Reportagens

Quando tardar é falhar

Reserva extrativista no Maranhão é exemplo do que representa demora na implantação de unidades de conservação no Brasil. 57% da floresta dos 8 mil hectares foram derrubados.

Eric Macedo ·
12 de julho de 2007 · 17 anos atrás

Uma pequena reserva extravista localizada no sul do Maranhão é o exemplo máximo das conseqüências de se criar unidades de conservação no papel e o quanto a manutenção de populações no seu interior pode ser um componente que torne ainda mais difícil a sua implantação. Criada junto com um punhado de unidades pelo governo Collor durante a Eco 92, a Reserva Extrativista (Resex) do Ciriaco tem penado para cumprir seu papel de sustentar uma população de 280 famílias enquanto protege a natureza em seus oito mil hectares. Até agora, essa última tarefa tem sido de longe a mais prejudicada: 57% da área já perderam a sua cobertura florestal e a abertura de duas grandes estradas no meio da mata restante é sinal de que vem por aí mais devastação.

“Nem é possível avaliar a qualidade dessa floresta. Talvez também dali tenha sido retirada madeira”, diz o pesquisador senior do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia) Paulo Amaral, que produziu o mapa acima. Nele é possível ver o desmatamento ocorrido entre 2000 e 2006, que segue o mesmo padrão do desmate existente no entorno da reserva. Ou seja, do ponto de vista do desmatamento, não fez diferença a reserva ter sido criada. Segundo Amaral, a função principal dessa unidade de conservação – que, como diz o nome, é conservar a natureza – já é inviável devido à fragmentação da floresta.

Para o pesquisador, a unidade está fadada ao fracasso, a não ser que haja uma intervenção forte do governo no sentido de fiscalizar e controlar o desmatamento na área, ao mesmo tempo em que forneça crédito e formação técnica à população local, que vive de agricultura familiar e quebra de côco de babaçu. Se não for isso, é provável que nem seu papel social seja cumprido. “É difícil afirmar que ela consiga servir de sustento à sua população”, diz ele. A situação, para Amaral, é fruto da demora e ineficiência do governo em implantar as unidades de conservação que decreta.

Deixada de lado

“O governo criou, mas não estruturou”, conta o chefe da unidade, o funcionário do Ibama Euvaldo Pereira da Silva. Na época do decreto, estavam no pacote do governo também as Reservas Extrativistas de Mata Grande, do Extremo Norte (no Tocantins) e do Quilombo do Flexau. Esta última foi a única que conseguiu se erguer razoavelmente, devido à pressão do líder sul-africano Nelson Mandela, que se envolveu pessoalmente na causa dos quilombolas, fazendo com que aportasse na área uma boa quantidade de recursos.

O Ciriaco, por outro lado, foi deixado de lado. Só nos anos 2000 é que ganhou a atenção do governo. E aí, mais da metade da área tinha se transformado em pasto. “Quando os donos das terras souberam da criação da reserva aceleraram o processo de desmatamento”, conta Silva. Eram 72 proprietários, entre grandes e pequenos. A intenção era fazer com que o governo desistisse da idéia quando resolvesse implantar a unidade, mas visse o estrago causado. O governo não desistiu e, até o momento, conseguiu regularizar 73% da área da Resex, hoje pertencente à União e cedida aos extrativistas. As outras duas reservas estão até hoje esperando para serem implantadas.

Arão dos Santos, presidente da Associação de Trabalhadores da Reserva Extrativista do Ciriaco (ATARECO), conta que os moradores mal sabiam o que era uma reserva extrativista na época em que ela foi criada. Foram feitas algumas discussões, mas o entendimento mesmo do que significava viver numa unidade do tipo só veio depois do decreto. No fim da década de 90 foi feito um plano de uso da reserva, que, como todas as outras no país, não possui plano de manejo (fundamental para o estabelecimento de suas regras). O documento, provisório, institui que a metade da área fica loteada entre os moradores, que podem plantar ali suas roças, enquanto o resto funciona como área comum, de onde todos podem tirar os recursos de que necessitam.

Cultura do babaçu

“A reserva não nasceu de um pedido das pessoas”, diz Stéphanie Nasuti, pesquisadora Institute des Hautes Etudes de l’Amérique Latine (IHEAL). Ela prepara uma tese de doutorado sobre a reserva, como parte do programa DURAMAZ, que estuda opções de desenvolvimento sustentável na Amazônia brasileira. Discorda que a reserva não tenha tido representatividade em termos de desmatamento, uma vez que ela só passou às mãos dos extrativistas em 2003. E diz que as áreas ao Norte que sofreram corte depois desse período ainda estão com seus antigos proprietários.

No entanto, a francesa se questiona sobre a capacidade do côco de babaçu gerar renda para sustentar as famílias. “Matéria-prima, há”, diz ela, fazendo referência à grande quantidade de palmeiras ainda encontrada na área. O problema é que cada quilo de amêndoa de babaçu é vendido por R$0,80. E uma boa quebradeira consegue obter no máximo 10 quilos do produto por dia. “É preciso organizar a cadeia produtiva, agregar valor”, diz ela. Uma outra questão é se as novas gerações de mulheres vão dar seguimento ao trabalho de suas mães e avós. “As jovens não estão interessadas”, explica Nasuti. Segundo ela, alguns moradores ainda resistem às limitações impostas pela unidade de conservação, enquanto outros, mais envolvidos com a idéia da reserva, reivindicam justamente a necessidade dessas limitações.

O côco de babaçu tem funcionado na verdade como um complemento da renda das famílias. Enquanto os homens trabalham a terra, as mulheres quebram o côco colhido das palmeiras, vendendo no fim de semana as amêndoas obtidas (de onde, mais tarde, pode ser extraído um óleo como produto final). Além da agricultura, o plano de uso determina que cada família pode criar até 10 animais de grande porte, o que vai de encontro à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A legislação só permite criação de animais de pequeno porte nesse tipo de reserva. Para Silva, é preciso chegar ao meio termo. “O gado faz parte da cultura das pessoas”, diz ele, defendendo a criação para fornecimento de leite. “Desde que isso não desencadeie um processo de degradação”, explica. Mas seu discurso é que, numa reserva extrativista, mais importante que a natureza são as pessoas que nela vivem. “Nesse caso, a coisa mais importante do meio ambiente é o homem”, diz.

O Ibama recomenda que os extrativistas usem as terras já desmatadas para plantar suas roças, mas o chefe da unidade admite que algumas famílias não cumprem a recomendação do instituto. Alega, no entanto, que a fiscalização na área tem aumentado e espera-se que um funcionário do Ibama em pouco tempo esteja fixo na reserva, o que até agora não acontece. “Aqui todo mundo é fiscal”, diz Santos. Mas ele reconhece que há dificuldades. E conta que, apesar dos protestos dos moradores, um carvoeiro vindo de fora tem comido a floresta pelas beiradas.

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