Em 2022, Amazonas, Paraná, Piauí e Rio de Janeiro enfrentaram problemas para avaliar a regularidade das propriedades rurais existentes em seus territórios. Os motivos que levaram a esta situação são diferentes para cada um desses estados, mas existe um elemento comum a todos eles: a integração entre os poderes estaduais e o governo Federal é peça-chave na implementação do Código Florestal, norma que, dentre outras coisas, prevê esta análise. Pactuar com os estados a construção de um plano nacional para a implementação da lei é um dos desafios – e uma das oportunidades – que o próximo governo Lula terá à frente, se quiser realmente tirar do papel suas propostas de reconstrução da agenda ambiental no país.
A conclusão faz parte de um estudo recém lançado pela organização Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio). Publicado na última quarta-feira (14), o trabalho traz uma radiografia inédita e atualizada da implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012), conhecida como Código Florestal, que completou 10 anos em 2022.
O estudo foi centrado na análise de como cada estado do Brasil está quando o assunto é gestão das propriedades rurais dentro de seus territórios. Ou seja, como estão em relação à efetiva implementação e execução do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Regularização Ambiental (PRA).
A análise de tais ferramentas é importante porque é a partir da efetiva implementação de ambas que os estados vão conseguir monitorar os avanços na recuperação ou compensação do passivo ambiental – área que foi desmatada em porções de terra que, por lei, deveriam ser preservadas, como Reservas Legais e Áreas de Proteção Permanente.
“Muitas das discussões do novo governo têm sido pautadas no Brasil retomar o protagonismo na área ambiental e também em relação à governança climática internacional. Essas discussões estão bastante calcadas em priorizar o combate ao desmatamento, mas esta agenda depende em igual importância da implementação do Código Florestal”, disse, a ((o))eco, Joana Chiavari, diretora associada do CPI/PUC-Rio e uma das autoras do estudo.
Gestão de áreas rurais privadas
O Código Florestal é uma lei bastante ampla. Ele traz regras e instrumentos que tratam tanto de conservação, quanto de controle do desmatamento e queimadas, restauração e compensação de áreas desmatadas, incentivos econômicos e promoção de sistemas agroflorestais.
Mas a norma também estabelece mecanismos de monitoramento e gestão ambiental dos imóveis rurais do país – como o CAR e o PRA, citados acima – e é considerada a principal política nacional de conservação da vegetação nativa em áreas privadas.
O trabalho, também assinado pela Gerente de Pesquisa da agenda de Direito e Governança do Clima do CPI, Cristina Leme Lopes, identifica os principais desafios que precisam ser superados e apresenta uma agenda com sete ações necessárias para que o Código Florestal se torne efetivo em todo território nacional.
“Defendemos que isso [implementação da norma] não seja visto como um desafio grande demais para ser enfrentado, porque existe um caminho promissor de ações muito concretas e muito palpáveis que vemos nos estados que têm conseguido avançar nessa agenda”, complementa a autora do estudo.
Avanços desiguais
Um dos desafios citados por Joana Chiavari é a desigualdade na implementação do CAR e do PRA em todo país. Até o momento, apenas um seleto grupo de seis estados – Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia – já conseguiu alcançar todas as etapas de implementação da Lei 12.652/2012, mesmo que com ganhos de escala distintos entre eles.
Na outra ponta, estão Pernambuco, Piauí e Roraima, os mais atrasados do país. Tais estados se mantêm estagnados, tendo conseguido apenas implementar a etapa de inscrição dos imóveis rurais no CAR.
Entre os mais avançados e os da lanterninha do grupo, estão aqueles do grupo intermediário: estados que ainda não conseguiram chegar até a etapa final de regularização dos passivos florestais em imóveis rurais, mas obtiveram avanços. Também neste grupo os ganhos são bastante desiguais: alguns já obtiveram resultados significativos nas análises, como é o caso do Espírito Santo e São Paulo, enquanto outros apenas iniciaram a etapa de análise dos cadastros e avançam lentamente, a exemplo do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe e Alagoas.
Para se ter uma ideia do tamanho do desafio que o próximo presidente e governadores terão de enfrentar na implementação do Código Florestal, considerando o país como um todo, apenas 12% dos cadastros já foram analisados. Considerando o final do processo, o quadro é ainda pior: somente 2% dos cadastros do país já tiveram a análise concluída.
“Se mantivermos esse ritmo de implementação, o Código Florestal corre o risco de perder a credibilidade e se tornar uma lei no papel. Entretanto, os resultados obtidos recentemente por São Paulo e a liderança de Mato Grosso e Pará na agenda como um todo mostram que é possível avançar”, exemplifica o estudo.
Propostas para o novo governo
A implementação do Código Florestal tem sido um processo contínuo. Muito da desigualdade entre os estados reside no fato de que, até 2018, havia questionamentos sobre sua legalidade. Naquele ano, o Superior Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade da norma, mas isso significa que, para muitos governos locais, a lei tem apenas quatro anos de implementação – e não dez, se contado da data de sua publicação.
Diante das lacunas identificadas pelas pesquisadoras do CPI/PUC-Rio, foram elencados sete pontos prioritários (veja box abaixo) a serem levados em conta pelo novo Governo Federal para que a política se torne realmente efetiva.
“A mensagem principal do trabalho é que o desafio é grande, mas também que há caminhos possíveis para sua efetiva implementação e a mudança do governo abre uma oportunidade”, diz Cristina Leme Lopes. “Defendemos que os avanços alcançados até o momento em alguns estados sejam implementados como política do governo Federal. Porque a gente sempre fala: o governo estadual implementa e o governo federal coordena. E a ideia é que sob a coordenação do Governo Federal, os governos dos estados tenham as bases para que possam avançar”, finaliza.
Pontos prioritários
Durante os anos de vigência do Código Florestal, diversas estratégias para sua implementação foram testadas, com avanços heterogêneos e em velocidades muito discrepantes. Ao mesmo tempo, um arsenal de pesquisa sobre a implementação da lei foi acumulado, diz o trabalho do CPI/PUC-RJ.
Ao documentar e analisar as diferentes iniciativas, oriundas da coleta de dados junto aos estados e da medição anual dos progressos, o Climate Policy Initiative propõe as seguintes ações:
1 – Pactuar com os estados a construção de um plano nacional para a implementação do Código Florestal, coordenando o papel do governo federal e dos estados e definindo a estrutura de governança necessária para a implementação da lei.
2 – Fortalecer o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR).
3 – Adotar estratégias, ferramentas e insumos para acelerar a análise dos cadastros.
4 – Cancelar e/ou suspender cadastros sobrepostos a terras públicas federais.
5 – Apoiar a regulamentação e execução dos Programas de Regularização Ambiental (PRA).
6 – Fortalecer o alinhamento do Código Florestal com iniciativas de combate ao desmatamento e outras políticas ambientais.
7 – Aprimorar a integração do Código Florestal às demais políticas públicas de apoio e desenvolvimento do agronegócio, como crédito rural e outros instrumentos econômicos, e engajar com o setor privado.
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