“Ah, sim, vamos falar das principais ilhas, não daquelas perdidas que estão lá quietinhas”, disse uma assessora da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, do Rio.
“Não! É justamente isso que eu quero saber. Quem é que cuida delas?”, insisti.
Esse diálogo fez parte da incrível saga em busca de informações sobre um patrimônio esquecido do Rio de Janeiro: as ilhas da Baía de Guanabara. Como num jogo de empurra-empurra, ninguém assumiu a responsabilidade pela fiscalização ambiental e conservação desses locais, especialmente os que não estão ocupados. Poucos sabem que dentro da segunda maior baía em extensão do Brasil (só perde para a Baía de Todos os Santos, em Salvador), dezenas de ilhas agonizam por causa da poluição e da falta de manejo.
Em um dos únicos estudos realizados sobre as ilhas da Baía de Guanabara, o geógrafo Elmo Amador expõe os números de seu desprestígio. Em 1500 estima-se que havia 101 ilhas na bacia da Guanabara (o que envolve as lacustres e as da entrada da baía). Hoje, restaram apenas 65. A principal causa do seu desaparecimento são os aterros que, desde o início do século XX, roubaram cerca de 13 km2 do espelho d’ água, segundo estudo da geógrafa Ana Lucia Britto. As obras extinguiram ecossistemas e alteraram significativamente padrões de circulação e sedimentação da baía. No fim da década de 40, em apenas uma intervenção, nove ilhas foram destruídas para formar a Ilha do Fundão e abrigar o maior complexo universitário federal do país, a UFRJ.
A poluição das águas da Baía é um problema à parte, o que tem afastado espécies que vivem na área mais rica em termos de nutrientes: o entorno das ilhas. De um modo geral, elas não apresentam grandes extensões de mata atlântica, mas a enorme quantidade de pedras é refúgio para aves migratórias. De acordo com a bióloga Norma Maciel, chefe do Serviço de Ecologia Aplicada da Feema, os pescadores estão entre os maiores responsáveis pela destruição dos ninhos. “Eles sobem nas pedras, quebram os ovos e espantam os pássaros”, alerta.
Além da abundância de aves no passado, Amador lembra que exemplares de pau-brasil e cedro eram comuns na região. As águas límpidas e a exuberância de peixes também ficam apenas nas histórias, como as da parisiense Adèle Toussaint-Samson, que descreveu o cenário fascinante da Baía de Guanabara quando visitou o Rio de Janeiro no século XIX. Em uma de suas observações, mencionou: “encantadoras ilhotas salpicam a baía, cujas bordas são carregadas de laranjeiras, de algodoeiros e de bananeiras, sempre verdes e carregados de frutos”. As árvores frutíferas e o bucolismo da região resistiram até o fim da década 50. Antigos moradores da Ilha do Governador lembram nostálgicos das paisagens dela e da Ilha d’ Água. “Ela vivia cheia de mangueiras e pássaros, mas isso tudo acabou quando a Petrobras instalou ali tanques de combustível e os visitantes pararam de freqüentá-la”, conta João Augusto, morador do bairro há mais de meio século.
Apesar disso, resquícios de natureza preservada ainda podem ser vistos em algumas ilhas. Como a Jurubaíba e a ilha de Itaoquinha, na opinião de Amador, e como a de Santa Cruz e a ilha Viana, para Dora Negreiros, pesquisadora do Instituto Baía de Guanabara. Não por acaso são os locais onde o acesso é mais restrito, pertencem a particulares ou são administradas pelas Forças Armadas. A Marinha, por exemplo, que possui instalações em pelo menos nove ilhas, executa planos de gestão ambiental e realiza auditorias a cada dois anos em todas as organizações militares. Faz parte de um trabalho preventivo da gerência de meio ambiente da Diretoria de Portos e Costas (DPC).
Curiosamente, as três ilhas exploradas turisticamente na Baía não podem ser consideradas exemplos de preservação. A Ilha de Boa Viagem, em Niterói, é gerenciada pela União dos Escoteiros do Brasil, mas não recebe qualquer tipo de ajuda para a manutenção das áreas verdes e limpeza do local. A Ilha Fiscal (foto) recebe visitantes que conhecem o famoso palácio do último baile do império. Entretanto, é pouco arborizada e completamente pavimentada. E nem a mais charmosa de todas, Paquetá, conserva as exuberantes paisagens descritas em A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, ou nos relatos do exílio de José Bonifácio, no século XIX. Longe disso. O odor de fezes de cavalos e a escuridão das águas decepcionam os turistas recém chegados ao bairro carioca, que já começa a abrigar favelas. Os que se arriscam num mergulho encontram garrafas plásticas, papéis, troncos de árvores e até sofás, restos de obras, pedaços de mesas e cadeiras. Trazidos pelas correntes, os objetos são recolhidos todas as manhãs pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). “Não adianta nada. Passam algumas horas e a sujeira aparece de novo”, reclama uma veranista.
A maior de todas, a do Governador (com 30km2 e cerca de 250 mil habitantes), e a Ilha de Itaoca (em São Gonçalo), já estão em estágios de degradação mais avançados, Apresentam problemas causados por lixões e ocupação desordenada do solo em áreas de morros, mangues e mananciais. Para lidar com esses problemas, as secretarias municipais de meio ambiente assumem a responsabilidade e dizem que desenvolvem planos de reflorestamento e mutirões de limpeza nas ilhas. E quem cuida das outras?
Estado, municípios e Ibama não parecem se entender. Apesar de todas as ilhas serem patrimônio da União, algumas foram cedidas a particulares ou ao estado do Rio, o que confunde ainda mais as ações de controle ambiental na região. A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Meio Ambiente foi pragmática: “Como as ilhas são da União, nem o município nem o estado (incluindo o Instituto Estadual de Florestas) têm obrigação de cuidar da segurança nem do meio ambiente desses locais. Se o fazem é porque querem”. A Secretaria do Patrimônio da União foi procurada, mas não atendeu aos pedidos de esclarecimentos. Sobrou para o Ibama, que rebateu dizendo que a responsabilidade é de todos: “Como as ilhas da Baía de Guanabara não pertencem a nenhum tipo de unidade de conservação, o instituto não atua diretamente na região. A menos que aconteça algum crime ambiental”.
Apesar de tantos problemas, Amador ainda acredita que a Baía tem um roteiro histórico, arqueológico e natural que deveria ser mais valorizado em termos turísticos. “Até mesmo a poluição poderia servir de elemento de observação para mais estudos”, sugere. Segundo Norma Maciel, a Feema elaborou há uns 15 anos um projeto de revitalização das ilhas que previa atividades de turismo sustentável, mas por falta de dinheiro ele nunca saiu do papel.
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