Duas das maiores compradoras de commodities agrícolas do mundo, a JBS e a McDonald’s, defenderam nesta quarta-feira (7) em São Paulo a decisão do governo federal de abrir para consulta pública os dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural). Segundo representantes de ambas as empresas, a transparência é inevitável por ser exigência dos consumidores, e será positiva.
“A transparência radical é chave”, afirmou Márcio Nappo, da diretoria de Sustentabilidade da JBS (Friboi), durante um seminário do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, na capital paulista. “Não é porque a JBS quer ou a sociedade civil quer, mas porque o consumidor quer.” Ele disse que a empresa já mantém um sistema de monitoramento por satélite de mais de 40.000 propriedades rurais na Amazônia que fornecem carne para a Friboi, em mais de 400 municípios. “É inevitável mais transparência. O CAR evoluir como evoluiu foi fundamental.”
Leonardo Lima, do McDonald’s, afirmou que a transparência nas cadeias de fornecimento já é uma realidade no mundo empresarial e que tende a se disseminar também no setor público. “Quanto mais avançar, melhor.” As duas empresas já haviam se comprometido a eliminar o desmatamento de suas cadeias produtivas.
Nappo e Lima falaram durante um seminário do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, uma coalizão formada por pecuaristas, empresas compradoras de carne, pesquisadores e ambientalistas. Durante o evento foram apresentados dados de um estudo do Imaflora (Instituto de Manejo Florestal e Certificação Agrícola), que analisou as emissões de carbono em propriedades inscritas no Novo Campo, programa do ICV (Instituto Centro de Vida), voltado à intensificação da pecuária. O estudo mostrou que a produção de carne cresceu 85% e as emissões por hectare caíram 25% com a recuperação de pastagens e a implantação de sistemas de manejo eficientes nas fazendas. Neste ano, o McDonald’s anunciou a decisão de comprar carne de propriedades participantes do programa.
Nos últimos dias, a transparência do CAR tornou-se objeto de uma investida da bancada ruralista e de entidades do agronegócio contra o Ministério do Meio Ambiente. Os ruralistas, que já haviam pedido a cabeça de Sarney e da presidente do Ibama, Suely Araújo, consideram tratar-se de violação de privacidade.
O presidente da Aprosoja, Marcos da Rosa, comparou a abertura do cadastro das propriedades rurais a deixar qualquer pessoa “olhar a sua casa e ver onde sua filha dorme”. O coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, Marcos Montes (PSD-MG), disse que o ministro José Sarney Filho (PV-MA) estava assinando a própria demissão com a consulta pública do CAR. O presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), João Martins, disse que a entidade processaria Sarney, pois a decisão é “ilegal” e ameaça a “segurança” do agronegócio, ao dar “aos concorrentes nossa produção e potencialidade”.
A abertura dos dados do CAR numa plataforma de acesso público foi anunciada no dia 28, mesma data em que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) anunciou a alta de 29% no desmatamento da Amazônia em 2016.
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A abertura dos dados do CAR numa plataforma de acesso público foi anunciada no dia 28, mesma data em que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) anunciou a alta de 29% no desmatamento da Amazônia em 2016. Ela é uma tentativa do governo de refrear a taxa de devastação, atribuída por Sarney, entre outras coisas, à alteração do Código Florestal pela bancada ruralista, em 2012.
O código deu uma série de anistias a desmatamentos e reduziu pela metade a área de florestas que precisaria ser recuperada em imóveis rurais. Por outro lado, criou a figura do cadastro ambiental, que deveria ser nacional e servir para monitorar o cumprimento da lei. O CAR é uma espécie de “carteira de identidade” da propriedade, onde o proprietário declara quanta vegetação nativa ele tem em forma de reserva legal e áreas de preservação permanente. Por meio de imagens de satélite, é possível verificar se ele desmatou além do que podia ou se, ao contrário, está recuperando florestas.
Por meio da plataforma pública do CAR, qualquer cidadão pode ter acesso às imagens de satélite de mais de 3 milhões de imóveis no país inteiro e saber qual é o status desses imóveis em relação ao desmatamento. O CPF do proprietário e a matrícula do imóvel ainda não estão disponíveis na base pública – o MMA diz que aguarda parecer da Advocacia-Geral da União para liberar os dados –, mas já estão disponíveis para o Ibama e os Estados, que em tese podem multar desmatamento ilegal hoje só olhando as imagens de satélite, sem precisar mandar fiscais a campo.
Os Estados têm adotado posições divergentes sobre a transparência. O Pará já tem uma base pública do CAR com CPF dos proprietários. Em São Paulo, por outro lado, a Secretaria do Meio Ambiente – encabeçada por um ex-diretor da Sociedade Rural Brasileira – deu um parecer contrário à abertura dos dados.
A bancada ruralista e a CNA apontam violação de informações estratégicas no CAR. Nappo, da JBS, disse que o argumento não se justifica, já que os dados pessoais dos proprietários e de produção das fazendas não estão disponíveis. “A base cartográfica não feriria [a privacidade]”, afirmou.
Tanto a Friboi quanto o McDonald’s têm boas razões comerciais para defender o CAR. A JBS é a maior empresa de carne bovina do planeta e maior exportadora, e no passado foi denunciada por desmatamento ilegal em sua cadeia produtiva. O McDonald’s foi alvo de uma campanha do Greenpeace de 2006, quando a ONG descobriu que a soja produzida pelo desmatamento na Amazônia ia parar na ração dos frangos dos Chicken McNuggets. A campanha deu origem, no mesmo ano, à moratória da soja, pela qual a indústria se comprometeu a não comprar soja vinda de novos desmatamentos na floresta.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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