Eles estão menos barbudos e politicamente corretos. Às vezes usam até gravata. Também já não defendem uma visão holística da vida. Ela foi substituída pelo pragmatismo. Os mais proeminentes trocaram o andar livre e descompromissado pela companhia de guarda-costas. Eles são os verdes no poder.
No último final de semana de janeiro os políticos da ecologia na Alemanha comemoraram 25 anos da fundação do seu Partido (hoje chamado “Bündnis90/Die Gruenen”) com um congresso na KulturBrauarei, uma antiga cervejaria que virou centro cultural em Berlin. Têm muito o que festejar.
Há seis anos dividem o governo federal com os sociais-democratas (SPD) de Gerhard Schroeder. Ocupam três ministérios: Relações Exteriores (Joschka Fischer, também vice-chanceler), Economia Agrícola, Alimentação e Proteção dos Consumidores (Renate Künast) e Meio Ambiente e Segurança de Reatores (Jürgen Trittin).
Além dos cargos, conseguiram aprovar um prazo para o abandono da energia atômica na geração elétrica do país, criaram uma das mais complexas e avançadas políticas de reciclagem do mundo e estabeleceram as bases legais que permitiram o surgimento de uma possante indústria de energia alternativa (solar e eólica).
Mas o congresso não tinha propósito de festa. Isso o convite já avisava: “Uma consulta aos Verdes sobre sua herança política, sua identidade hoje e sua visão do futuro”. Poder quase sempre adoça ideologias e há quem esteja, dentro do partido, preocupado com os desvios surgidos desde o lançamento de seu manifesto de fundação, “Por uma outra Europa“, na cidade de Karlsruhe em 12 de janeiro de 1980.
“Como iremos equilibrar a liberdade com a política governamental? Anti-estado é para nós uma tradição, assim como o radicalismo é aquilo que nos destingue”, pergunta logo um medalhão verde que faz parte do poder, o ministro do meio ambiente, Jürgen Trittin. É pura retórica. Sua afirmação pode ainda ter resquícios da velha ideologia do partido, mas tem muito de maketing. Jornalista de formação, ele é tido no meio político alemão como um dos marqueteiros do partido.
A estratégia do radicalismo meigo dos verdes tem funcionado. O vice-chanceler, Joschka Fischer, é disparado o político mais popular do país, com 74% de aprovação, quase 20% a mais que o chanceler Schroeder. Segundo a última pesquisa de opinião realizada pelo instituto TNS Infratest entre os dias 18 e 19 de janeiro e publicada na revista semanal Der Spiegel, entre nove áreas avaliadas, o trabalho do governo na proteção ao meio ambiente recebeu, de longe, o maior índice de satisfação (67%).
Isto talvez explique o crescimento surpreendente na preferência dos votos apresentado pelo Bündnis90/ Die Gruenen na mesma amostragem. Se a eleição para o parlamento federal (Bundestag) fosse hoje, os Verdes receberiam 12% dos votos. Quase 50% a mais do que na última eleição, em 2002, quando ganharam 8,6% do eleitorado. Atualmente, 55 das 601 cadeiras do Bundestag pertencem aos “Gruenen”, sendo 32 delas ocupadas por mulheres.
Aliás, é dessa maioria feminina que vem boa parte do pragmatismo que hoje comanda os rumos da legenda. “O movimento verde vai se internacionalizar e ganhar cada vez mais espaço no processo de Globalização. Este é o nosso objetivo”, diz a deputada federal Krista Sager. Claro que há consciência de que tal objetivo representa um enorme desafio. “Como manter a qualidade de vida do nosso sistema num cenário internacional de extrema concorrência?”, indaga ela.
E o Brasil é um dos exemplos citados na busca por uma resposta. “Apoiamos a entrada dos brasileiros na Organização Mundial do Comércio em troca de uma cooperação maior na área de biocombustíveis, mas sabemos que há problemas sociais gravíssimos vindos do modelo agrícola de culturas como a cana-de-açúcar”, exemplifica a ministra Renate Künast, com uma consciência ambiental que faz falta às nossas autoridades.
Nesse contexto, onde cabe a velha ideologia partidária, parte marcante da curta história do PV alemão? Em março de 1979, os mesmos ecologistas que fundariam o partido um ano depois reuniram 100 mil pessoas em Gorleben, no meio-norte do país, para protestar contra a instalação de um depósito de lixo nuclear no lugar.
A zeladoria dos princípios parece estar nas mãos da juventude. “Acreditamos na grande utopia, nas grandes mudanças, mas sem dúvida não temos representado ainda toda a mudança possível”, discursou Stephan Schilling, de 22 anos, uma das estrelas da nova geração verde. “Não apóio a permanência no poder a qualquer preço e nos últimos seis anos o Gruene Partei mudou demais”, acredita ele.
Segundo a juventude verde, o paradoxo do consumo é uma das lacunas deixadas pelos políticos de primeira linha. “Sem uma abordagem crítica do conceito de crescimento econômico é impossível atingir a sustentabilidade”, aponta a estudante de Ciência Ambiental da Universidade de Lunenburg, Anka Dobolaw, de 24 anos e filiada ao partido desde 2003. “Como informaremos as pessoas da necessidade da mudança se nós, do Partido Verde da Alemanha, não estamos discutindo isso”, pergunta Stephan.
No outro extremo da linha do tempo do partido, tem quem entre os verdes históricos apóie os questionamentos da turma mais nova. “Muitos fundadores, pessoas que tiveram um papel importante no passado, nem sequer foram convidadas para o congresso”, acusa Eva Quistorp, de 59 anos, ex-deputada da União Européia. Em curta entrevista ao jornal TAZ de Berlim, Eva diz que “só os proeminentes de hoje festejaram o congresso”, o que classifica como “no mínimo, uma falta de respeito”.
Independente da idade ou do papel histórico, durante os dois dias do evento ficaram nítidas as diferentes cores que compõem a ecologia partidária alemã. Entre um debate e outro, variando de acordo com o tema, protestos isolados, muitas vezes irônicos, surgiam da platéia. “Vejo o Partido Verde como o partido dos direitos do cidadão”, pronunciou o engravatado Winfried Kretschmann, deputado do estado de Baden-Württemberg, sul da Alemanha. “Este é o congresso dos verdes, não dos sociais-democratas”, gritou alguém na platéia em protesto.
Nessa encruzilhada política, dois caminhos se apresentam para os Verdes. Um é o da prática do governo, baseado mais em resultados e eficiência que em utopias e ideologias. O outro, o da revolução ecológica, onde o único compromisso é com a mudança. A escolha certamente influenciará o pleito nacional do ano que vem. E vice-versa.
* Mariano Senna da Costa é jornalista e editor-executivo da agência de notícias Ambiente Já. Atualmente vive na Alemanha, cursando mestrado em Mídia Digital na Universidade de Lübeck.
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