR. Mas não dá para saber o que desse percentual pode ser considerado legal. A secretaria de meio ambiente do Mato Grosso está aposentando o SLAPR e migrando a sua base de dados para um novo sistema, batizado de Sistema Integrado de Licenciamento Ambiental de Mato Grosso (SILAM), que por sinal está aberto para o distinto público na Internet.

“Isso impediu que fizéssemos o levantamento sobre o índice de ilegalidade do desmatamento nas propriedades cadastradas nos SLAPR, porque algumas informações, por conta da migração, ficaram inconsistentes”, diz Micol. A história recente desse aspecto do desmatamento no Mato Grosso indica que mesmo nas fazendas cadastradas no sistema, a maior parte do corte ocorre em cima de suas reservas legais e foi, portanto, irregular. Desde que o SAD começou a fazer um levantamento específico sobre o perfil dos desmatamentos em Mato Grosso, em outubro, o índice de ilegalidade dos desmatamentos detectados girou em torno dos 90%.

Além de se virar para explicar as razões para a sensível redução do grau de conversão de áreas de floresta em território mato-grossense, os técnicos que fazem o SAD estão também tentando entender o que provocou a mudança do eixo do corte. Até o ano passado, os municípios campeões do desmatamento no estado se localizavam na região Noroeste. Os números de abril mostram que agora os líderes do ranking se concentraram no Nordeste, nas bordas do Parque Indígena do Xingu. “Esse movimento ainda é uma incógnita para nós”, diz Micol. Curiosamente, tantas interrogações são um sinal de que a decisão do Imazon de criar um sistema de monitoramento alternativo e ao mesmo tempo complementar ao do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é um tremendo sucesso.

Mais interrogações

O SAD permite ver o que está acontecendo no presente e sua capacidade de descer a detalhes sobre o desmatamento numa determinada região permite conhecer de perto suas dinâmicas próprias. O seu monitoramento do território mato-grossense está mostrando que as derrubadas lá têm características muito peculiares. Por exemplo, acreditava-se que ele se comportava de maneira similar ao que acontece na maior parte da Amazônia.

O corte para conversão do solo em pasto ou plantação começa em regra no início da estação seca, lá para abril-maio, e termina em outubro-novembro, pouco antes do início do período de chuvas. Pelos boletins que o SAD produziu até agora, o período forte de cortes no Mato Grosso tem começado em setembro e se estende até dezembro. “Enquanto não tínhamos esses dados, imaginávamos que aqui no estado a derrubada pesada acontecia no início do período seco e a queimada das árvores derrubadas tinha início lá para setembro-outubro, quando elas estariam menos úmidas e portanto mais propícias à combustão”, conta Micol.

Ele lembra também que o SAD está permitindo perceber que a técnica de desmatamento na região também mudou. Antes ela se baseava no tradicional corte-queima. “Agora não está mais se queimando tanto. Está se fazendo o chamado desmatamento frio, com corte seguido de enfileiramento”, diz. O termo indica que as árvores, depois de cortadas, estão sendo dispostas em pilhas enfileiradas. Seu destino final pode até ser a queima. “Mas o fato é que essas pilhas independem de ficarem secas por longos períodos para serem queimadas e o fogo que elas produzem é mais localizado, não se espalha por todo o terreno.

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