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Izabella Teixeira: “Não queremos repetir meta de Copenhague”

Ministra diz que corte de emissão em relação à tendência já ocorreu com a queda do desmatamento, mas não entrega nova meta do Brasil para a COP-Paris.

Claudio Angelo ·
22 de junho de 2015 · 10 anos atrás

 

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Foto: Partido dos Trabalhadores
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Foto: Partido dos Trabalhadores

“Você acha mesmo que eu vou te dar a INDC do Brasil?”

Sem desfranzir o cenho, Izabella Teixeira vai deixando claro antes de a entrevista começar que não pretende falar muito sobre sua principal tarefa do ano – a construção da meta que o Brasil apresentará às Nações Unidas até outubro para a conferência do clima de Paris.

A ministra do Meio Ambiente está em processo de consulta a atores de dentro e de fora do governo para elaborar a chamada INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida), o aguardado conjunto de compromissos que o país deverá adotar para combater o aquecimento global e adaptar-se a ele nas próximas décadas.

O governo tem feito segredo sobre a INDC. Sabe-se apenas que não há pressa para apresentá-la, já que o prazo oficial dado pela Convenção do Clima das Nações Unidas é 1o de outubro. Anúncios importantes de medidas que poderão compor a meta brasileira deverão ser feitos em dois momentos: no próximo dia 30, quando Dilma Rousseff encontra-se com Barack Obama, em Washington, e em agosto, quando a presidente se reúne com a chanceler alemã, Angela Merkel.

Enquanto isso, Izabella segue em conversas com o setor privado e com outras autoridades do governo – em especial o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com quem disse ter-se encontrado quatro vezes para tratar do assunto. “Estou parecendo caixeiro-viajante”, conta.

Sobre o que a proposta brasileira poderá conter, a ministra dá três pistas. Primeiro, que ela não deverá ser feita nos mesmos moldes da meta apresentada pelo Brasil em 2009, na conferência de Copenhague. Na época, o Brasil fez o que se chama de “desvio de trajetória”, ou “desvio de BAU (business as usual)”. Trata-se de um cálculo pelo qual se estimou qual seria a emissão em 2020 na ausência de políticas de controle de emissões e se propôs um conjunto de ações para colocar a emissão abaixo dessa tendência imaginária.

A diplomacia brasileira tem defendido que desvios de trajetória possam ser adotados como meta por países em desenvolvimento no acordo de Paris. Isso foi feito por países que já apresentaram suas INDCs, como Etiópia e México. Para Izabella, porém, o Brasil não deverá seguir o exemplo mexicano. “O Brasil já fez o desvio de BAU, pelo menos nos setores mais importantes de emissão. Nós possivelmente não vamos fazer o que o México está fazendo”, disse ao OC. “Queremos mudar coisas.”

A segunda pista é que há uma intenção de computar a regeneração natural de florestas na Amazônia e a recomposição prevista pelo Código Florestal à INDC. “Poderemos ter uma meta para isso”, diz. “É o que o Ministério do Meio Ambiente quer na sua proposta.” Segundo ela, somente na Amazônia há 17 milhões de hectares de florestas secundárias crescendo e capturando carbono. Inserir essas florestas na meta internacional, raciocina o MMA, poderá ajudar a captar dinheiro para reduzir os custos do reflorestamento no Brasil – uma barreira alegada pelos produtores ao cumprimento do código.

A terceira pista, já delineada pelo Itamaraty, é que o país vai querer uma compensação pelo desmatamento reduzido até 2020, que a ministra chama de “a maior redução de emissões do planeta”. O “saldo” que o Brasil diz ter em redução de emissões até 2020, que ela chama de “green air”, poderia entrar na ambição brasileira para permitir que setores mais conservadores, como a indústria, ganhassem tempo antes de cortar emissões. “O tempo que vai ser dado para a indústria é o tempo para mudar, não para permanecer do mesmo jeito”, esclarece.

Leia a seguir a entrevista:

O governo tem dito que nossa INDC vai ser apresentada mais para o final do prazo, porque há um processo de consulta sendo feito pela sra. e há reuniões bilaterais importantes com Alemanha e Estados Unidos. Eu queria saber como está esse processo de consulta interno e se há data para a meta sair.

A data é outubro. É a data da Convenção. O Brasil está construindo os seus números, nós somos um país em desenvolvimento no âmbito da Convenção e temos uma política de mudanças do clima, gostando ou não gostando, que é a maior redução de emissões do planeta. Ponto. Isso é uma coisa que tem que acabar no Brasil, de achar que o Brasil não está fazendo redução de emissões. Nós estamos fazendo mais do que todos os países do mundo que têm obrigação de redução até 2020 pela Convenção. Agora, eu não vi nenhum país estrangeiro chegar aqui e colocar dinheiro, por exemplo, para financiar mobilidade urbana.

Então, o que tem de diferente em relação às consultas é que em 2009 elas foram mais circunscritas a alguns grupos. Hoje esse movimento do Brasil em relação a mudanças do clima provoca discussões em vários segmentos, não mais em um grupo circunscrito. Eu estou parecendo caixeiro-viajante, conversando com todo mundo.

E como esses setores têm se posicionado em relação à adoção de uma meta mais, menos ambiciosa, de desvio de curva, de intensidade?

Não há uma convergência. Tem gente que diz que o Brasil tem que fazer a transição o mais rápido possível, mas esse mais rápido possível também não é claro. O que é o mais rápido possível? É 2050? O que eu cravo em 2030 para chegar a 2050 de um jeito? E obviamente há uma complexidade quando você tira o desmatamento como carro-chefe. O que o Brasil fez? O Brasil fez a opção da rota, que é o que o México está fazendo agora, mudar o “business as usual” [cenário tendencial de emissões]. Mas, claramente, no que diz respeito ao desmatamento, não é mudança do business as usual. Você está rumando para eliminar o desmatamento ilegal. Para acabar com o desmatamento na Amazônia. E, com a mudança no Código Florestal, o que você fez? Você colocou efetivamente na agenda que todo mundo começou a enxergar que tinha que ter reserva legal, que tinha que ter APP etc.

É óbvio que o desmatamento dialoga com o fim do crime e com a proteção da floresta. Uma coisa é tirar o que é crime, outra coisa é, vou olhar a floresta. O que eu quero dessa floresta? Vou parar de pressioná-la mesmo naquilo que eu tenho direito e vou por outro lado restaurar parte da floresta. O Brasil vai dialogar com redução do desmatamento e com restauração. Vai ter que fazê-lo, quer pelo Código Florestal, quer pela oportunidade econômica, oportunidade tecnológica de trabalhar questão de carbono com resultados de curto prazo.

Isso é uma coisa interessante: a restauração não estava considerada nas Namas, as metas voluntárias de Copenhague, em 2009.

Agora entra, como um possível caminho a ser explorado pelo país. Agora, vamos assumir que, além [da redução] do desmatamento, nós estamos perseguindo também a recuperação e a restauração florestal. Então isso é a cara do MMA, é o que o MMA quer na sua proposta.

Poderemos ter uma meta para isso?

Poderemos ter uma meta para isso. Qual é a linha de base que eu assumo? O Código Florestal é o primeiro caminho, com métrica, com verificação. Qual é o tamanho desta conta de restauração e reflorestamento com a base legal que o Brasil já oferece? O que eu tenho? 10 milhões, 12 milhões, 15 milhões de hectares de passivo? Isso é captura de carbono. Naquilo que é APP é captura e fixação. Naquilo que é reserva legal com floresta plantada, é captura e rodízio, portanto fixação-rodízio, que também é previsto nas regras internacionais para contabilização de uso da terra e florestas. Quanto custa fazer isso no Brasil? Eu vou nos Estados e ouço custo de R$ 20 mil a R$ 25 mil por hectare. É óbvio que, se você define a ambição, a meta, as trajetórias tecnológicas que você terá que construir no Brasil têm como objetivo a redução de custo, o incremento de competitividade. Então, como a gente vai fazer regulamentações que permitam soluções win-win? Naquilo que for cota, dirigir para unidades de conservação, que podem ter interesse por regularização fundiária, e obviamente dirigir para quem tem em excesso, no CAR está dando que temos mais de 22 milhões de hectares em excesso em propriedades privadas sem nenhum regime de proteção. Como você faz com que proteja além da lei na sua propriedade? Negocia cota.

É óbvio que dizer que vamos ter restauração de 10 milhões de hectares, em dez anos não quer dizer que eu não possa conciliar também com o que está em regeneração espontânea na Amazônia [segundo dados compilados pelo programa] Terraclass. Tem 17 milhões de hectares em restauração na Amazônia. E medidos.

Mas isso entraria no nosso composto de meta?

Querido, está capturando carbono! São 17 milhões de hectares crescendo com florestas secundárias capturando carbono! Entendeu? Eu posso chegar no Brasil e dizer, o Brasil vai ter 30 milhões de hectares em recuperação, sendo tantos plantados e tantos em regeneração… eu estou mandando a turma fazer os modelos, como é o monitoramento e a verificação disso, que terras são essas. Mas não são florestas em estágio inicial, são florestas mesmo, tá capturando. Se você quer fazer isso, sinalizar, tem que ir lá medir monitorar, ver quanto captura, para poder afirmar efetivamente que aquilo ali em 20 anos consolidará uma floresta em estágio avançado.

Para você oferecer um compromisso formal internacional você tem que ter todas as salvaguardas. Porque o acordo de Paris é um acordo que pressupões obrigação para todos e verificação. Não pode achar que a gente vai jogar para a plateia. Eu tenho muito cuidado de que o Brasil possa oferecer o melhor caminho para ele, Brasil, e que isso seja uma contribuição expressiva globalmente. Mas não nos esquecendo também que o que nós estamos fazendo hoje em relação a desmatamento é a maior contribuição em redução de emissões do planeta. Como é que o mundo vai internalizar isso como um ativo do Brasil? Nós ganhamos com isso pós-2020? Eu entendo que temos de ganhar.

Isso é uma virada em relação à posição do Brasil no Acordo de Copenhague. Porque lá dissemos que não apenas não precisamos de dinheiro, como também que podemos pagar…

Não é a posição no Acordo de Copenhague. Em Copenhague ninguém estava tentando fazer um acordo global com obrigações para todos. Um acordo global com obrigações para todos é agora, em Paris. O Brasil continua um país em desenvolvimento. A diferença é que o Brasil foi cobrar efetivamente dos países desenvolvidos uma postura mais agressiva em relação aos seus compromissos no âmbito da convenção. Que não aconteceu. O Brasil voltou e assumiu sua política voluntária, mas nacionalmente vinculante. É fato! Então é óbvio que o que está em jogo é você ter uma palavrinha: reconhecimento. E qual é o impacto disso para o Brasil nos próximos anos. A outra palavrinha é credibilidade. Você não pode colocar nada que não seja exequível, implementável, lembrando que os compromissos são para depois de 2020 e haverá um novo governo. Tem que ser o mais robusto possível do ponto de vista da interlocução não governo, e obviamente tem que ser transparente, tem que saber por que é desse jeito e não de outro jeito. E tem escolhas a fazer.

Que escolhas?

Elas dizem respeito a outros dois setores que são fontes de emissão. Um é a agricultura e outro é a energia, que hoje são responsáveis pelas maiores emissões do Brasil. E, à medida em que você aumenta a população, a tendência é que você seja mais eficiente em plantar e produzir carne, evitando emissões associadas ao desmatamento, mas você tem também que ter eficiência na logística de transporte. Entra uma discussão que não é muito falada no Brasil, que é a infraestrutura de baixo carbono. A gente vê o boi, a palha etc., mas não vê a logística associada a isso. Isso está também em discussão, não é contabilizado na ambição brasileira, mas o Brasil, diferentemente de um país europeu, não tem sua infraestrutura toda implantada. E ninguém discute isso.

Como a gente chega em 2030?

É isso que eu estou tentando dizer para você. Estou dizendo que tem três carros-chefes: você quer que eu discuta geração de energia elétrica no Brasil com renovável, voltam as hidrelétricas para a mesa, então. É, ué: o Brasil vai ter que crescer, querido! Ou cresce para discutir como gente grande [bate na mesa], ou então vamos discutir o quê? Tenho um terço implantado e dois terços para implantação. O que eu vou levar para ser viável de implantação no país nos próximos anos. Eu, Izabella, prefiro discutir hidrelétrica a nuclear. Eu, pessoalmente. Nuclear, do ponto de vista do carbono, é uma beleza.

Foi até uma esperteza da declaração do G7: eles falaram de sair dos fósseis, mas não falaram em renováveis.

Do G7 e da China. Fica todo mundo soltando foguete, ah, porque a China, e o cara fala: “não-fóssil”. Ou seja: vai trocar carvão por nuclear. No fundo, são vários modelos, várias entradas. Por exemplo, o carro flex: eu terei um momento de entrada do carro flex para o carro híbrido ou o carro elétrico? Eu acho que sim. Em algum momento isso vai acontecer. Eu me lembro de uma época aqui neste ministério, nos anos 1990, que a gente discutia como fazer para o álcool ter mercado. Que a frota pública poderia ser a álcool. Aí veio o carro flex, temos a mistura. A discussão do álcool ficou ligada ao preço da gasolina depois. Aquelas anomalias que tem de conta álcool etc. foram outras circunstâncias. Estou falando de ter ou não ter. E, por conta do Proconve, um programa ambiental, tivemos a mistura do álcool na gasolina. Você tem que entender quais são as trajetórias e quais são os passos a serem dados.

Tenho ouvido coisas interessantérrimas que o próprio setor elétrico traz, como caminhos em que você aumenta a emissão, mas chega num patamar no qual o Brasil não estaria aumentando emissões globalmente. Agora, você tem atividade econômica e aumento de população em 2030 e imaginar que você não vai ter aumento de emissões por habitante? Tem. Agora, você muda o perfil desse aumento de emissões, de fóssil para renovável…

Ué, se é renovável, não tem emissão.

Tem. Claro que tem. Por que não? Biomassa não tem emissão?

Não, ela desconta do crescimento das plantas.

Não necessariamente. Tudo tem emissão. Biomassa, hidrelétrica. Não é na magnitude… mas tudo tem emissão. Mas diesel, combustível, tem emissão associada à mobilidade. E é tudo na conta do setor de energia. Quando a gente vê o número da energia, a gente tem que compreender o que é: uma coisa é a geração de base, outra coisa é o consumo da indústria, outra coisa é o que você ganha de eficiência energética… a gente roda um programa excelente de eficiência energética no Brasil, quanto isso faz diferença nas suas emissões. Eu mandei rodar esse modelo.

Então nós não estamos considerando uma meta absoluta para esse setor de energia.

Eu não posso dizer que estamos ou não estamos. Estamos explorando cenários. Quem me deu número absoluto? Qual país deu redução absoluta?

Todos os países desenvolvidos que botaram número na mesa: EUA, União Europeia…

Deu redução absoluta? Você tem certeza?

Sim, deu redução absoluta em relação a um ano-base.

Ah, o ano-base 2005! Por que não é 1990?

A União Europeia fez 1990. Eu não estou dizendo que as metas são boas, veja.

Tá bom. Qual é a redução de energia da União Europeia? Ela te deu o geral. Eu tenho os números. A União Europeia não fala que vai reduzir 40% na energia. Assim até eu, querido.

Deixe-me reformular a minha pergunta: o secretário Carlos Klink diz que possivelmente a nossa INDC não será mais uma meta de desvio de BAU (“business as usual”, ou trajetória).

Isso é uma ambição. Estamos vendo se é viável. O Brasil já fez o desvio de BAU, pelo menos nos setores mais importantes de emissão. Nós possivelmente não vamos fazer o que o México está fazendo. Eu posso chegar e dizer, o Brasil vai reduzir 20% de suas emissões globais em dez anos. Para quem reduziu já 36% a 38%… eu considero isso na minha conta? É adicional? É por setor? Eu capturo quanto? Eu reduzo aqui e capturo mais ou aumento e seguro no reflorestamento e o resultado líquido é esse? Isso tido depende dos modelos. Eu vejo vários cenários de gente de ONG, que a turma traz, eu ouço Deus e todo mundo. Primeiro teste: submeto isso a um cenário macroeconômico, se as variáveis macroeconômicas ficam de pé.

Mas as variáveis macroeconômicas das nossas Namas foram chutadas.

Por isso… é um aprendizado. Quer ver uma pergunta que eu estou fazendo há dois meses e ninguém me responde? Qual é o papel das prefeituras, dos prefeitos e das cidades nisso? O prefeito do Rio de Janeiro chamou algum debate sobre isso? O prefeito de São Paulo chamou algum debate sobre isso? Se eu imponho metas aqui, como é que isso rebate lá na ponta? Olhando 2030, 2050, se o Brasil vai ser um país 93% urbano, qual é o papel das cidades em mitigação e em adaptação? A sensação que eu tenho às vezes é que muita gente se acomodou com a história do desmatamento.

É inclusive o que a sociedade civil acha que é a posição do governo, que ele se acomodou nessa história do desmatamento.

O governo vai cumprir a meta da Política Nacional de Mudança do Clima. A meta vai ser cumprida. A sociedade civil é muito interessante: o Brasil fez uma política, virou lei, eu sou monitorada se cumpre, se não cumpre, e eu vou cumprir. Na ABC se coloca R$ 5 bilhões no crédito, não vou dizer se é suficiente ou se não é.

Não tem nem monitoramento ainda.

Aí o cara não faz, vai ser cobrado. Está sendo cobrado já. Tanto que o BNDES entrou com o Banco do Brasil para mudar o modelo. Então, é óbvio… aí você vai no PED (Plano Decenal de Energia) e tem os pressupostos de como fazer. Tira o ano de crise de energia, porque está faltando água. Você tem um pico. Você não mede ano, você mede período.

O PDE tem esse problema, não? Ele assume que o cenário tendencial é de 100% de fósseis na matriz.

E a premissa era de que você colocava muita hidrelétrica. Não se esqueça disso. E as hidrelétricas não estão acontecendo na magnitude que se esperava por conta de problemas socioambientais. Então vamos para a mesa. Eu prefiro viabilizar os problemas socioambientais. Porque a área ambiental combinou em algum momento que era fio d’água se não tem reservação e aumenta com térmicas quando tem a crise hídrica. São os trade-offs.

O secretário de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura, diz que não é viável tecnicamente fazer grandes reservatórios na Amazônia…

Não dá para fazer as novas, algumas do passado dava. Eu fui atrás disso. Eu não estou aqui defendendo A, B ou C. Sou obrigada a colocar algumas variáveis na mesa que têm trade-offs, e tem que ter um mínimo de governança para que seja tomada uma decisão. Eu concordo que tem uma zona de conforto em torno do desmatamento, já que 80% dos compromissos de redução estavam associados ao desmatamento.

A sra. disse que o Brasil apresentaria uma proposta de desmatamento líquido zero. Mas isso era a meta do Plano Nacional de Mudanças Climáticas de 2008 que era para estar pronta agora em 2015.

Não, senhor. Deixa eu explicar. O que é desmatamento líquido zero para você?

Desmatamento líquido zero é perda de floresta igualar o ganho. Mas isso não é necessariamente emissão líquida zero.

Aí! Primeira coisa é essa. Segundo. Se eu tenho lei no país que autoriza supressão de vegetação, tira a pressão econômica do malfeito. Vamos imaginar que a gente consiga ganhar em dez anos, sei lá, 60% da produtividade nas áreas de pastagem. Você vai diminuir a pressão. Mas, se você comprar uma terra em Tocantins, no cerrado amazônico, e resolver explorar, você vai explorar. E eu tenho expansão de fronteira agrícola, por mais que eu pessoalmente fique indignada. E você vai suprimir, tirar 65% daquilo ali. Isso eu terei que compensar? Não, né? Uma das teorias de desmatamento líquido zero é que eu teria de compensar mesmo do legal. Como faz isso? Eu terei que imobilizar. Se o cara tirou 65% eu vou na terra de alguém para colocar 65%. E aí os modelos não batem. Eu vou ter alguma emissão associada ao legal. Quanto é tolerável do legal? O que é novo, o que eu convenço o cara a suprimir menos para ser mais eficiente. Isso tudo custa dinheiro.

Isso é uma das premissas do ABC, que a expansão futura será em áreas já abertas de pastagens degradadas.

Aí você conversa com o setor produtivo e pergunta se isso é suficiente, e eles dizem não, nós vamos precisar de mais área.

Sim, mas é aí que entra o governo, né?

Mas vão precisar de mais área legal, não estou falando que é ilegal, não. Sempre que a gente olha o desmatamento, a gente vê do ponto de vista do ilegal. Mas existe uma discussão sobre o legal, expansão econômica e emissões que não tem nada a ver com o Código Florestal, regularização etc. Quando você crava uma tendência e uma estratégia, você vai ter que olhar esses caras. Pode ser que até 2030 a participação deles seja residual, e depois essa participação passa a ser mais expressiva naquilo que você contabiliza como zero.

Existe uma discussão sobre espaço de carbono? O Brasil está pronto para assumir um orçamento de carbono?

Não é uma coisa que o Brasil tradicionalmente recepciona, as cotas de carbono. Estou esperando o resultado da reunião de Bonn para ver isso. Tem que saber, mais do que o que foi escrito, aquilo que foi dito e não está escrito.

Qual é a nossa posição sobre emissão líquida zero em 2050?

É viável para os EUA e para os países desenvolvidos? Quero ver os números. É que nem você falar que vai ter pico de emissão ou falar que quer reduzir tal coisa em um setor e o resto não vale. Esses anos todos discutindo clima eu aprendi a querer ver os números.

A sra. disse que não vamos fazer como o México. Sobram duas opções… redução de intensidade de carbono ou metas absolutas. Ou um misto dos dois.

O desvio nós já fizemos. Nós queremos mudar coisas. São as rotas, as trajetórias tecnológicas. Todos os cenários estão na mesa. Todos. Tem intensidade para energia, eu já vi os números oficiais, que são contestados pelas empresas.

Outra coisa que estamos vendo é se os ganhos até 2020, a chamada política das early actions, nos permite ainda entrar na ambição brasileira e nos permitir, mesmo que num cenário mais conservador em algumas situações, como indústria. O tempo que vai ser dado para a indústria é o tempo para mudar, não para permanecer do mesmo jeito. Porque eu tenho um saldo a nosso favor, que eu chamo de “green air”.

Os governadores da Amazônia lançaram uma carta cobrando o governo federal pelo desmatamento que eles disseram ter reduzido sem receber compensações por isso.

Eu li a carta. A reivindicação é legítima, mas os Estados precisam ampliar seus esforços de fiscalização.

O que a presidente Dilma vai discutir com Barack Obama?

Está sendo construída uma declaração conjunta e clima é parte dela.

 

*Este artigo foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo.

 

 

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  • Claudio Angelo

    Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a ...

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