Reportagens

Santo câmbio

Um pouco mais de aperto na fiscalização e uma mão da queda do dólar, o agronegócio se retrai em Mato Grosso, contribuindo para uma tendência de queda no desmatamento no estado.

Andreia Fanzeres ·
24 de maio de 2007 · 17 anos atrás

No domingo passado o jornal O Estado de São Paulo publicou uma série de reportagens que mostrava as mudanças na geografia do agronegócio, com perdas de produção na região Centro-Oeste e ganhos no Sul do país, em decorrência da queda do valor do dólar na economia brasileira. Mas a elevação dos custos para produzir, transportar e expandir a área plantada com grãos, especialmente soja, teve outras conseqüências – aliás, muito bem-vindas à floresta, como uma espantosa queda nos índices de desmatamento em Mato Grosso.

O setor agrícola não tem conseguido crescer em Mato Grosso nos últimos três anos. “Há três safras, compramos insumos com dólar custando R$ 3 e vendemos a produção com a moeda a R$ 2,80. Na safra seguinte, compramos a R$ 2,60 e vendemos a lavoura com R$ 2,30. Agora, adquirimos os materiais a R$ 2,20 e estamos vendendo a R$ 1,95. Não temos como nos sustentar com uma pressão da moeda nesse nível”, diz Rui Prado, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) e também presidente da Associação dos Produtores de Soja do estado (Aprosoja).

Prejuízos

O resultado é prejuízo nas vendas, queda na exportação de grãos no estado e endividamento generalizado, o que os fazem exigir ajuda do governo para recuperação do setor e segurar sua expansão. E é exatamente isso que atesta o levantamento deste mês da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), sobre avaliação da safra agrícola 2006/2007. De acordo com os números da entidade, a área plantada com soja em Mato Grosso caiu de 5,8 milhões de hectares entre 2005/2006 para 5,1 milhões de hectares entre 2006/2007. Para amenizar as perdas, os produtores procuraram fazer render mais sua produção nas terras já consolidadas. Por isso, a produtividade subiu de 2.695 quilos por hectare para 2.980 kg/ha.

A perda na competitividade frente aos produtores do Sul e ao mercado internacional de grãos pode ser creditada ainda aos elevados custos de transporte do Centro-Oeste para os portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e São Francisco do Sul (SC), por onde a maior parte da soja mato-grossense é escoada. As estradas ruins e o frete elevado em cenário de câmbio desfavorável têm quebrado os produtores. “Cerca de 60% do frete que eu pago é para bancar o óleo diesel. Nas últimas três safras, o petróleo subiu 94% e o óleo 212%”, calcula Prado, da Famato.

A saída, para ele, é melhorar imediatamente as condições de infra-estrutura para retirar dos distantes portos do Sul e do Sudeste os pontos de escoamento. “A primeira coisa é tornar o rio Guaporé navegável através de duas hidrelétricas que o Lula já nos prometeu, para que possamos escoar a produção por via fluvial, desde Mato Grosso até o rio Madeira”, diz. Segundo Prado, o asfaltamento da BR-163, o pleno funcionamento do porto da Cargill, em Santarém (PA), e investimentos nas ferrovias Ferronorte e Norte-Sul evitariam 50% dos prejuízos atuais com transporte.

Relação direta

Relacionar maus desempenhos no setor agrícola com redução líquida e certa no desmatamento em Mato Grosso não é um exagero. Mas esta não é a única causa da tendência de queda no corte da floresta. “Está ficando cada vez mais caro desmatar um hectare”, afirma o engenheiro agrônomo Carlos Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). Para ele, além do custo de expansão de novas fronteiras ter aumentado sem que o dólar acompanhasse esse movimento, as áreas com floresta estão mais distantes, o que onera ainda mais quem se propõe a derrubá-la, seja para o que for.

Além disso, é necessário reconhecer os esforços de fiscalização ambiental na redução das derrubadas nesse início de ano, embora este não seja o período crítico de cortes por causa da chuva. Com 75 fiscais espalhados pelo estado, o Major Jonas Dante Araújo, superintendente de ações descentralizadas da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema), atribui uma maior eficiência à nova estrutura administrativa do órgão, que foi subdividido em coordenadorias de temáticas para fiscalização florestal, de pesca, unidades de conservação e empreendimentos. Segundo ele, graças a vistorias em pátios de madeireiras foram apreendidos 19.300 metros cúbicos de madeira de janeiro a abril deste ano.

“No ano passado, a estrutura era diferente e o saldo do ano inteiro foi de 25.339 metros cúbicos apreendidos”, relata Araújo. O superintendente também acha que as ações de desmate são possivelmente inibidas graças ao mecanismo de envio de autos de infração pelo correio, quando algum desmatamento irregular é identificado via satélite pelos técnicos da Sema, em Cuiabá. “Ao receber a multa o infrator passa a saber que tem alguém vigiando de cima o que ele faz”, diz. Rodrigo Dutra, chefe do escritório regional do Ibama em Alta Floresta, tem raciocínio semelhante. Embora a maior parte delas não seja paga, as multas teoricamente tolhem o desmatamento e desanimam os infratores.

“É muita dor de cabeça e no bolso. Quando máquinas são apreendidas, eles ficam um bom tempo parados, sem desmatar. Perdem muito dinheiro”, diz Dutra. Diferentemente do ano passado, quando as ações de fiscalização do Ibama começaram em abril, este ano tais esforços tiveram início mais cedo, ainda com as chuvas. Segundo ele, o órgão ficou mais organizado, pelo menos nesse setor. Mas até ele reconhece que quem dita as condições para desmatar mais ou menos é a economia agrícola.

Cautela

Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, acredita que o plantio de grãos tem sim impactos diretos e indiretos no desmatamento, e as duas coisas têm acontecido em Mato Grosso. Simples assim. “Derruba-se para plantar soja. E a expansão de áreas de lavoura sobre outras desmatadas, de pasto, desloca a pecuária para novas frentes de derrubadas”, explica. “Este é um momento muito claro na redução do desmatamento”.

Só que esta situação não deve ser replicada a outras partes da Amazônia, onde o desmatamento ocorre majoritariamente para conversão de áreas de pastagem. “A pecuária não precisa de tanta estrutura quanto a produção de grãos, e deverá ocupar espaços desmatados onde a soja não pode ir mais. Por isso, pode ser que nos próximos anos continue havendo redução no desmatamento, mas nem tanto”, pondera Barreto. Ainda mais agora com um incentivo estrangeiro de peso para conversão de floresta em pasto. A Organização Internacional de Saúde Animal atestou que o gado criado no Sul do Pará está livre de febre aftosa e poderá ser exportado para 169 países. “É um equilíbrio de forças: a influência do pasto e a influência dos grãos. Vamos ver como os próximos anos vão se comportar”, diz.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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