Reportagens

Projetos financiados pelo Fundo da Mata Atlântica poderão ter cortes de até 17%

Reajuste e revisão dos contratos está negociação junto com a empresa que faz a gestão do Fundo. Cortes devem chegar a 9 milhões no ano

Duda Menegassi ·
16 de abril de 2020 · 5 anos atrás
Unidades de conservação estaduais do Rio de Janeiro são uma das mais beneficiadas pelos projetos do Fundo da Mata Atlântica. Foto: Thaylan Salles/WikiParques.

No começo de março, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, tentou aprovar um Projeto de Lei, motivado pelas ações de combate ao coronavírus, que esvaziaria os recursos do Fundo da Mata Atlântica (FMA) e os redirecionaria para medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia. A proposta caiu antes mesmo da votação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, mas a perspectiva de perder os recursos de compensação ambiental que mantém o Fundo chacoalhou os projetos financiados por ele e assustou o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), empresa que faz a gestão operacional do FMA.

“O IDG é o contratante em todos esses contratos de projetos, que têm uma necessidade de R$3 milhões por mês. Na hora que saiu o projeto do governador dizendo que todos os recursos iam ser confiscados, nós decidimos cancelar tudo, íamos fechar o IDG, íamos quebrar. Só que o negócio evoluiu e uma semana depois estava retirado [o PL]. Na medida em que a situação mudou, nós fomos readequando as medidas”, contextualiza o diretor-presidente do IDG, Ricardo Piquet.  

De acordo com o diretor, o cenário de incertezas da pandemia obrigou o Instituto a repensar as prioridades e enxugar custos.  “Nós estamos fazendo um esforço na ordem de 15-17% de redução nos investimentos, mas preservando os empregos. São recursos privados, porém de interesse público, por isso há interferência da própria Secretaria [de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro].”

O Fundo da Mata Atlântica investe entre 40 e 50 milhões de reais em projetos ambientais anualmente, a maioria deles em parceria com o governo do Estado e com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), responsável pela gestão das unidades de conservação (UCs) do Rio de Janeiro. Entre os projetos financiados estão iniciativas para o fortalecimento e implementação das UCs, regularização fundiária, criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e o programa De Olho no Verde, que faz o monitoramento do desmatamento no estado.

Plenário da Assembleia Legislativa do Rio. Projeto que mudava destinação do FMA caiu na Alerj. Foto: Julia Passos/Alerj.

“Começamos, junto com a Secretaria, a verificar projeto a projeto e a repensar uns, paralisar outros, não iniciar uns pros quais a gente já tinha feito processo de licitação de obras e de compras. Nós suspendemos aquisições e compras que seriam gastas esse ano, na ordem de R$3 milhões, e estamos planejando uma redução de mais 500 a 600 mil reais por mês. Com isso, ao final do ano teremos uma economia de 9 milhões aproximadamente”, detalha o diretor do IDG.

Segundo o diretor, o IDG está em fase de negociação com os responsáveis pelos projetos e com a Secretaria para aprovar as reduções e deve concluir as novas propostas na terça-feira (21).

Um dos projetos em negociação financiados pelo Fundo da Mata Atlântica é o Programa Estadual de RPPNs, sobre o qual houve uma grande polêmica quando foi anunciado, num primeiro momento, seu súbito cancelamento. O projeto apoia a implementação e criação de reservas particulares, uma estratégia adotada desde 2008 para estimular a conservação do bioma através de proprietários particulares, já que 80% da Mata Atlântica se encontra em áreas privadas. 

“No caso do contrato com o Instituto Terra de Preservação Ambiental [ITPA, empresa contratada para executar as ações do programa de RPPNs], nós estamos em negociação. No início, com a falta de clareza sobre quão grave seria a perda de recursos, nós íamos suspender vários projetos, inclusive o das RPPNs. Mas repensamos, voltamos ao ITPA e propusemos uma negociação que ainda está em curso”, esclarece o diretor.

A coordenadora-executiva do projeto RPPN, Roberta Guagliardi confirma que a proposta para redução do contrato já foi enviada. “O importante nesse momento é que a negociação seja favorável para todas as partes envolvidas, principalmente para a conservação da biodiversidade”, pondera a advogada ambiental.

A redução e alteração dos projetos contratados pelo Fundo Mata Atlântica terá ainda um outro desdobramento, a ser articulado: a Câmara de Compensação Ambiental do Estado do Rio de Janeiro, um colegiado com participação de representantes de órgãos federais, estaduais, municipais e instituições da sociedade civil responsável pela aprovação de todos os projetos financiados pelo Fundo.

Calcula-se que 80% do bioma Mata Atlântica está em terras privadas. Acima, RPPN Bello e Querida, em Nova Friburgo. Foto: Vicente Bastos.

Quando questionado por ((o))eco se as alterações passarão pelo crivo do colegiado da Câmara, Ricardo garante “sim, passará. Essa é uma obrigação da Secretaria, que responde pela Câmara de Compensação Ambiental. Ela vai encaminhar todas as medidas que forem feitas: reduções, ampliações, permutas, suspensões temporárias, o que for. Isso vai acontecer, só que a gente não tem hoje o cenário ainda, temos que concluir essa fase de negociações para que a Secretaria possa marcar essa reunião extraordinária e levar essa posição ao colegiado”. E completa, “ele [o colegiado] vai julgar, essa é a figura máxima do Fundo da Mata Atlântica”.   

Em nota enviada ao ((o))eco, a Assessoria de Imprensa do Inea declarou que:

“Em decreto publicado em 31 de março, o Governo do Estado determinou ajustes no orçamento das secretarias, autarquias e órgãos vinculados a fim de somar esforços diante do atual cenário de pandemia do novo coronavírus e suas consequências. A Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (Seas) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) trabalham no cumprimento às determinações do governo do estado e estudam as medidas que serão implementadas no âmbito do orçamento estadual e dos Fundos FECAM [Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano] e FMA.”

“O Estado está reduzindo 25% linearmente de tudo, nós não temos essa obrigação porque o recurso é privado, mas temos interesse em demonstrar essa solidariedade nesses recursos para poder alocar em algum projeto que talvez será mais prioritário. Nós estamos negociando para fazer uma redução nas entregas desses projetos, diminuir talvez o ritmo, mas manter todos os técnicos empregados. E tentar com que esse trabalho não seja paralisado. Esse é nosso esforço hoje”, conclui o diretor-presidente do IDG.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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