Reportagens

Fotos de observadores de aves ajudam a revelar rotas migratórias de andorinhas raras no Brasil

Com ajuda de geolocalizadores e fotos de observadores de aves, a ciência está conseguindo mapear, pela 1ª vez, a rota de migração e o destino de invernada da andorinha-do-caribe e andorinha-cubana

Duda Menegassi ·
4 de fevereiro de 2022 · 2 anos atrás

Andorinhas são aves fantásticas capazes de realizar longas migrações pelo planeta. Existem mais de 80 espécies, cada uma com suas particularidades e suas rotas de deslocamento pelo globo. O trajeto das andorinhas vai do ponto de reprodução ao ponto de invernada, local para o qual as aves vão justamente para fugir do inverno e buscar condições mais amenas. Nem todos os caminhos das andorinhas são conhecidos pela ciência. Ainda. Novas pesquisas e registros de observadores de aves estão ajudando a montar o quebra-cabeça migratório de duas espécies raras e misteriosas de andorinhas que reproduzem na América Central sobre as quais não se conhecia o local de invernada. A descoberta: elas vêm para o Brasil, mais especificamente, para áreas de transição entre o Cerrado e a Caatinga.

As duas espécies em questão são a andorinha-do-caribe (Progne dominicensis), que passa os verões em diferentes ilhas do Caribe, com exceção de Cuba; e a andorinha-cubana (Progne cryptoleuca), que como o nome já diz, é originária de Cuba. 

Há ainda uma terceira andorinha, parente próxima das duas anteriores, sobre a qual não se sabe o local de invernada (e que permanece uma incógnita): a andorinha-de-sinaloa (Progne sinaloae), de Sinaloa, no oeste do México.

“Até 2017, para nenhuma delas se sabia a área de invernada. Se sabia apenas que elas reproduziam nesses lugares, mas elas migravam e sumiam no inverno. Presumivelmente iam para América do Sul, mas ninguém sabia para onde”, lembra o ornitólogo Vitor Piacentini, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em conversa com ((o))eco.

O jogo mudou com uma ajudinha tecnológica: os geolocalizadores. Esses dispositivos, pequenos e leves – para não atrapalhar o animal –, são amarrados nas costas das aves e com base na claridade no nascer e pôr do sol, conseguem estimar de maneira rude a latitude e longitude da ave. Para acessar os dados, é necessário reencontrar o indivíduo que levou o geolocalizador, às vezes um ano ou dois depois, para tirar o aparelho e, aí sim, baixar as informações no computador. Isso faz com que esse dispositivo só seja eficaz no caso de animais fiéis aos seus sítios de reprodução (caso das andorinhas), o que permite o reencontro para obtenção dos dados.

“A partir da aplicação dessa metodologia foi possível determinar uma rota geral de invernagem tanto da andorinha-do-caribe quanto da andorinha-cubana. E, curiosamente, descobriu-se que elas não invernavam no meio da Amazônia, num lugar ermo que ninguém tinha estudado ainda. O que se descobriu com essa tecnologia foi que elas invernam, a grosso modo, numa área no oeste da Bahia, numa área de transição entre o Cerrado e a Caatinga”, explica Vitor.

As pesquisas que desvendaram, através dos geolocalizadores, o local estimado da invernada da andorinha-do-caribe e da andorinha-cubana, foram publicadas em artigos científicos em 2017 e em julho de 2021, respectivamente. 

Com essa informação em mãos sobre o destino das andorinhas, os pesquisadores se debruçaram sobre registros fotográficos de andorinhas feitas pela região no WikiAves, plataforma colaborativa que reúne milhares de observadores de aves e onde eles compartilham seus registros da avifauna. 

A busca rendeu um primeiro achado em março de 2021, quando Vitor identificou uma andorinha-do-caribe “perdida, no meio das andorinhas-azuis” – como ele mesmo conta – no noroeste de Minas Gerais, numa área de mata seca, justamente na transição entre Cerrado e Caatinga. Os registros foram feitos pelo ornitólogo Wagner Nogueira, de Minas Gerais, e pelos observadores de aves Fernanda Fernandes e Eric Vieira, em novembro de 2019. “Esses foram os primeiros registros com localização exata em que você podia associar a espécie [andorinha-do-caribe] a um local e uma data na área de invernada dela”, comenta o ornitólogo.

Pouco tempo depois, uma nova identificação da andorinha-do-caribe em solo brasileiro, desta vez mais distante, feita por um observador do WikiAves em Roraima. “Que seria durante o período de deslocamento da espécie e ampliando também a distribuição dela”, explica Vitor Piacentini.

Até então, entretanto, a andorinha-cubana seguia oculta dos registros, até que, em janeiro deste ano, no interior do Piauí, novas imagens trouxeram à tona aquele que pode ser o primeiro registro oficial da espécie em solo brasileiro. A descoberta ocorreu ao acaso, quando o observador de aves Eudes Feitosa, morador do município Patos do Piauí, saiu com sua câmera num final de semana, no começo de janeiro. “Eu fui ao Cajueiro, por volta do meio-dia, e me deparei com aquela cena de muitas andorinhas. Então eu fiz a foto, para conseguir descobrir que espécie era aquela. Achei que podia ser uma andorinha-grande, mas não era, então coloquei no WikiAves e um ornitólogo me ajudou com a identificação das espécies e que se tratavam da andorinha-do-caribe e andorinha-cubana”, conta Eudes, que observa aves há três anos.

A foto potencialmente inédita do grupo de andorinhas-cubanas em sua invernada no Piauí. Foto: Eudes Feitosa

A confirmação de que se trata de uma andorinha-cubana, entretanto, não é tão simples, explica o ornitólogo Vitor Piacentini. Isso porque os machos da espécie cubana são indistinguíveis dos machos de andorinha-azul (Progne subis). O pesquisador explica, inclusive, que muito provavelmente há múltiplos registros identificados como andorinha-azul nessa zona de transição entre Cerrado e Caatinga em que, na verdade, se tratam de andorinhas-cubanas. “Como os machos são indistinguíveis, ninguém tinha prestado atenção”, destaca. 

“Na verdade, o que o nosso conhecimento agora sugere é que a gente precisa revisar todos os registros para essa área de transição de Caatinga e Cerrado. E por foto provavelmente a gente não vai conseguir identificar. O que vamos precisar é registrar as fêmeas, como parece ser o caso da foto do Eudes, onde você tem uma andorinha completamente escura, toda azul, com alguns resquícios de branco na plumagem que sugere que seja a andorinha-cubana, e as fêmeas e jovem do lado também aparentam ser da andorinha-cubana. O grande problema é que todas essas espécies migratórias podem invernar e fazer bandos mistos. Então existe uma possibilidade de que as fêmeas e jovem da foto do Eudes, na verdade, fossem da andorinha-do-caribe”, explica Vitor. 

De acordo com as pesquisas feitas com geolocalizadores com ambas as andorinhas, as áreas de invernadas das duas se sobrepõem. “De certa forma é esperado, as duas são vizinhas, substitutas geográficas lá no Caribe e invernam numa área conjunta, talvez com indivíduos da andorinha-azul e talvez até com indivíduos da andorinha-de-sinaloa”, especula o ornitólogo. “Ou a gente consegue obter amostras genéticas para esclarecer ou a gente vai ter uma grande confusão”, completa.

O habitat brasileiro das andorinhas

Além de monitorar os locais dos registros atuais, em Minas Gerais e no Piauí, a prioridade de pesquisa agora, explica o ornitólogo, é fazer novos registros dessas espécies em outras localidades do Brasil que ajudem a refinar o conhecimento sobre a área de invernada e as suas rotas de migração. Esse acúmulo de registros irá permitir entender quais são os aspectos ambientais, de habitat e características específicas que atraem essas andorinhas e, ao longo do tempo, permitirá ter dados de período de chegada e partida das espécies pelo Brasil, ou mesmo entender se elas ficam todo o período de invernada no mesmo ponto ou deslocam-se por vários locais.

As descobertas até agora sobre a área de invernada da andorinha-do-caribe e a andorinha-cubana indicam que as espécies têm uma preferência por áreas de Caatinga, perto da transição com o Cerrado. A escolha por esse ambiente nessa época do ano não é à toa. É de janeiro a maio que concentra-se o período chuvoso no semiárido brasileiro, ou seja, é o momento em que a maioria das plantas está em fase reprodutiva, o que representa o auge da disponibilidade de flores e frutos e, consequentemente, de insetos – o alimento preferido das andorinhas. 

Nas suas respectivas áreas de reprodução pelo Caribe, as duas andorinhas frequentam áreas urbanas e construções, o que pode render alguns conflitos com a população local, já que grandes bandos reunidos em um dormitório naturalmente deixam grandes quantidades de cocô, por exemplo, o que pode ser um incômodo aos moradores. 

Uma andorinha-do-caribe na fiação, em Patos do Piauí. Foto: Eudes Feitosa

O município de Patos do Piauí fica no leste do estado, próximo à fronteira com Pernambuco, deu um bom exemplo nesse sentido. No registro feito por Eudes Feitosa, as andorinhas estavam próximas a uma quadra poliesportiva, no meio da comunidade de Cajueiros. Cerca de duas semanas após as fotos feitas por Eudes ganharem repercussão pelo potencial registro inédito, a prefeitura publicou uma nota em que informa que: para não interferir na passagem das espécies pela cidade, a Quadra Poliesportiva do Cajueiro, onde as aves estão hospedadas, ficará fechada e sem a utilização dos refletores nesse período. A Prefeitura sensibiliza ainda a população local para que colabore com essa causa ambiental e que aproveite/registre a presença ilustre dessas aves na cidade”.

O ornitólogo Vitor Piacentini destaca ainda que a presença das andorinhas traz um potencial turístico para o município piauiense. “Elas rendem um espetáculo lindo de voo antes de se recolherem no início da noite e as grandes revoadas podem atrair observadores de aves. Esse ponto no Piauí pode se tornar um destino de observação, já que é um lugar fácil de avistá-las”, avalia.

Ele explica ainda que não é necessária nenhuma grande medida de proteção que já não seja aplicável a qualquer outro dormitório de andorinhas do Brasil, sejam das nossas espécies residentes ou de espécies migratórias. “Basicamente é respeitar o ponto de dormitório dessas espécies e não interferir, não soltar fogos de artifício, não querer espantar”. 

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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