Após se unir a Marina Silva em 2010 e chegar a um surpreendente terceiro lugar, com 19,6 milhões de votos em todo o Brasil, o PV lança novamente um candidato à Presidência da República, desta vez com o objetivo de fortalecer a legenda, eleger uma bancada federal e bancadas estaduais que pautem temas socioambientais na agenda nacional. Em 2014, o candidato verde é o experiente Eduardo Jorge, médico que atuou como parlamentar por 20 anos e, em São Paulo, foi secretário municipal de Saúde (governos Luiza Erundina e Marta Suplicy) e de Meio Ambiente (governos José Serra e Gilberto Kassab).
Com bom trânsito nos dois grupos que têm polarizado a política brasileira nas últimas décadas, Eduardo Jorge adota o discurso da terceira via e afirma que, embora o PV defenda a manutenção do tripé econômico (metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante) de tucanos e petistas, pode “mudar o padrão” da economia, se necessário, com a adoção de critérios de sustentabilidade. O candidato verde defende que o Brasil diminua o ritmo de exploração do pré-sal e transforme a Petrobras em uma “campeã das energias renováveis”, garante que não construirá mais usinas hidrelétricas na Amazônia e promete que, se eleito presidente, voltará a criar Unidades de Conservação, além de incentivar seu uso público e a gestão em parceria com a iniciativa privada. Leia a seguir a entrevista exclusiva:
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((o))eco: Qual a importância de existir um Partido Verde no Brasil e deste ter uma candidatura própria à Presidência da República, já que hoje a questão do desenvolvimento sustentável, com maior ou menor presença, é tratada nos programas de governo de todos os candidatos?
Nós do PV ficamos muito felizes que todo mundo fale da questão ambiental, que diga que quer ser verde. Isso tem acontecido cada vez mais porque as evidências científicas são cada vez mais fortes de que as teses fundadoras do PV são realmente importantes. Muita gente fala, mas ainda pouca gente faz. Muitos partidos começam a falar, e isso é uma coisa boa porque o PV não quer o monopólio da luta ambiental, mas poucos fazem quando podem fazer. Por isso, o PV é e vai ser por muito tempo um partido necessário, e não só no Brasil. Hoje, há partidos verdes fortes em vários países, como Alemanha, França, Austrália, Nova Zelândia e Canadá.
No Brasil, quando estávamos na fase final de derrubada da ditadura, o PV foi fundado por vários rapazes e moças que voltaram do exílio com ideias novas sobre paz, direitos das mulheres e meio ambiente. Foi o pessoal que plantou essa árvore no Brasil. Árvore que sobreviveu com pouca água, porque os partidos capitalistas e socialistas não queriam saber das ideias do PV, achavam que era uma flor exótica. Eles só tratavam de temas econômicos e sociais, coisa muito séria. Preocupação com o meio ambiente era coisa de hippie. Isso começou a mudar com a Eco-92 no Rio de Janeiro, quando especialistas de diversas áreas da ONU, baseados em evidências científicas, chegaram a conclusões, semelhantes às do PV, de que era preciso combinar o econômico e o social com um terceiro elemento, que é o respeito aos limites da natureza. Essa é a ideia simples e ao mesmo tempo genial do PV.
O desenvolvimento sustentável é uma ideia nova, e mudar hábitos de 100, 150 anos não é brincadeira. O PV é um partido de ideias tão vanguardistas e revolucionárias que não poderia estar ausente em um processo de eleição em dois turnos. No primeiro turno, o eleitor vota com a cabeça e o coração. Se o povo não nos colocar no segundo turno, que ao menos a gente possa influenciar nesse segundo turno o máximo possível. Se o PV tiver no primeiro turno a votação forte que a gente espera que tenha, terá força também para eleger deputados federais e estaduais de qualidade, o que para um partido de vanguarda é mais importante do que a quantidade.
A busca pelo desenvolvimento sustentável é o ponto central de seu programa de governo. Mas, é possível alcançar esse objetivo adotando o mesmo tripé macroeconômico dos governos de PSDB e PT, como promete o PV?
A economia e os economistas – os de esquerda e os de direita – têm a mania de achar que podem mandar em tudo, se acham os profetas da modernidade. A economia é importante, mas não é tudo na vida da gente O dogma materialista compartilhados por capitalismo e socialismo é que a economia manda em tudo. Essa estratégia que o Brasil vem seguindo – e que é um modelo internacional, não foi o PSDB nem o PT que inventou – de manter a economia com essas três orientações (metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante) é uma coisa relativamente simples e que tem dado resultados razoáveis no Brasil. O país vem melhorando nesta época de democracia. Então, nós não temos nenhum problema em adotar esse tripé, mas sem achar que o crescimento do PIB a qualquer custo é uma religião, uma régua que mede se o Brasil está indo pelo caminho certo ou não. Essa religião da aceleração do desenvolvimento a qualquer custo, a gente não segue. Esse pacto de aceleração do desenvolvimento, o governo fez com quem? Com o diabo? Com a indústria automobilística? Com a indústria petrolífera para nos envenenar?
O desenvolvimento sustentável vai orientar o governo do PV, inclusive as políticas públicas de produção e gasto de energia. A gente quer crescer na direção da saúde e da qualidade de vida. Temos semelhanças com PSDB e PT na busca pelo equilíbrio da economia, ninguém quer a volta da inflação, ninguém quer um governo irresponsável. Mas o PV é contra o crescimento voltado para os interesses de grandes empresas, empreiteiras e indústrias sem olhar para a qualidade de vida das pessoas e do planeta. Se precisar mudar esse padrão, nós vamos investir para mudar.
O seu programa de governo é o único, entre os onze protocolados no TSE, a falar em reavaliação da forma de exploração das reservas do pré-sal. O senhor pretende frear essa exploração? Qual será a importância do pré-sal em um eventual governo do PV?
Além disso, o pré-sal não prepara a Petrobras para uma nova fase. Se o país tivesse visão, faria como outros países, transformando a Petrobras em uma empresa de energia cada vez mais limpa e renovável. Mas, vai ser uma empresa cada vez mais suja, estão condenando a Petrobras a ser uma empresa puramente petrolífera por décadas e décadas, em vez de aproveitar toda a capacidade e inteligência que há dentro da empresa para ir progressivamente diminuindo a dependência ao petróleo e crescendo em etanol, solar, eólica, na energia do mar e das ondas. Era para a Petrobras ser nosso gigante estatal em energias renováveis.Não faz parte da ideia de desenvolvimento sustentável do PV apostar todas as fichas da matriz energética do Brasil em uma fonte suja, que é uma das principais responsáveis pelo aquecimento global e, portanto, uma das maiores ameaças à existência dos nossos netos e bisnetos. Se o Brasil levar adiante essa febre de exploração, nesse ritmo, vai se equiparar à Austrália, China e Canadá como campeão mundial de poluição com gases de efeito estufa. A produção de carvão na Austrália e na China, as areias betuminosas no Canadá e agora o pré-sal brasileiro são os quatro maiores projetos de poluição de aquecimento global do mundo. Então, a gente tem que ser muito cuidadoso com a exploração de um recurso como o petróleo. Claro que não vamos da noite pro dia mudar hábitos de uma sociedade que é dependente de petróleo há 150 anos, mas temos que ir curando essa dependência aos poucos. Diminuir cada vez mais o uso dessa matriz energética, sobretudo como combustível para transporte, e guardar o petróleo para usos mais nobres e controlados, por exemplo, nas indústrias petroquímica e farmacêutica, e não para uso massivo nas áreas energética e de transportes.
Por fim, o pré-sal não está sendo feito com a segurança necessária. Hoje, a lei europeia, após os últimos acidentes, é cada vez mais rigorosa quanto à exploração em águas profundas e tem um protocolo de segurança que não é aplicado no Brasil. Não tenho nenhum entusiasmo por essa febre petroleira que tomou conta de Brasília e engolfou a Petrobras nessa aventura.
O PV fala em “esgotamento do modelo rodoviário” nas grandes cidades…
Não é crescimento, para nós do PV, inundar as cidades com automóveis altamente ineficientes do ponto de vista energético. O automóvel é uma das máquinas mais ineficientes que o homem já inventou e, no entanto, o Brasil nos últimos doze anos aposta nesse casamento, com a economia dependente do petróleo. A indústria automobilística é um dos carros-chefe de nossa economia. Basta São Bernardo ter uma coriza que o governo já despacha três ministros para lá com escalda-pé, aspirina e lencinhos. Vender mais automóveis para quê? Para gastar mais petróleo, trazer mais aquecimento global, sujar mais o ar das cidades? Acaba de sair um estudo da Faculdade de Medicina da USP mostrando que no estado de São Paulo estão morrendo 44 pessoas por dia por causa da poluição das cidades, em sua grande parte provocada por motos, ônibus, carros e caminhões movidos a diesel e à gasolina. Isso é desenvolvimento?
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Energia
Quais fontes de energia serão prioritariamente exploradas no país se o senhor vencer as eleições?
Daqui a dez anos, a energia solar vai bater todas as outras em termos de competitividade. O ritmo acelerado de desenvolvimento que Alemanha, China e Estados Unidos – agora que Barack Obama resolveu entrar no jogo – vêm imprimindo com tecnologias e invenções está baixando os preços e tornando a energia solar cada vez mais eficiente e menos impactante. Tem gente mais arrojada que acha que entre cinco e dez anos a energia solar estará aí competindo com todas as outras, mas o Brasil segue dormindo em berço esplêndido. Priorizar o pré-sal é um erro estratégico gigantesco que o Brasil está cometendo. Vai dar dinheiro agora, mas trará um prejuízo fantástico no futuro.
Um eventual governo do PV continuará a construir usinas hidrelétricas na Amazônia, como, por exemplo, Belo Monte?
Chega de usinas hidrelétricas na Amazônia. As grandes hidrelétricas, como Itaipu ou Tucuruí, foram feitas em uma época em que a questão social e ambiental em torno das grandes barragens e lagos era muito pouco respeitada. Na ditadura não tinha essa história de licenciamento ambiental, audiência pública para ouvir índios e ribeirinhos. Era na base de mandar logo o trator. Precisamos nos lembrar disso. Belo Monte é uma espécie de filho temporão dessa estratégia da ditadura de apostar em grandes hidrelétricas, com grandes lagos feitos na marra. A Amazônia, por seu tipo de população, geografia e riqueza de biodiversidade, não é adequada para megaprojetos desse tipo.
Veja o que aconteceu com as usinas do Rio Madeira. A altamente competente – para o bem e para o mal – engenharia nacional pôs uma usina gigantesca que fica bem no meio do rio. E não é pouco rio, é o maior afluente do Amazonas, um gigante que a gente fica até com medo dele. E esse gigante, parece, não gostou. Um ano depois veio uma enchente que matou milhares de cabeças de gado, desalojou camponeses e pequenos agricultores e chegou a causar destruição até na Bolívia. Várias comunidades de ribeirinhos e pescadores e um quarto da cidade de Porto Velho ficaram debaixo d’água por dois meses e meio. Isso, depois de um ano da construção da usina, que não está nem funcionando direito. Durante o licenciamento, nas audiências, técnicos do Ibama disseram que não havia estudos suficientes sobre a reação hidrológica do rio ou a montante de seus afluentes. Esses técnicos foram substituídos pelo governo, e a obra foi aprovada três meses depois. Considerada a “joia do PAC”, a obra tinha que sair de qualquer jeito. Saiu desse jeito que está aí.
O PV diz basta às grandes hidrelétricas com grandes barragens e lagos na Amazônia. Em vários lugares do Brasil podemos estimular PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), mesmo assim com muito cuidado. Antes de instalar qualquer hidrelétrica, é preciso primeiro fazer as adaptações possíveis e preparar as compensações sociais e ambientais para só depois começar a obra.
O senhor é favorável à simplificação dos processos de licenciamento ambiental para grandes empreendimentos no Brasil? Como fazer isso sem faltar com o rigor no que diz respeito aos cuidados com possíveis impactos ambientais?
Eu detesto essa burocracia infernal do Estado em cima da gente. Tudo o que puder ser mais simples é melhor. No programa do PV falamos em “simplicidade voluntária”. Isso vale para a nossa vida diária e também para a burocracia de Estado. Se houver sugestões para simplificar essa burocracia, nós estamos dispostos a analisar. Mas não venham querer diminuir a força da influência do licenciamento ambiental sobre a execução da obra. Ele pode ser mais simples e mais rápido, mas não pode ter menos força, diminuir os ouvidos para ouvir as pessoas que serão impactadas e que podem ter sugestões para melhorar aquela obra. Ouvir também as árvores, ameaçadas de serem cortadas, balançando no vento. Elas não falam e não votam, mas nós podemos ouvi-las.
Servidores federais e organizações ambientalistas se queixam de um suposto processo de sucateamento de órgãos públicos ambientais como o Ibama e o ICMBio. Isso será revertido em seu governo?
O sucateamento pode ter razões político-ideológicas, mas também pode ter razões de prioridade orçamentária. Se o governo não dá valor ao desenvolvimento sustentável e acha que o licenciamento ambiental atrapalha as suas obras e pactos de aceleração do crescimento, sua lógica é cortar o orçamento, que é uma forma de asfixiar na prática os órgãos ambientais. O PV, evidentemente, vai ter que administrar um orçamento que é finito para demandas infinitas, vai ter que escolher prioridades. Eu sei como é isso, pois já fui duas vezes secretário de Saúde e duas vezes secretário de Meio Ambiente em São Paulo. O governante tem de escolher, e nós vamos cortar também, mas não vamos cortar nem sucatear a área ambiental que, junto com a saúde, a educação, a agricultura limpa e orgânica e a habitação segura, são coisas que estarão na frente da nossa fila de prioridades. Outras áreas, sim, sofrerão cortes, inclusive na burocracia. Vamos tentar reverter o sucateamento desses órgãos ao colocar a área de meio ambiente no primeiro lugar da fila.
O Brasil, como eu disse, tem um orçamento finito para demandas infinitas, e a gente tem realmente que manter uma postura de austeridade, com escolhas certas nas áreas que o povo mais precisa. Há espaço no Brasil para se conseguir mais dinheiro para a educação, a saúde e o meio ambiente se você localizar os focos de desperdício, de corporativismo, de burocracia excessiva e parasitária. Cada senador, por exemplo, tem direito a 40 assessores. O Senado no Brasil é uma empresa do clientelismo.
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Unidades de Conservação
O senhor, se eleito, dará novo ritmo à criação de Unidades de Conservação no Brasil? Existirão políticas específicas para a criação de UCs em biomas como, por exemplo, o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica?
Eu vi um estudo internacional interessantíssimo que mostra que as Unidades de Conservação delimitadas para comunidades tradicionais em países como Brasil, Indonésia, China, Vietnã, Estados Unidos e Canadá foram avaliadas como altamente positivas para a conservação da riqueza da biodiversidade e para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. É uma coisa extraordinária. O pessoal da religião do crescimento a qualquer custo acha que é um atraso de vida entregar áreas para populações indígenas e tradicionais sobreviverem com sua cultura. Quanto mais diversidade cultural tiver, mais rico o país é. Mas, tem gente que acha que não. O PV, por uma questão de respeito, de gostar da diversidade cultural e da biodiversidade, vai defender que o Brasil continue o seu progresso na delimitação, implantação das UCs e das terras de populações tradicionais, quilombolas e indígenas. Isso é bom para o Brasil e para o mundo. É uma pena que esse último período governamental tenha dado uma freada muito brusca no que vinha acontecendo desde a redemocratização do país.
O uso público dos parques nacionais será incentivado em um eventual governo Eduardo Jorge? Existe espaço no Brasil para a administração dos parques em regime de concessão à iniciativa privada?
As duas coisas são possíveis. Eu acho que tanto a gestão estatal quanto as empresas podem ser úteis, se as empresas estiverem bem acompanhadas e controladas pela democracia. Não vejo problemas para que haja parcerias entre a administração estatal e a privada. Tudo é uma questão de controle e de estabelecimento de regras sobre como isso deve ser exercido. É claro que você não pode ter como parceira em uma Unidade de Conservação uma empresa que coloca a maximização dos lucros a qualquer custo como seu farol. Quanto à questão do público, essas Unidades de Conservação são locais muito importantes de estudo e pesquisa, e atrair universidades e empresas que queiram estudar e pesquisar é possível e necessário, pois o Brasil faz pouco isso. Desde que sob o controle do Estado.
Somos também favoráveis à adoção de medidas de estímulo à visitação das Unidades de Conservação (UCs) pelo público comum, isso é um fator de educação ambiental para nós, nossos filhos e netos. Desde que seja uma coisa bem controlada, as UCs devem ter essa interação com o povo, tanto o do entorno quanto o que vem de longe. Eu, por exemplo, gosto de observar pássaros, mas o Brasil não valoriza essa atividade, apesar de ser, ao lado da Colômbia, o país com maior diversidade de pássaros do mundo. A visitação às UCs pode gerar também uma atividade econômica importante. Imagine como as populações do entorno poderiam se beneficiar com o turismo ecológico e não predatório. O objetivo do PV de unir o econômico, o social e o ambiental se aplica no caso das UCs.
O senhor foi voz contrária à aprovação do atual Código Florestal há dois anos. Se eleito presidente, pretende rever essa lei? Qual sua posição em relação ao Cadastro Ambiental Rural (CAR)?
Eu fui deputado por 20 anos, fui constituinte. Sou autor da lei sobre os medicamentos genéricos que passou quase dez anos sendo discutida, sou autor da lei sobre planejamento familiar, que passou nove anos sendo discutida. Para aprovar essas leis, tiver que aceitar emendas de diversos setores da sociedade. A lei nunca é exatamente do jeito que cada um quer. Essa lei do Código Florestal, nós perdemos. O PV teve uma atuação destacada nessa resistência, mas a lei foi aprovada, é a lei que existe e tem algumas coisas que precisam ser feitas.
Primeiro, é preciso aplicar a lei. Nem o cadastramento eles querem cumprir, mesmo do jeito que foi aprovado pela maioria ruralista. Um cadastramento melhor seria necessário para que pudéssemos acompanhar daqui pra frente, mas estão empurrando com a barriga e pedindo para adiar. A lei do jeito que está, com seus pontos positivos, tem que ser aplicada. Isso não quer dizer que, se eu tiver uma maioria no Congresso, mais favorável à visão do PV, eu não queira imediatamente procurar alterá-la e aperfeiçoá-la. Se tivermos maioria, vamos tentar mudar o Código Florestal. É um direito nosso e um direito da democracia.
Qual será a postura de um eventual governo do PV em relação ao Projeto de Lei sobre o acesso aos recursos genéticos e a repartição dos benefícios financeiros derivados de sua utilização enviado ao Congresso Nacional pelo Executivo? Como convencer os parlamentares – e a bancada ruralista em particular – a aprovar a adesão ao Protocolo de Nagoya, que trata dessas questões?
O PV não é um partido autoritário. Tudo dependerá da vitória do PV na eleição, da composição que o Congresso terá, mas a gente buscaria recuperar o terreno perdido. Teremos a COP (Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU) em outubro, e o Brasil, por não ter ratificado o Protocolo de Nagoya, não poderá interferir de forma plena, não exercerá seu peso de país com a maior biodiversidade do mundo. Isso é mais um sintoma de que o Brasil fala muito que quer ser verde, mas, na hora H, não quer ser o primeiro da fila. Prefere ficar no fim da fila para ver o que acontece. Essa posição do governo é um prejuízo para o Brasil.
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Água
Se o PV ganhar as eleições, como será a gestão das bacias hidrográficas e dos recursos hídricos em geral no Brasil?
Eu acabo de passar por Minas Gerais, onde conversei com um velho amigo, professor da UFMG, que trabalha em um projeto no Rio das Velhas, que é afluente do São Francisco. Ele me disse: “Eduardo, a unidade administrativa sintética mais eficiente para se ter essa qualidade de vida que vocês do PV vivem falando são as bacias hidrográficas”. De fato, elas são um fator de coesão administrativa. O planejamento dos estados deveria girar em torno de regiões divididas por bacias. A partir daí, o Estado, em conjunto com os municípios, poderia planejar de forma intersetorial todas as suas políticas públicas. O petróleo foi ouro líquido no Século XX, a água é o ouro líquido do Século XXI.
Essa questão das bacias, para nós do PV, deve ser uma forma de se reorganizar as regiões administrativas dos estados e aglutinar os municípios. A partir daí é feito o planejamento de como se ter água limpa, que é essencial para a agricultura, a indústria e a habitação, e planejar o saneamento básico, a coleta do lixo, as atividades agrícolas, os transportes. Para além daquele tripé econômico que você citou, poderíamos criar um tripé de desenvolvimento sustentável que é: clima equilibrado, riqueza da biodiversidade preservada para o futuro e água limpa. Esse seria o tripé sombra que iria acompanhar todas as atividades do governo do PV em nosso dia-a-dia.
O senhor é favorável à cobrança pelo uso da água?
Em oito anos como secretário de Meio Ambiente de São Paulo, discuti a necessidade de o Comitê da Bacia do Alto Tietê começar a tal da cobrança da água, que é importante porque você tem que fazer a gestão da água, assim como da eletricidade, pela demanda e pela oferta. Você tem que planejar uma demanda o mais equilibrada possível para não ser obrigado a crescer demais na oferta, que precisa de investimentos. Então, um elemento de gerenciamento de demanda é a cobrança da água. Uma cobrança justa, equilibrada, que não seja muito grande, mas que faça com que as pessoas nas casas, na agricultura e na indústria comecem a saber que aquilo ali tem valor, que precisa racionalizar, ser eficiente no uso da água.
Isso é uma coisa tão elementar, mas que não é feita em uma região como a Grande São Paulo, que hoje está sem água. Nessa região, passados dez anos, o governo estadual não conseguiu, junto com a sociedade civil, criar um elemento mínimo de gerenciamento de demanda como esse, que é começar uma cobrança pequenininha para mostrar as pessoas que a água tem valor e não pode ser desperdiçada.
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