Reportagens

Barra Grande interditada

Moradores estão acampados nos acessos à floresta para impedir a derrubada de 4 mil hectares de Mata Atlântica por empresa que obteve licença fraudulenta.

Lorenzo Aldé ·
22 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Cerca de 400 pessoas estão acampadas em diferentes pontos dos municípios de Anita Garibaldi (SC) e Pinhal da Serra (RS), para impedir a destruição de mais de 4 mil hectares de Mata Atlântica.

Liderados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), eles protestam contra a forma irregular como a empresa Baesa obteve autorização para construir a Hidrelétrica de Barra Grande, localizada sobre o Rio Pelotas, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Em 1997, foi apresentado ao Ibama um estudo de impacto ambiental fraudulento, que se referia à região como uma área de capoeira. Na verdade, trata-se de um dos mais ricos remanescentes de Mata Atlântica do país, com floresta primária (2.077 hectares) ou secundária em avançada regeneração (2.258 hectares). Uma pegada de puma encontrada esta semana comprova a integridade da cadeia alimentar daquele ecossistema. No final de 2003, quando finalmente descobriu a fraude, o Ibama, em vez de embargar a obra, liberou-a em troca de um “ajustamento de conduta”. Que, obviamente, não toca no desmatamento.

O corte de árvores chegou a ser iniciado, mas em Assembléia no dia 18 de outubro, em Anita Garibaldi, 1.200 moradores dos municípios que serão afetados pela barragem decidiram bloquear os acessos à floresta. A mobilização começou na madrugada do dia 21 e conseguiu paralisar completamente a extração de madeira. Aproximadamente mil funcionários contratados pela empresa estão acampados no local, esperando que a situação se resolva para prosseguir com a derrubada. Se depender dos moradores, podem esperar sentados.

“Vamos permanecer na luta até conseguir sentar com o Governo Federal e a empresa”, diz Marco Antônio Trierveiler, coordenador nacional do MAB. Ele está convocando ambientalistas, professores universitários e estudantes para a região, para aumentar a resistência e promover um revezamento à frente dos sete pontos de corte: três em Anita Garibaldi e quatro em Pinhal da Serra. “O clima está tenso”, contou, por telefone. “Hoje de manhã a polícia conseguiu liberar o corte em uma área em Pinhal da Serra, ameaçando os agricultores de prisão. Mas eles reverteram mais tarde e fecharam de novo o acesso”.

Segundo André Sartori, da coordenação do MAB em Anita Garibaldi, o caso da barragem de Barra Grande é um símbolo de descaso com o meio ambiente e a população local. “Não podemos permitir que a fraude, que o fato consumado, se tornem regra nos licenciamentos ambientais do setor elétrico pelo país”, anunciou. Mais de 600 famílias ainda não receberam indenização nem garantia de reassentamento.

A Baesa divulgou nota afirmando que não aceita negociar enquanto os moradores continuarem impedindo o desmatamento da região. Já o coordenador-geral de Licenciamento do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior, compareceu à Assembléia do MAB e disse que se os dados verdadeiros da área a ser alagada tivessem sido
apresentados, talvez a licença não fosse concedida.

A bióloga Carolina Lemos, que esteve esta semana em uma das fazendas adquiridas pela Baesa, relata sua sensação de “tristeza e indignação” com a perda de recursos naturais que a obra ameaça promover. “Ficarão inundados maciços de Floresta de Araucária, Cedros, Açoita-cavalos (com mais de 2,5m de diâmetro), Canelas, Cabreúvas, etc. com mais de 100 anos de idade”. Sua equipe encontrou até rastros de puma na floresta, além de grande diversidade de aves. Uma cadeia ecológica íntegra e rara que será exterminada com a queda das árvores e a subida das águas.

Isto se o povo deixar.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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