Em Goiás, o Parque Nacional das Emas teve 90% de sua área queimada, enquanto o Parque Nacional do Araguaia, no Tocantins, a luta contra o fogo dura quase um mês. Terras indígenas queimam sem controle. Somente neste dia 03 de setembro, 116 áreas protegidas do país registram focos de incêndio, de acordo com o INPE.
Pelas beiradas, em áreas de fazenda, e pelo fogo que surge no seu interior. A recente onda de queimadas que assola o Brasil central e sul amazônico mostrou que as unidades de conservação (UCs) estão vulneráveis nos períodos de seca extrema. Mostrou também que o governo e os órgãos públicos de combate e prevenção ao fogo possuem deficiências e não estão preparados para grandes incêndios florestais.
“Sem o PrevFogo nos Estados, não há mais quem faça e cobre fazer uma etapa fundamental do planejamento, que são justamente os planos de prevenção e combate”, diz um servidor do Ministério do Meio Ambiente que pede para não ser identificado.
Ocorrida em 2008, a divisão do Ibama foi feita no papel, mas parece não estar totalmente consolidada. Ela pode ter sido uma das causas da falta de ações preventivas – segundo apontaram alguns analistas ouvidos pela reportagem. E nesse ano, o sistema está sendo posto em teste com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) capitaneando pela primeira vez, sem o auxílio do Prevfogo a prevenção e o combate aos incêndios. “Antes da separação dos dois órgãos, havia um centro integrado, especializado, com pessoas experientes”, diz um servidor do órgão, que trabalhou no PrevFogo e também pediu para não ser identificado.
Os parques e reservas do pais, gerenciados pelo ICMBio, ficaram em parte sem a estrutura do PrevFogo, que neste ano teve como prioridade ajuda aos municípios críticos e a tarefa de combater todo tipo de incêndio florestal. As UCs ficaram com as brigadas – que foram contratadas e treinadas.
No entanto, não houve trabalho de prevenção, dizem servidores do órgão. “Os aceiros”, cita como exemplo o funcionário, “devem ser providenciados com alguns meses de antecedência, pois do contrário não se detém um incêndio florestal.” Estas tarefas tomam, ao menos, seis meses do ano – e não as poucas semanas que o incêndio leva para torrar o parque.
Nos últimos anos, o Ministério do Meio Ambiente vem implementando uma série de fóruns com o objetivo de integrar as forças diretamente envolvidas com a questão do fogo, em diversas esferas de governo. Faltou, no entanto, integrar as equipes do próprio ministério após a separação dos dois institutos.
Burocracia
A liberação de recursos para combate às queimadas apenas ocorre agora, em plena situação de emergência. O anúncio feito pela ministra Izabella Teixeira sobre a destinação de dezenas de milhões de reais ao combate imediato apenas comprova que não foi por falta de dinheiro que a política de prevenção ao fogo em unidades de conservação e em terras indígenas não saiu do papel.
“O que mais me impressiona é o contraste entre as condições precárias de trabalho dos órgãos ambientais e a montanha de dinheiro que se gasta nas situações de emergência. Se 1% desses R$48 milhões tivessem sido investidos em prevenção e aparelhamento dos órgãos que atuam no Tocantins, certamente o dano seria incomparavelmente menor”, afirmou em comentário a reportagem de ((o))eco, o analista ambiental do Parque Nacional do Araguaia, Raoni Japiassu. “Espero que toda essa montanha de recursos esteja disponível no começo do ano, quando todos nós iniciaremos os trabalhos de prevenção aos incêndios.”
Na última semana de agosto, o Ministério do Meio Ambiente lançou notas informativas diárias, convocou a imprensa para uma série de entrevistas coletivas e encarou o fato o fogo nas UCs com gravidade. Entraram em campo aviões, helicópteros e contratação de centenas de brigadistas para o combate ao fogo na mata. Medidas caras, mas eficazes frente à calamidade.
Pouco se explicou, no entanto, a deficiência institucional. A seca era previsível – o Ministério possui um acordo com o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, com relatórios sobre clima e a localização dos focos de calor. Com ela, viria o fogo. Uma série de medidas poderiam ter sido tomadas para evitar que se alastrasse de maneira a queimar quase a totalidade de um parque nacional – o caso de Emas – como a construção de aceiros, que são cortes na mata que impediriam que as chamas se alastrassem.
As Terras Indígenas
Os fogos são em quase sua totalidade criminosos e os órgãos públicos tem buscado a repressão, através de multas e processos penais. O problema é que muitas unidades de conservação, assim como terras indígenas, estão invadidas, ou foram demarcadas sem que a regularização fundiária cuidasse da desocupação.
As terras indígenas tiveram 13% da área total queimada no último mês. Muitos povos indígenas, como os xavante, os bororo e os parecis, utilizam o fogo como um costume de suas tradições. Caçadas coletivas, em que o fogo serve para queimar a mata e cercar os animais, em geral estão ligadas a situações cosmológicas, e são ferramentas para os casamentos e festividades tradicionais.
Muitas vezes, porém, são os fogos dos vizinhos que invadem as terras indígenas. “Está queimando tudo, sem controle. Mas não sei se foi fogo nosso, tradicional, ou dos fazendeiros, pois já se misturou”, diz o cacique Supretaprã, da Terra Indígena Pimentel Barbosa. Não há brigadas de combate, e tão pouco foram preparadas oficinas para, junto dos índios, instruírem eles sobre a ameaça da seca que viria, e poderia ser avassaladora.
Chama a atenção uma experiência traçada junto dos povos mynky e irantxe, que também ocupam uma área de Cerrado e transição com Amazônia no Mato Grosso, pode ser uma referencia. O PrevFogo do Ibama, em parceria com a Funai local, organizou uma série de oficinas com os índios, discutiu os métodos tradicionais de uso do fogo, construiu aceiros e estratégias para evitar uma queimada sem controle na estiagem. O resultado é que, nessa seca, ainda não houve queimada nestes territórios.
*Felipe Milanez é repórter em São Paulo
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