Reportagens

Guiana: gestão comunitária está salvando o pirarucu

Este gigante é fácil de pegar, pois precisa vir à tona. Essa característica também permite conta-lo e planejar uma pesca sustentável.

Johann Earle ·
14 de fevereiro de 2014 · 11 anos atrás

Cynthia Watson, da Universidade Estadual de Nova York, mede um pirarucu para estudos de taxonomia. Foto: Donald Stewart
Cynthia Watson, da Universidade Estadual de Nova York, mede um pirarucu para estudos de taxonomia. Foto: Donald Stewart

A quantidade de pirarucus na Guiana (Arapaima arapaima) está se recuperando graças a um plano de gestão comunitário que envolve o governo, comunidades indígenas e organizações ambientais. Durante um período de aproximadamente 10 anos, o número de pirarucus adulto com mais de 1 metro de comprimento passou de 400 para mais de 5.000 peixes, de acordo com as contagens feitas pelas comunidades da região do Rupununi.

Um dos maiores peixes de água doce do mundo, o pirarucu é um gigante que atinge comprimentos de até 3 metros e pode pesar 250 quilos. Estes peixes passam até 20 minutos debaixo de água, mas precisam completar seu suprimento de oxigênio indo à superfície para respirar. Esta capacidade advém de bexigas natatórias modificadas, que funcionam como pulmões e é especialmente usada durante a estação seca, quando as águas estão baixas e pobres em oxigênio. Entretanto, vir à superfície torna-os alvos fáceis para os pescadores.

Na Guiana, pirarucus são protegidos por lei, junto com o jacaré-açu (Melanosuchus niger), a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), e a ariranha (Pteronura brasiliensis). A espécie está listada pela CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Selvagens Ameaçadas de Fauna e Flora), em seu Anexo II, o que significa que ainda não está ameaçada, mas será a menos que a pesca excessiva termine. Na Lista Vermelha da IUCN de espécies ameaçadas, a espécie é listada como “Dados Insuficientes” (Data Deficient).

Grupo usa rede para capturar o pirarucu. Foto: Plano de Manejo do Pirarucu
Grupo usa rede para capturar o pirarucu. Foto: Plano de Manejo do Pirarucu

“Até recentemente, ninguém estava prestando atenção ao pirarucu”, disse Deidre Jafferally, que participa do plano de manejo do pirarucu desde o seu início. Ela é uma estudante de doutorado ligada ao Centro Internacional Iwokrama, uma das organizações ambientais envolvidas neste projeto de conservação. “Embora já soubéssemos que havia problemas, não havia dados internacionais que apoiassem esta conclusão, porque faltava uma metodologia de contagem dos peixes”.

Por volta de 2001, verificou-se que a sobrevivência da espécie estava ameaçada, pois as primeiras contagens revelaram o declínio das populações de pirarucu. Embora a redução tenha sido detectada na década de 1990, os pesquisadores acreditam que ela é resultado de um período de 30 ou 40 anos de pesca excessiva. Os relatos indígenas confirmaram as impressões dos pesquisadores e deram impulso para criar um plano de manejo. Organizações ambientais como a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e WWF Guiana (World Wildlife Fund Guianas) forneceram os recursos em um total de 122 mil dólares para o desenvolvimento e execução do plano de gestão do pirarucu.

Rupununi

Patrick Honorio, da aldeia Rewa, recebe instruções de Donald Stewart, da Universidade Estadual de Nova York, sobre como retirar tecido muscular do pirarucu para estudos genéticos, que fornecem informações sobre a população local do peixe e ajudam a estruturar o manejo. Foto: L. Cynthia Watson
Patrick Honorio, da aldeia Rewa, recebe instruções de Donald Stewart, da Universidade Estadual de Nova York, sobre como retirar tecido muscular do pirarucu para estudos genéticos, que fornecem informações sobre a população local do peixe e ajudam a estruturar o manejo. Foto: L. Cynthia Watson

A zona úmida localizada na região do Rupununi do Norte, na Guiana, funciona como um sistema de drenagem formado pelos rios Rupununi, Rewa e Essequibo, além dos afluentes Tumalao e Semoni. Essa área tem mais de 200 lagos, lagoas e enseadas, que formam grande diversidade de habitats para populações de espécies ameaçadas na Amazônia, incluindo o pirarucu.

“As savanas do Rupununi e riachos do sopé das montanhas Pakaraima são importantes locais de reprodução de peixes, que funcionam como áreas de alimentação durante o período de águas altas. O Rupununi do Norte contém zonas úmidas e sistemas fluviais de importância global”, diz o sumário do plano de manejo do pirarucu.

Há 13 comunidades indígenas que vivem nessas zonas úmidas, rodeadas por pequenas comunidades periféricas. Suas principais atividades econômicas são roças, caça e pesca.

Desde o início do plano de manejo do pirarucu, em 2001, no início da estação seca, os moradores contam os peixes em todos os lagos da região. Em seguida, eles comparam os números com os apurados nos anos anteriores para descobrir se a quantidade de peixe está aumentando , diminuindo ou estável. A partir da contagem, determina-se quantos peixes podem ser pescados. Feito isso, a carne é vendida em comunidades vizinhas.

Só é permitida a pesca de pirarucus adultos e fora de fase de reprodução. Cada comunidade tem uma comissão de pesca responsável pelo cumprimento das regras.

Mais peixe, nenhum dinheiro

Pescadores pesam um Arapaima. Foto: Cynthia Watson
Pescadores pesam um Arapaima. Foto: Cynthia Watson

No entanto, enquanto o pirarucu ressurge, a receita advinda da pesca sustentável ainda não alcançou o vulto previsto, o que levou os moradores a pedir mudanças no plano.

Rebecca Xavier é uma indígena da tribo Wapishana, da Guiana. Ela vem da aldeia de Wowetta, uma das comunidades indígenas do Rupununi do Norte. “Em 2011, fiz parte do projeto de contagem do pirarucu. Eu trabalhava como assistente do gerente do projeto, um trabalho que pagava um salário mensal e que me manteve por um ano”, disse ela.

No entanto, ela diz que o dinheiro gerado a partir da venda de carne de pirarucu, nas quantidades permitidas pelo plano de manejo, não é suficiente para os habitantes de Wowetta, uma aldeia com população de cerca de 330 pessoas. “Esta comunidade não tem realmente se beneficiado com o projeto, apesar do crescimento da população de pirarucus”, disse Xavier.

No início, prometeu-se aos moradores que cada comunidade iria ganhar perto de $1 milhão em dólar da Guiana (equivalente a 5 mil dólares americanos) por ano com a venda de carne de pirarucu. Mas Xavier disse que nenhuma das aldeias, incluindo a sua própria, fez dinheiro substancial com a implementação do plano devido ao baixo percentual de pesca permitida. O número de peixes pescados foi uma fração do inicialmente previsto e a receita produzida com a venda, insignificante.

“Estamos vendo mais pirarucu nos rios e lagos”, disse Michael Williams, coordenador de implementação do plano e também membro de uma das comunidades envolvidas. Segundo ele, o retorno financeiro decepcionante para as aldeias fez com que pedissem mudanças no plano, de modo a aumentar a taxa de captura permitida, na medida em que a população de pirarucus aumenta.

Surgiram também novas ideias. O plano original só englobava a pesca e venda da carne. Hoje, as comunidades pensam em outros negócios potenciais como a pesca desportiva e a aquicultura.

Conhecimento indígena

De acordo com Deidre Jafferally, é importante manter a participação dos povos indígenas na gestão do pirarucu. “Eles conhecem os hábitos do peixe e os sons que ele faz. Isso ajuda a encontrar e contar os pirarucus”, disse ela. “Eles usam a fisiologia dos peixes… a sua necessidade de respirar oxigênio e subir à superfície. Os contadores chegam à lagoa e se posicionam. Em seguida, um dá um sinal para o outro iniciar a contagem. Dessa forma, contam todos os peixes na lagoa em 20 minutos”, disse Jafferally.

A pesquisadora contou que as maiores densidades de população do pirarucu estão nos rios Essequibo e Rewa, e que os números estão aumentando nas áreas Karanambo e Pirara. “Com base nos relatos locais, ouvimos que depois de 2011 eles encontraram pirarucu em novos locais. Isso significa que, dadas as condições certas, a espécie pode migrar grandes distâncias”, disse.

Jafferally afirmou que há uma grande preocupação com o aumento da pesca ilegal, na medida em que aumenta a extração de madeira e a mineração em comunidades do interior. “Isso terá um impacto não só para o pirarucu, mas também sobre outras espécies de peixes”.

Em novembro de 2013, o projeto de gestão de pirarucu ganhou recursos adicionais como parte de um esforço mais amplo de gestão da pesca. Segundo Samantha James, do Centro Internacional de Iwokrama, o financiamento extra de cerca de 25 mil dólares veio através do GEF (Global Environmental Facility). O dinheiro pagará uma nova contagem de pirarucu na região do Rupununi, que durará de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014.

 

 

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