Foi publicada nesta segunda-feira (04), no Diário Oficial do Estado do Pará, a Lei N° 9.048, que institui a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas do Pará (PEMC/PA). Dentre os princípios estabelecidos pela nova legislação estão o acesso às informações ambientais, a fiscalização da qualidade ambiental e do uso sustentável dos recursos naturais, a educação ambiental, o princípio do poluidor-pagador assim como do protetor-recebedor. As medidas tem como objetivo principal mitigar os impactos das mudanças climáticas. Entretanto, a lei não estabelece ainda nenhuma meta efetiva a ser cumprida pelo estado para diminuir suas emissões de gases de efeito estufa.
De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), elaborado pelo Observatório do Clima, o Pará é a federação líder no Brasil em emissões de gases de efeito estufa. Em 2018, o estado foi responsável pela emissão de um total bruto de 259.740.058 MtCO2e (milhão de toneladas de CO2 equivalente), o equivalente à 13,4% do total de emissões do país.
A principal fonte de emissões de carbono no Pará são por “mudança de uso de terra e florestas”, o que corresponde majoritariamente a desmatamento. Cerca de 80% dos gases emitidos no estado são desmatamento, seguido por agropecuária (15%) e energia (4%).
De acordo com a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto Do Homem E Meio Ambiente Da Amazônia (Imazon), a tentativa de aprovar a política estadual já durava 11 anos. “É uma vitória ter saído essa lei, mas existem duas lacunas muito importantes nesse texto. Uma delas é que a lei não traz metas, não traz compromissos concretos; a outra é que a lei não traz uma estrutura de governança robusta para tratar do tema e não menciona, por exemplo, a SEDEME [Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia] nem a SEDAP [Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca] que seriam talvez os principais atores já que as emissões no Pará são muito associadas à desmatamento, que está vinculado à agropecuária”, diz a pesquisadora.
A lei cria a Diretoria de Bioeconomia, Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais, diretamente subordinada à Secretaria Adjunta de Recursos Hídricos e Clima. “Apesar do tema estar a princípio dentro da Secretaria de Meio Ambiente, ela vai ser coordenado pela secretaria adjunta, então acaba ficando muito segundo, terceiro escalão do governo uma responsabilidade que mereceria um nível de transversalidade grande, para fazer esse diálogo com as outras secretarias”, critica.
Em entrevista a ((o))eco, o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), Mauro O’de Almeida, prometeu que as metas para redução de emissões serão discutidas futuramente com a participação da sociedade e regulamentadas em decreto.
Segundo o secretário, a nova lei dá a base e fortalece outras regulamentações que o estado já estava promovendo como o Fórum Paraense de Mudanças e Adaptação Climática, o Territórios Sustentáveis, o Programa Regulariza Pará [de regularização ambiental e fundiária], o Amazônia Agora e a Força Estadual de Combate ao Desmatamento.
“Acho que no meio desse momento de tanta adversidade, temos que festejar uma lei que traz uma política de mudança do clima, a gente tem que manter a agenda ambiental viva nesse momento de atribulação. É uma lei equilibrada, que tenta contemplar todos os atores, as comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, impulsionar desenvolvimento, economia, inovação, ensino, educação ambiental. Acho que tem muitos elementos positivos na nova legislação”, resume Mauro O’de Almeida.
Brenda Brito, do Imazon, reforça que apesar de conter essas lacunas, o estabelecimento da Política Estadual sobre Mudanças Climáticas é um passo importante pro Pará e afirma que a norma possui pontos interessantes, como o reconhecimento do SEEG como substituto do inventário de gases de efeito estufa enquanto este não é desenvolvido e ter princípios que incluem a participação de indígenas, quilombolas e povos tradicionais.
“A expectativa agora é sobre esse decreto e como será a elaboração dessas metas, se elas serão disponibilizadas e ficarão abertas para discussão para de fato ter a participação ampla da sociedade. Nós temos pouca transparência na Assembleia Legislativa do Pará e seria importante ter uma consulta pública sobre o tema”, analisa Brenda.
No mesmo ato de criação da lei, foi criado o Comitê Gestor do Sistema Estadual sobre Mudanças Climáticas. Assim como as metas, a composição do grupo ainda será definida por decreto. “Imagino que vai entrar algum representante da SEDAP ou da SEDEME nesse comitê, porque acho que ficou muito secundária a participação desses órgãos que deveriam estar no coração da implementação de uma lei como essa para gente conseguir fazer a mitigação de emissões aqui no estado”, acrescenta Brenda. “Não é um tema ambiental somente, é um tema que trata de economia, de adaptação, de mudança do modelo produtivo do estado, deixá-lo fechado ao órgão ambiental, como ficou tantos anos sem um avanço significativo, pode ser uma limitação da efetividade dessa lei num momento que a gente tanta precisa dela por causa do aumento do desmatamento”, completa.
Desmatamento é o principal vilão
O coordenador de comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, lembra que a questão não é apenas estadual. “O Pará é o principal emissor do país por conta de desmatamento principalmente, então existe uma governança limitada do estado sobre suas próprias emissões, porque muita coisa depende do órgão fiscalizador na esfera federal, que é o Ibama”.
De acordo com o titular da SEMAS, “nós estabelecemos como diretriz não esperar o governo federal e uma das nossas ações foi reforçar o nosso corpo de fiscalização. Nós tínhamos 10 fiscais e vamos subir esse número para 110, destes 100, 75 já foram contratados. Para comparação, o Ibama no Pará tem 48 fiscais. A gente fortaleceu o corpo na área de fiscalização exatamente para gente não esperar o governo federal, ainda que o desmatamento no Pará seja 70% em áreas federais. Nós decidimos atuar por municípios, nos 10 municípios que mais desmatam. Além disso, a gente entende que é necessário ter um diálogo com o setor produtivo, principalmente da agropecuária, para que eles nos ajudem a identificar o pessoal que quer continuar trabalhando na ilegalidade”.
Adotar instrumentos econômicos, financeiros e fiscais para a promoção dos objetivos, diretrizes, ações, programas e políticas previstas; o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias que apoiem o combate às mudanças climáticas e à adaptação aos impactos causados por ela; o desenvolvimento de iniciativas de educação ambiental; Disponibilização da agenda climática estadual para garantir a transparência das ações; o estímulo à criação de políticas e fóruns nos municípios e à participação de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais; ações para proteção, gestão e restauração de ecossistemas, especialmente em áreas naturais que “gozem de proteção especial, a fim de garantir que continuem a fornecer serviços ecossistêmicos”; assim como a eficiência energética; e substituir gradativa e racionalmente, as fontes energéticas fósseis.
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