Nesta sexta-feira, dia 17 de dezembro, às 11 horas da manhã, em solenidade marcada para acontecer no Palácio Rio Negro, em Manaus, o governador Eduardo Braga assina decreto criando o Mosaico de Unidades de Conservação do sul do Amazonas – uma área de 3,2 milhões de hectares que abrigará três Parques e uma Floresta Estadual, duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável e uma Reserva Extrativista. A cerimônia de assinatura põe fim a um processo que começou há mais de um ano e envolveu um bocado de planejamento, pesquisa e duas consultas públicas que aprovaram, com pouquíssimas restrições, a proposta feita pela secretaria de Meio Ambiente do estado.
Apesar de tanto cuidado prévio, a criação do Mosaico andou a perigo nas útimas semanas e quase provocou um confronto entre o governo amazonense e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ibama. Há um mês, com o apoio da ministra Marina Silva, o Ibama comunicou ao secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Virgilio Viana, que estava desengavetando os planos para a criação do Parque Nacional do Juruena – um colosso de mais de 3 milhões de hectares que não não dai do papel desde o governo passado, porque seu traçado contraria o interesse de mineradoras. Seria uma ótima notícia não fosse por alguns importantes detalhes. O Mosaico do governo amazonense evitou esses pontos polêmicos.
Na última hora, Brasília tentou correr. O Ministério do Meio Ambiente chegou a contatar na segunda-feira a WWF, Ong internacional que vem financiando projetos de criação de áreas de proteção no Brasil, pedindo-lhe que reservasse um dinheiro para bancar duas audiências públicas, que aconteceriam dia 28 de dezembro, para apresentar a proposta de criação do Juruena às comunidades da região. “Estamos prontos a ajudar”, dizia na quarta-feira Claudio Maretti, o homem que cuida de questões amazônicas na WWF e defensor da implantação do Parque do Juruena. “Mas não sei se vai dar certo. É pouco tempo para planejar uma audiência”.
Resumo da ópera: na pressa de ter algo importante para anunciar na área ambiental antes do final do ano, Ibama e MMA acabaram acelerando o Mosaico amazonense, para cuja criação até o decreto de governador já estava pronto. “No fim, prevaleceu o bom senso”, dizia quinta-feira à noite, no aeroporto de Brasília, enquanto aguardava o vôo de retorno a Manaus, o secretário do Meio Ambiente do Amazonas, Virgílio Viana. Trocando em miúdos, o pessoal do governo federal percebeu que era melhor acabar o ano com o Mosaico do sul do Amazonas criado, do que terminar sem nada. Mas deu trabalho convencê-los disso. O debate, que depois de um mês parecia não estar levando a lugar nenhum, tinha tudo para terminar em confronto. “O Amazonas tinha várias razões para brigar”, relata pesquisador que ajudou a fazer a análise técnica que fundamentou o decreto de criação do Mosaico.
De fato, as terras envolvidas na pendenga pertencem ao estado. Mas mais do que isso, o que o governo amazonense dispunha era de um trabalho bem feito. “Eles discutiram cada detalhe do projeto, fizeram estudos técnicos e de viabilidade muito bons e sobretudo costuraram muito bem a aprovação do decreto de criação”, conta Adalberto Veríssimo, do Imazon. Munição, portanto, Manaus até tinha. O que faltava era disposição para usá-la. “O governador Eduardo Braga sempre defendeu solução negociada”, diz Viana. Mas para que ela funcionasse, foi obrigado a meter-se nas tratativas e trazer a própria ministra do Meio Ambiente para a conversa.
Na quinta-feira, os dois tiveram reunião em Brasília onde, segundo um participante, Braga teve desempenho para ambientalista nenhum botar defeito. Disse que representava uma nova geração de líderes políticos da Amazônia, mencionando que dela fazia parte a própria ministra, que entende a necessidade de preservar o meio ambiente. Lembrou que o processo em torno da criação do Mosaico era prova disso. Ele foi longo não porque o governo queria empurrar a idéia com a barriga, mas porque queria fazer tudo bem feito – o levantamento técnico, a justificativa para a criação e as consultas públicas. Reiterou que estava tudo pronto, que o Brasil poderia terminar o ano com uma barreira de mato erigida para conter o desmatamento que, empurrado pela soja, alcançou o norte do Mato Grosso e ameaça varrer do mapa a imensa área de floresta que ainda sobra no sul do Amazonas.
Marina acabou convencida de que o plano do governo federal de criação do Parque do Juruena atrapalhava mais do que ajudava a resolver a questão. Na reunião com Braga, selou seu apoio definitivo à criação do Mosaico amazonense. “O resultado foi excelente”, comemorou Veríssimo, do Imazon. “Deixou-se de lado o confronto e consolidou-se a tese da colaboração entre Brasília e os estados da Amazônia na questão da conservação”. Marina perdeu a oportunidade de anunciar o Juruena, mas não saiu de mãos abanando. No dia 23, planeja receber em Brasília governadores da região e mais o de Mato Grosso e levá-los a uma reunião com Lula.
Nela, discutirão ações conjuntas de preservação ambiental na área. Ao final do encontro, Marina deve anunciar planos para criar um Parque Nacional no norte de Mato Grosso, em região que originalmente faria parte do Juruena. O resultado da conversa entre Marina e Braga foi comemorado entre os ambientalistas. Não que eles fossem contra o Juruena. Muito pelo contrário. Apenas são unânimes em afirmar que empurrado para o campo assim, aos 44 minutos do segundo tempo, o Parque Nacional acabaria atrapalhando, ao impedir que governos estaduais e governo federal façam propostas complementares de conservação para a região.
Quando assinar o decreto, Braga de certo modo estará fazendo história. Mostra que pelo menos sob seu comando o Amazonas presta atenção à preservação ambiental – mudança radical em relação a governos anteriores – e que está disposto a usar todas as armas que tem à mão para combater o desmatamento e a grilagem de terras. Foram esse dois componentes, mais do que a biodiversidade, que tornaram urgente para seu governo a criação do Mosaico no sul do estado. Antes de tudo, ele está sendo criado para disciplinar a ocupação do solo, impedindo a ação dos grileiros. Essa é por sinal uma tendência que está virando parte dos planos de governo de todos os estados da região. Fazendo isso, acabam também protegendo muita biodiversidade. A natureza aplaude e agradece.
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