Etnias indígenas recrudesceram nesta semana sua posição contra projetos de construção de hidrelétricas na Amazônia. A imprensa apenas noticiou a agressão sofrida por um engenheiro da Eletrobrás em Altamira (PA), durante apresentação do projeto da usina de Belo Monte, no rio Xingu. Mas não deu atenção aos protestos de cinco dias de nove etnias no interior de Mato Grosso. Cerca de 500 índios fecharam a estrada que liga Juína a Cuiabá de domingo a quinta, denunciando, entre outros pontos, danos provocados por usinas hidrelétricas.
Os índios concordaram em liberar a estrada depois de duas horas de negociações, mas sem terem tido garantias de que o problema das usinas terá solução. Na pauta, priorizaram necessidades básicas relacionadas ao atendimento da saúde indígena, e com isso desfizeram os acampamentos que interditavam a estrada. Em troca, fizeram três reféns na sede da Funai em Juína. Neste fim de semana libertaram dois servidores da Funai e Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que vieram para as negociações. Mas como não foram atendidos pela Funasa de Brasília, os índios levaram o antropólogo Miguel Foti, representante da presidência do órgão, para uma aldeia cinta-larga a 90km da cidade.
Uma primeira lista apresentada pelos índios denunciava que os empreendedores de cinco pequenas centrais hidrelétricas em construção no alto rio Juruena não estavam cumprindo com a decisão judicial de suspender as obras. No dia 17 de abril uma decisão do Tribunal Regional Federal interditou as usinas até que irregularidades no licenciamento fossem sanadas e sua condução transferida do governo estadual para o Ibama. De acordo com uma ação movida pelo Ministério Público Federal, o complexo hidrelétrico vai afetar direta e indiretamente pelo menos sete terras indígenas. Mas, para a surpresa dos índios do noroeste de Mato Grosso os empreendedores continuaram as obras. Diante disso, o Ministério Público Federal pediu providências e informou que solicitou à Justiça que o Ibama e a Policia Federal verifiquem e relatem os fatos. “Se eles não tinham parado, agora pararam”, garantiu o representante da Casa Civil de Mato Grosso, Rômulo Vandoni.
“Queremos que se faça um estudo profundo e definitivo sobre os impactos dessas usinas na nossa área e com garantias”, reclamou o índio Fernando Dinuru. Seu pedido, encaminhado à Funai durante uma reunião em Cuiabá no final do mês de março, ainda não foi atendido. E,nem fazendo a manifestação na estrada as autoridades parecem ter se preocupado. Os índios pediram a presença do secretário de Meio Ambiente do estado, de representantes da Funai de Brasília e diversos prefeitos, mas sequer o administrador municipal de Juína, que estava na cidade, quis participar das negociações sob sol de meio-dia na ponte do rio Juruena, nesta quinta.
Os índios também reivindicaram compensações sobre os impactos da pequena central hidrelétrica Juína, no limite da terra indígena cinta-larga e, denunciaram danos irreversíveis provocados pela usina hidrelétrica Dardanelos , em construção na cidade de Aripuanã. “Já começaram a abrir valas no nosso sitio arqueológico. Ninguém fez levantamentos lá”, lamentou o índio Angelton Arara.
Saúde precária
Se a saúde do meio ambiente está sob risco hidrelétrico no noroeste de Mato Grosso, a dos índios padece em piores lençóis. Este foi o tom da maioria das reclamações feitas aos representantes da Funasa presentes às negociações. Depois de cinco dias de bloqueio na estrada, a paciência dos caminhoneiros presos era curta. E só não aconteceu confronto por causa da presença de 20 homens da polícia militar, que não teve autorização para cumprir uma ordem judicial que obrigava a desobstrução da ponte até quarta-feira. Devido ao clima de tensão, ao saírem de Juína representantes do Ibama, Funai, câmara dos vereadores e Funasa foram hostilizados pelos caminhoneiros, que interditaram o acesso à ponte. “Vamos deixar vocês passarem, mas se a ponte não for liberada não vamos deixar vocês voltarem”, ameaçou um deles.
Centenas de índios aguardavam a comitiva, entre idosos, mulheres e crianças, todos adornados e pintados. Selecionaram a dedo quem poderia ouvir as negociações, entre 12h30 e 14h30 da tarde, em pé, no meio da ponte sobre o rio Juruena. Foi sob essas condições, apertados e sem terem como fugir, que as autoridades foram indagadas veementemente, passando por momentos de tensão e exaltação.
Em português e em idiomas indígenas, os índios repetiram dezenas de vezes que estão insatisfeitos com a atenção dada pelas três esferas de governo em relação à saúde. “Hoje nossa saúde está muito ruim, nosso povo morrendo, cadê o dinheiro investido?”, questionou Paulo Roberto cinta-larga. Ele reconheceu que o protesto desta semana prejudicou muitas pessoas indevidamente, mas disse que eles não tinha outra alternativa para chamar atenção das autoridades. “Quantas vezes vamos ter que interditar a ponte, nos arriscar aqui, por incompetência de vocês? Neste país só se resolvem problemas desta maneira. É assim que vocês querem?”, indagou Jair Rikbaktsa.
As críticas, por vezes, superavam até a questão sanitária. “Para vir para a cidade, a gente tem que pegar carona com madeireiro, viajar em cima de tora. Não tem veículo, não tem combustível. Vocês só mandam sucata. Só sabem dizer que o arara é madeireiro, mas não dão condições para permanecermos nas aldeias”, reclamou o índio Angelton.
Quando Paulo Almeida, da Funasa de Cuiabá, tentou explicar que estão previstos novos concursos públicos para melhorar o atendimento e as razões para os cortes recentes em seu orçamento, os índios o interromperam. “Chega de abobrinha. Estamos cheios de histórias. Você tem que dar resposta, senão não vai sair daqui”, cortou o cinta-larga. Neste momento, o antropólogo Miguel Foti se colocou a disposição para falar com o presidente da Funasa para buscar soluções concretas e topou ficar preso se os índios achassem que assim ele estaria ajudando.
Os índios levantaram a possibilidade de investimento na área da saúde com recursos do ICMS Ecológico recebido pela prefeitura de Juína. Graças à existência de unidades de conservação e terras indígenas em 63% de seu território, a prefeitura recebe 153 mil reais por mês. É a segunda maior arrecadação do estado. Mas, de acordo com o prefeito Hilton Campos, esse dinheiro não serve para atender os índios. “A lei do ICMS ecológico não define onde os recursos devem ser aplicados, mas a prefeitura presta contas ao poder legislativo municipal e está lá nossa aplicação de 15% em saúde na cidade e outros 25% em educação”, disse o prefeito.
Como ele mesmo explicou, o resto “entra no bolão”. “É dinheiro para arrumar estrada, comprar diesel, etc”, exemplificou. Perguntado se algum percentual do imposto era investido na área ambiental do município, Hilton Campos respondeu que sim. “Vai para agricultura”, ele disse, lembrando que a prefeitura investe recursos próprios num viveiro que gera dois milhões de mudas por ano. “Minha proposta é fazer em conjunto com a Empaer [Empresa Mato-Grossense de Pesquisa Assistência e Extensão Rural] projetos para sustentabilidade dos índios, como apicultura. Estamos sempre dispostos a investir nesses projetos, mas passar dinheiro é difícil”, afirmou.
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