Obras rodoviárias aumentam o tráfego de veículos, as mortes de animais silvestres e os riscos às pessoas no Mato Grosso do Sul. Medidas podem ser tomadas antes e após as empreitadas para conter a perda de espécies e aquecer o turismo, uma das metas do governo estadual.
Criado em 1999, o Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundersul) movimentou R$ 4,75 bilhões apenas de 2015 a 2022. Do total, 25% são repassados aos 79 municípios estaduais, que os aplicam sobretudo em infraestrutura.
O Fundo prevê para este ano R$ 1,4 bilhão, sendo R$ 1 bilhão (72%) para implantar, asfaltar e reformar rodovias. R$ 16 milhões servirão a projetos, estudos e licenciamentos ambientais. Os valores vêm de impostos dos setores agropecuário e de combustíveis, concessões rodoviárias e do tesouro estadual.
Em obras, 1.500 km de estradas prometem manter acesso anual livre a zonas por vezes isoladas pelas cheias do Pantanal, como Nhecolândia, Paiaguás, Abobral e Nabileque, em Porto Murtinho, Miranda, Corumbá, Aquidauana, Rio Verde e Coxim. Isso deve beneficiar a agropecuária e o turismo.
Melhorias em vias federais e estaduais como 262, 158, 267 e 376 terão suporte federal para escoar a produção agrícola do Mato Grosso do Sul. O apoio financeiro foi acertado este mês entre os ministros dos Transportes, Renan Filho, do Planejamento, Simone Tebet, e o governador Eduardo Riedel.
Os prometidos R$ 984 milhões favorecerão inclusive a Rota Bioceânica. Ela parte da capital Campo Grande e se conecta à BR-267 até Porto Murtinho, na fronteira com o Paraguai. A previsão é de que a via irá baratear exportações de commodities a mercados na Ásia e Estados Unidos.
Todavia, os recursos que facilitarão o transporte de cargas e passageiros podem ameaçar populações de variadas espécies e a vida de pessoas em veículos que colidem com grandes animais silvestres, como antas, capivaras, onças e tamanduás, e também de criação, como bois e cavalos.
Biodiversidade marginal
Análises de entidades civis e estudos científicos apontam que a rica biodiversidade regional merece maior atenção nos planos, licenciamentos e investimentos para ampliação da infraestrutura estadual de transportes.
Conforme o Instituto do Homem Pantaneiro, em 2021 por volta de 20 mil animais foram mortos por veículos nos 420 km da BR-262 entre Corumbá e Campo Grande. Apenas num dia de janeiro deste ano, 10 animais de sete espécies foram atropelados na via. Nos 200 km da BR-262 entre Corumbá e Miranda, 17 onças-pintadas morreram de 2016 a 2023.
Já o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) estimou que mais de 10 mil animais silvestres foram vítimas de colisões com veículos, entre 2017 e 2020. A análise pesou trechos das BRs 262 e 267 e das MSs 040 e 338 somando 1.100 km. Elas representam 14% da malha rodoviária estadual.
“O Mato Grosso do Sul ainda tem uma biodiversidade muito grande, mas as rodovias no estado se tornaram um sumidouro de espécies”, destaca Yuri Ribeiro, engenheiro florestal e pesquisador do Icas.
Outras vias no estado arriscam a vida selvagem. Uma delas é a MS-178, que cruza o polo turístico de Bonito. O município é vizinho do Pantanal e do Parque Nacional da Serra da Bodoquena.
Conforme as fontes ouvidas pela reportagem, as colisões ameaçam sobretudo animais em rota de extinção, como o tamanduá-bandeira. O Icas estima que 44 desses animais morrem anualmente por trombadas veiculares a cada 100 km de rodovias no Mato Grosso do Sul.
Um estudo publicado em setembro do ano passado na revista Perspectives in Ecology and Conservation revela que 20% das populações do tamanduá-bandeira próximas a rodovias são eliminadas todo ano. Ou seja, a taxa de sobrevivência desses grupos é inferior à daqueles fora dessas áreas.
Poupando vidas
Os atropelamentos são uma das grandes causas do extermínio de espécies no país, ao lado do desmate e urbanização, avanço do agronegócio, queimadas, caça e tráfico. Mas, vidas humanas também estão em risco, além de prejuízos financeiros para empresas, motoristas e governos.
Conforme dados da Polícia Rodoviária Federal compilados pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas), 614 colisões com animais causaram ferimentos e mortes de pessoas em todo o estado do Mato Grosso do Sul, entre 2007 e 2019.
Uma pesquisa veiculada em janeiro de 2021 na revista Biological Conservation descreve que quatro em cada 10 animais vítimas de colisões têm grande porte e trazem perigo às pessoas. Além disso, o custo médio por acidente foi estimado entre R$ 4.500 e R$ 12.500, em valores atualizados.
O trabalho reforça que proteger animais em rodovias aumenta a segurança no trânsito e economiza recursos públicos e privados. “Mitigar colisões se paga com o tempo. É sempre melhor se antecipar aos prejuízos”, destaca Yuri Ribeiro, pesquisador do Icas.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) afirma que desde 2013 instala redutores de velocidade, sinalização, cercas condutoras e passagens superiores de fauna nos 290 Km da BR-262 entre Corumbá e Anastácio, no Pantanal.
“Desde 2018, a autarquia também realiza o monitoramento da fauna nas obras de implantação e pavimentação [em trechos no Mato Grosso do Sul] da BR-419. O DNIT monitora 1.472 dispositivos de travessia de fauna no Brasil”, destacou a autarquia federal, por email.
A Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul) informou que monitora atropelamentos de fauna para identificar as principais passagens de animais e propor medidas preventivas e de mitigação de acidentes nas rodovias BR-359, MS 040, 178 e 382.
Em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), o trabalho visa “a redução das mortes de animais por atropelamento nas rodovias de Mato Grosso do Sul, garantindo também a segurança das pessoas que trafegam pelas rodovias”, destacou o órgão, por WhatsApp.
Através da Lei de Acesso À informação (LAI), a Agesul pontuou que medidas para reduzir colisões com fauna foram adotadas em trechos das rodovias estaduais MS-345 e MS-178, em Bonito. O órgão acrescentou que tais ações cabem às empresas contratadas para implantar e pavimentar as rodovias.
Para tentar conter as perdas de biodiversidade, Icas e governo estadual lançaram um manual com medidas para reduzir colisões veiculares com animais, como monitorar acidentes, reduzir a velocidade em trechos críticos, implantar cercas, passagens subterrâneas e aéreas para espécies.
A publicação integrava ações do Estrada Viva, projeto lançado em 2021 por Eduardo Riedel quando ocupava o cargo de Secretário de Estado de Infraestrutura. A iniciativa prevê um programa para monitorar e evitar atropelamentos de animais nas estradas estaduais.
Todavia, falta maior amparo legal para que tais ações sejam uma regra e não uma exceção em obras rodoviárias. As legislações estadual e federal não determinam claramente a adoção de medidas para proteger a fauna nesses empreendimentos.
“Não somos contra a implantação de infraestrutura, mas ela tem que atender também à preservação da biodiversidade. Isso não pode mais ser encarado como um entrave, atraso ou desperdício de recursos”, ressalta Ribeiro, do Icas.
Coordenador do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) na Universidade Federal de Lavras (UFLA), Alex Bager conta que é possível proteger animais mesmo antes de rodovias serem entregues. Tudo graças a tecnologias como a da Inteligência Artificial.
“Esse tipo de modelagem permite adotar ações para conter atropelamentos apontando com grande precisão as áreas de maior risco para a fauna em rodovias planejadas, em obras ou implantadas”, explica o doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O especialista descreve que a ferramenta ajudou a zerar as colisões com animais silvestres em 100 km concedidos de rodovias paulistas. “A redução foi de 100% em apenas 4 meses. Hoje, não precisamos mais esperar grandes monitoramentos para tomar decisões com assertividade”, arremata Bager.
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Ai, Governador do Mato Grosso e seus secretários. Mexam-se, para mitigar esta situação.
Basta tanta omissão criminosa.
Tenham ombridade e bom caratismo. Ou os srs., se encaixam na categoria da gentalha politiqueira bagaceira.