Reportagens

Programa Adote Um Parque é lançado sob olhares de desconfiança

Por fim, Salles oficializou a criação do programa que alardeava há tempos, de busca a adoção de 132 áreas protegidas na Amazônia. Apesar de pontos positivos, iniciativa ainda é vista com descrédito por ambientalistas

Duda Menegassi ·
10 de fevereiro de 2021 · 4 anos atrás
O ministro do Mpresidente do Carrefour América Latina, Nöel Prioux, durante o lançamento do programa Adote um Parque, nesta terça-feira. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depois de muita propaganda – e de já fechar acordo verbal com uma empresa – , o governo federal finalmente assinou o decreto que oficializa a criação do programa Adote um Parque. No evento de assinatura, realizado na terça-feira (09), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, discursou ao lado do presidente Jair Bolsonaro e comemorou a iniciativa, que permitirá que pessoas físicas ou jurídicas – nacionais ou estrangeiras – adotem por até 5 anos uma das 132 unidades de conservação na Amazônia. O presidente do Carrefour América Latina, Nöel Prioux, também participou da solenidade. A rede de supermercados de origem francesa é a primeira a formalizar interesse em adotar uma das áreas, a Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, em Rondônia.

O programa será coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor das unidades de conservação (UCs) federais. De acordo com o ministro, o programa se destina a todas as unidades de conservação federais do Brasil, mas nesta fase inicial fica restrito àquelas localizadas na Amazônia.

As ações dos adotantes terão como objetivo: a recuperação ambiental de áreas degradadas; apoio à prevenção e ao combate de incêndios florestais e do desmatamento ilegal; promoção de melhoras de infraestrutura e de manutenção; o monitoramento; e a consolidação e a implementação de planos de manejo das UCs.

A gestão e a responsabilidade pela fiscalização ambiental permanecerão com o órgão ambiental, assim como a supervisão para garantir que os acordos firmados com o adotante estão sendo cumpridos, conforme as diretrizes estabelecidas pelos Planos de Manejo de cada unidade de conservação.

A expectativa de Salles é que os adotantes doem o equivalente a R$50 por hectare da área protegida adotada anualmente. Em termos amazônicos, isso representa uma cifra ambiciosa em alguns casos como o do maior parque do brasil: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá. A adoção de Tumucumaque envolveria, conforme detalhado, um aporte de R$193.258.600 por ano. Com 75.877 hectares, a Resex do Lago do Cuniã, pela qual o Carrefour manifestou intenção de adotar, possui valor mínimo de R$3.793.850 anual. Somadas, as UCs amazônicas capitalizariam cerca de 3,2 bilhões com as adoções.

“Uma empresa que deu um passo à frente e disse eu tenho interesse, eu me ofereço, eu me voluntario para um dos parques que estão listados no primeiro bloco. E com essa ação do Carrefour, nós esperamos que empresas nacionais e estrangeiras, pessoas físicas, brasileiros ou estrangeiros, também se voluntariem para nos ajudar a cuidar desses 15% do território da Amazônia que está distribuído nas 132 unidades de conservação”, disse o ministro do Meio Ambiente. Durante o evento, Salles e Prioux assinaram o protocolo de intenções para adoção da Reserva Extrativista (Resex) do Lago do Cuniã.

A Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, em Rondônia, é a primeira a receber interesse de um adotante. Foto: André Dib/ICMBio

A assinatura não garante que a empresa será de fato a adotante da Resex. Conforme detalha o decreto, é necessário realizar um chamamento público, durante o qual outras propostas de adoção podem aparecer. As propostas serão então avaliadas e “priorizará as propostas mais vantajosas para a administração pública, conforme critérios previamente estabelecidos”. O Ministério não divulgou mais informações, entretanto, sobre como tramitará o processo de chamamento público, tampouco divulgou publicamente o que consta na proposta de adoção feita pelo Carrefour.

Além disso, também não houve coletiva para a imprensa após a solenidade, tampouco abertura para perguntas durante o evento desta terça.

Um dos pontos que chama atenção no programa é o clima de “tudo ou nada” que impõe àqueles que querem colaborar com as unidades de conservação. “Somente serão aceitas adoções que atendam à integralidade do edital de chamamento público e não será aceita doação parcial ou fora do escopo do edital de chamamento público”, descreve o Artigo 8º do Decreto nº 10.623/2021, que cria o Adote Um Parque.

Além disso, o decreto dá a entender que a participação dos interessados no programa está sujeita à concorrência, de forma que cada unidade de conservação só poderá ter um adotante (ainda que este seja composto por um grupo de interessados). E que, em caso de haver propostas com valores e objetos iguais, a escolha será feita por meio de sorteio.

De acordo com Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, especialista em parcerias público-privadas em UCs, isso pode limitar a adesão de empresas ao programa. “Parece que a maneira de selecionar foi baseada na regra de contratação pública. Você faz um chamamento, um processo de concorrência para quem quer doar e quem quer doar mais leva. Ou seja, se um quer doar 10 e o outro 12, ganha o 12, ao invés do parque receber os 22. Quando você cria o critério de exclusividade e não de complementaridade, você está limitando a capacidade de angariar recursos”, explica Pieroni.

“Eu tenho dúvidas de quão fácil será para as empresas passar por esse processo de concorrência e doar, e se isso vai suscitar o apetite delas”, acrescenta.

Apesar de ver uma possível baixa atratividade do Adote um Parque ao setor privado, Pieroni ressalta que o programa possui pontos positivos e lembra que existem exemplos similares no mundo e até mesmo em estados e municípios no Brasil. “Uma iniciativa que procura promover o engajamento do público privado para apoiar a gestão de unidades de conservação é uma coisa boa e não tem nada de revolucionário nisso. Um ponto que acho positivo do decreto é que está previsto as empresas executando as coisas em nome e sob supervisão do ICMBio, ou seja, a gestão continua a ser do ICMBio e essas empresas vêm como um braço do ICMBio, com o aporte de recursos e de serviços, e sem engessar o recurso, o que aconteceria se essas empresas doassem dinheiro pro ICMBio fazer o recurso”, explica o diretor.

A diretora-executiva da Rede Pró Unidades de Conservação (Rede Pró-UC), Angela Kuczach, também acredita que o programa traz elementos positivos, mas faz ressalvas. “A ideia é boa, o que complica é a execução. Em primeiro lugar, estamos falando de um governo com uma reputação cada vez menor junto à iniciativa privada e ao terceiro setor, e eu acredito que vai ser muito difícil convencer empresas a doarem por mais que elas queiram e tenham interesse em adotar. Outro ponto são os mecanismos de execução. O decreto não traz com clareza isso e a gente espera que tenha um segundo documento com maior detalhamento, porque ficaram muitas perguntas: por onde passa esse dinheiro? Quem vai gerir? De que forma será aplicado? Como será esse monitoramento? Um relatório trimestral de doação é muito pouco para ter transparência. Qual será a transparência que vai se ter, dentro do próprio ICMBio e Ministério do Meio Ambiente? No caso das unidades de conservação de uso sustentável, o quanto as comunidades que vivem lá vão participar desse processo? Isso tudo ainda não está claro”, questiona Angela.

De acordo com o decreto, as ações previstas no plano de trabalho da adoção poderão ser executadas de forma direta, pelo adotante, ou de forma indireta, por contratados por ele indicados, em ambos os casos sob a supervisão do ICMBio. O decreto não esclarece se haverá distinções no processo de adoção para UCs de proteção integral e de uso sustentável – onde há comunidades tradicionais envolvidas.

Enquanto o decreto do programa Adote Um Parque dá protagonismo ao ICMBio, justamente pelo órgão ser o responsável direto pela gestão das unidades de conservação federais do país, por outro é impossível ignorar o contexto em que, sem muita transparência, um Grupo de Trabalho organizado pelo Ministério do Meio Ambiente, discute a possível fusão do órgão com o Ibama.

“Você coloca o ICMBio como gestor desse programa, no mesmo momento que você discute uma eventual fusão de Ibama e ICMBio. Esse programa não vai substituir o papel de um órgão gestor, então é preciso lançar luz sobre a importância do fortalecimento do ICMBio. Então tem uma questão da política ambiental mais ampla que acaba influenciando esse processo aqui, porque o sucesso do programa está muito ligado ao fortalecimento do órgão gestor. Até porque você não vai resolver o problema ambiental brasileiro com o programa adote um parque”, reforça Pieroni.

Assinatura da manifestação de interesse por parte do Carrefour durante evento nesta terça. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A diretora da Rede Pró-UC faz coro ao alerta de que se o MMA optar pela fusão do ICMBio, pode comprometer a adesão das pessoas ao programa. “Não tem como você engajar a sociedade se você não tiver uma organização forte fazendo a gestão. Aí a importância do ICMBio é bem fundamental. É um tiro no pé se daqui a um mês, ele [Salles] resolver fazer a fusão. Você lança um programa chamando a sociedade para se engajar e apoiar as unidades de conservação e depois você mata o instituto que cuida das unidades. Não faz sentido. Tem que ter o fortalecimento do ICMBio”, conclui Angela.

Nas redes, expoentes da área ambiental também se pronunciaram com desconfiança sobre o novo programa. O jornalista ambiental André Trigueiro comentou: “Como acreditar num projeto chamado “Adote um parque” oferecido por um governo que implodiu o Fundo Amazônia (que protegia a floresta), desmontou a fiscalização, deixou de cobrar multas ambientais, humilhou o Inpe e o Ibama, quer extinguir o Icmbio, e apoiou grileiros e invasores?”.

Apesar de todo o clima de desconfiança, conforme apuração feita por André Borges para o Estadão, outras 8 empresas, além do Carrefour, estariam em negociações avançadas com o Ministério para aderir ao programa.

Concessão x adoção

Pelo menos duas das unidades de conservação amazônicas – na lista do Adote um Parque – estão na mira de processos de concessão: os parques nacionais de Anavilhanas e do Jaú, ambos no estado do Amazonas. O decreto não deixa claro se pode haver sobreposição entre concessionária e adotante em uma única unidade de conservação. Fernando Pieroni acredita que poderia haver conflito, mas contornável, tendo em vista que os processos de concessões são construções demoradas e os termos de compromisso com os adotantes terão validade de apenas um ano e possuem cláusula de rompimento simples.

Benefícios aos adotantes

Além da publicidade positiva que uma empresa pode angariar com o público ao ajudar a financiar a conservação ambiental, o decreto (nº 10.623/2021) prevê uma lista de benefícios dos quais os adotantes poderão usufruir. Entre eles, está a instalação de elementos de logotipos que identifiquem o adotante na unidade de conservação ou no seu entorno, assim como nas sinalizações da UC (placas, por exemplo). Além disso, o adotante poderá usar a unidade de conservação para “atividades institucionais temporárias”, desde que em cumprimento do plano de manejo e com autorização do ICMBio.

Parque+

Desse, ninguém sabe. Aprovado e publicado no Diário Oficial da União na última quarta-feira (03/02), numa portaria vazia e sem detalhes, o Parque+ segue um mistério. De acordo com a Portaria (nº42/2021), as informações sobre o programa seriam disponibilizadas no site oficial do Ministério do Meio Ambiente. Os sete dias para que o decreto entrasse em vigor, entretanto, já passaram, e a página do Parque+ segue em branco no site do MMA, apenas com uma foto e o link para Rede Brasileira de Trilhas, iniciativa do MMA que promove a implementação de trilhas de longo curso.

 

Leia também

Extinção do ICMBio: Volta ao passado?

Prefeitura do Rio põe unidades de conservação “para adoção”

BNDES faz acordo com estados para concessão em parques estaduais

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

Leia também

Notícias
28 de janeiro de 2021

BNDES faz acordo com estados para concessão em parques estaduais

O banco fez acordo com 6 estados para desenvolver a concessão de serviços de visitação em 26 parques, entre eles o Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins

Notícias
5 de novembro de 2020

Prefeitura do Rio põe unidades de conservação “para adoção”

Advogados ambientalistas acreditam que medidas podem beneficiar gestão das áreas, que segue sob responsabilidade do poder público

Colunas
10 de fevereiro de 2021

Extinção do ICMBio: Volta ao passado?

É um erro a ideia de incorporar o ICMBio ao Ibama, seja do ponto de vista da economia do gasto público, seja do ponto de vista da eficiência

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 6

  1. Carlos diz:

    Brasil é Top desde sempre em conversação do meio ambiente. O velho mundo ainda é um verdadeiro desastre.


  2. Caiê Alonso diz:

    Tem um PDF sobre o programa Parque+ lá no site do governo federal, a princípio o foco é ecoturismo. Vale checar.


  3. Kas diz:

    Desse governo não vem nada bom pro
    Meio ambiente , não se iludam.


  4. jtruda diz:

    O programa é uma das poucas coisas boas que esse desgoverno está fazendo, junto com as concessões de Uso Público nos Parques. Comparem esses aportes com a MISÉRIA ABSOLUTA dos orçamentos anteriores do ICMBio para as UCs (e não só nesse desgoverno). Ambos, adoção e concessão, deveriam ser multiplicados imensamente Brasil afora. Parem de encher o saco com esse ecochatismo estatista e ajudem a dar certo.


    1. Carlos diz:

      É que esses ecochatos NÃO podem ver nada de bom que o Salles/Bolsonaro façam. Não importa o que seja.


  5. Sem noo diz:

    "…governo com uma reputação cada vez menor junto à iniciativa privada e ao terceiro setor"
    Terceiro setor ainda vai… mas com a iniciativa privada? Totalmente sem um pé na realidade. Acha que o meio ambiente é todo mundo.
    Tão aí dois exemplos: https://portalibre.fgv.br/noticias/indice-de-confhttps://revistapegn.globo.com/MEI/noticia/2021/01