O diretor interino do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Darcton Policarpo Damião, apresentou à imprensa, nesta sexta-feira (01), sua proposta de reestruturação do Instituto, que inclui mudanças importantes em coordenações que hoje possuem grande protagonismo e reconhecimento dentro do INPE, como o setor de monitoramento do desmatamento da Amazônia. O encontro com jornalistas aconteceu na sede do Instituto, em São José dos Campos (SP).
O INPE esteve no centro de ataques do governo Bolsonaro no final de julho, após virem à tona dados que indicavam uma alta no desmatamento da Amazônia. Os desentendimentos levaram à exoneração, em 2 de agosto, do então diretor Ricardo Galvão. O militar da Aeronáutica Darcton Damião assumiu interinamente, até que um colegiado consultivo do INPE elegesse um novo diretor, o que ainda não aconteceu.
Reestruturação
De acordo com Damião, a mudança se dará na estrutura organizacional do Instituto. Atualmente, o INPE possui 15 coordenações que se reportam diretamente à direção geral. Com a reformulação, todas essas áreas de conhecimento seriam agrupadas em quatro coordenações-gerais, sob os temas: “Engenharia e Ciências Espaciais”, “Monitoramento, Modelagem e Análise”, “Infraestrutura de Pesquisa” e “Pós-Graduação”. A reestruturação ainda prevê a criação do cargo de um vice-diretor, hoje inexistente.
Segundo o diretor interino, as mudanças foram feitas a pedido do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), como forma de otimizar trabalhos e ajudar o INPE a “cumprir melhor sua missão”. Durante a coletiva, Damião foi perguntado várias vezes sobre qual a missão do INPE não está sendo entregue à sociedade ou quais problemas foram encontrados que justificassem a necessidade da reforma, mas as respostas foram evasivas em todas os questionamentos.
“Qual o diagnóstico hoje dos processos equivocados? Não tem ainda. Temos um diagnóstico de estrutura. […]. O primeiro diagnóstico foi estrutural, não pode ter 15 [coordenações], tem que ter menos, tem que reestruturar. Os processos vão ser discutidos nos meses que se seguem”, disse.
Damião também não deu respostas claras quando perguntado quais os benefícios serão trazidos pela reestruturação. “Nós vamos buscar [o que vai ser melhorado]. Os exemplos vão vir à medida que formos nos reunindo com os grupos. […] Como vamos organizar a reestruturação nós vamos trabalhar tempo a tempo. O que vai mudar com isso? O tempo vai dizer. Me procurem daqui a dois, três meses, mas, pela minha experiência, vai mudar, e pra muito melhor”, justificou.
Segundo o diretor, a forma como a reestruturação será implementada, na prática, será discutida com cada setor envolvido e não há prazo para que ela seja efetivada, mas a expectativa é que a nova estrutura esteja implementada até o final de seu mandato, em meados de 2020.
Monitoramento do desmatamento
Dentro da proposta de reestruturação apresentada por Damião, estão mudanças importantes em coordenações de grande reconhecimento dentro do Instituto: o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), a Coordenação-Geral de Observação da Terra (CGOBT) e o Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST). Pela proposta do diretor interino, essas três coordenações passariam a fazer parte de uma única coordenação: Coordenação Geral de Monitoramento, Modelagem e Análise.
Segundo funcionários ouvidos por ((o))eco, tais mudanças significariam um “rebaixamento” nas atuais coordenações, que hoje funcionam de forma autônoma e possuem grande protagonismo dentro do INPE.
A mudança no setor de monitoramento ainda incluiria, segundo relato de servidores, a incorporação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão independente do MCTIC, à estrutura do INPE. Segundo Damiao, mudanças no Cemaden são comandadas exclusivamente pelo MCTIC.
O Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST), foi criado em 2008 dentro da estrutura do INPE e tem foco nas mudanças ambientais globais. É neste setor que são desenvolvidas pesquisas sobre mudanças climáticas, hidrologia e desastres naturais e energias de fontes renováveis, por exemplo, com o objetivo de propor soluções de desenvolvimento do país visando equidade e redução dos impactos sobre o ambiente no planeta. A criação do CCST foi considerada um avanço nas pesquisas sobre mudanças climáticas estreitamente ligadas aos desastres naturais.
A Coordenação-Geral de Observação da Terra (CGOBT) é um dos setores com maior protagonismo e reconhecimento do INPE. É nesta coordenação que projetos de monitoramento do desmatamento e uso da terra na Amazônia estão inseridos, como o Deter, Prodes e TerraClass, por exemplo. O CGOBT é líder científico e tecnológico, nacional e internacionalmente, no uso de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento para conhecer o território e o mar continental brasileiro. O Centro também apoia o programa espacial brasileiro na concepção, processamento e aplicações dos satélites de observação da terra, mantém um centro de geração e difusão de imagens de satélites e funciona como um centro de referência internacional na área de modelagem ambiental dos ecossistemas brasileiros.
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), vinculado ao INPE, é onde são desenvolvidos modelos de previsão de tempo, de clima sazonal ambiental (qualidade do ar) e de projeções de cenários de mudanças climáticas. Com o supercomputador (CRAYXT6), o CPTEC colocou o Brasil na vanguarda nas previsões meteorológicas mundiais, sendo um dos mais modernos do mundo no setor.
O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) foi criado em 2011 como um órgão independente, subordinado ao MCTIC, com o objetivo de desenvolver um sistema de alertas antecipados da probabilidade de ocorrência de desastres naturais, associados a fenômenos naturais, por meio do uso de tecnologias modernas de monitoramento e previsões hidrometeorológicas e geodinâmicas. O Cemaden também promove desenvolvimento científico e tecnológico para avançar na qualidade e confiabilidade desses alertas, e na prevenção e mitigação dos desastres.
Segundo Damião, as mudanças no Instituto, e mais especificamente no setor de sensoriamento remoto, não têm relação com as críticas feitas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pelo próprio presidente, Jair Bolsonaro, à qualidade dos serviços prestados pelo INPE no monitoramento da supressão de vegetação na Amazônia. Em julho, Bolsonaro chegou a dizer que o INPE mentia sobre os dados do desmatamento.
O diretor não quis comentar a compra de um novo sistema de monitoramento do bioma Amazônico, processo atualmente em curso no Ministério do Meio Ambiente.
Sobre a reformulação no INPE, Damião afirmou que as propostas apresentadas ainda serão discutidas com servidores. O diretor interino garantiu aos jornalistas que a reestruturação interna não comprometerá a divulgação da taxa anual de desmatamento detectada pelo sistema Prodes, prevista para dezembro.
“Missão dada é missão cumprida”
As mudanças no INPE foram apresentadas aos servidores do Instituto no dia 14 de outubro. Segundo ((o))eco apurou, os funcionários foram convocados por e-mail, apenas duas horas antes da reunião, para ouvirem uma “mensagem importante” do diretor.
Na reunião, o diretor interino disse que recebeu uma incumbência do ministro Marcos Ponte para fazer a reestruturação e que ela havia sido aprovada. “Eu tive sinal verde para falar sobre isso. Tenho convicção plena de que (a mudança) é para bem melhor […] O ministro queria uma mudança, entreguei em três semanas […] missão dada é missão cumprida”, disse Darcton Damião durante este encontro, segundo matéria do Estadão.
Na reunião, Damião relatou aos funcionários que as mudanças foram feitas por terem sido encontrados problemas de gestão no Instituto, mas os servidores não receberam explicações de como essas mudanças funcionariam.
“Novos organogramas e mudanças estruturais foram apresentados pelo interventor de forma geral, quase irresponsável, sem apresentação de diagnóstico prévio, estudo adequado, ordenamento legal-administrativo e, principalmente, sem delimitar as possibilidades de participação da comunidade. Fontes, estudos, consulta aos especialistas? Nenhuma”, disse o Sindicato dos Servidores Públicos Federais na Área da Ciência e Tecnologia SindCT, em comunicado sobre o ocorrido.
Mudanças top-down
O INPE completou, em 2019, 58 anos. Especialistas explicam que algumas áreas do Instituto realmente precisam de reformulações e mudanças seriam bem-vindas. Mas, segundo eles, qualquer alteração deveria contar com a participação dos pesquisadores que fazem parte da sua estrutura.
“O INPE, como qualquer outra organização pública, contém oportunidades para melhorias. Porém, assim como as universidades, o INPE é uma instituição cuja capacidade de inovar depende da autonomia de seus pesquisadores. Dificilmente uma reorganização feita de cima para baixo sem ouvir os especialistas das diferentes áreas irá surtir os efeitos desejados.”, diz Raoni Rajão, professor Associado de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A falta de participação dos servidores no processo de construção do novo desenho foi confirmada pelo próprio diretor interino, durante a coletiva com jornalistas. “[A proposta ]Está sendo discutida no INPE na medida em que vamos desdobrando ela. Essa [decisão de reduzir o número de coordenações] foi tomada no nível do Ministério”, disse.
O receio dos servidores é que, com a redução geral de cargos de coordenação, haja maior controle na divulgação das informações e que uma “censura prévia” seja instalada na publicação de artigos e divulgação de dados. Damiao não informou como os diretores das coordenações-gerais serão nomeados, por indicação do Comitê Técnico-Científico (CTC) do INPE, colegiado consultivo do Instituto, ou nomeação direta de ocupantes do alto escalão do governo.
Diretor-Interino
Representantes do Comitê Técnico-Científico não comentam as propostas de reformulação apresentadas pelo atual diretor por considerarem que “existe um erro que a antecede”. Isso porque Darcton Policarmo Damião assumiu a direção do Instituto interinamente. O nome do diretor permanente ainda não foi apresentado.
Pelo Regimento do INPE, havendo vacância no cargo, um comitê de busca deve ser formado e será responsável por indicar uma lista tríplice para a escolha de um novo diretor por parte do ministro de Ciência e Tecnologia. Após a saída de Ricardo Galvão, o Comitê Técnico-Científico havia solicitado formalmente ao MCTIC a instalação desse comitê e aguardava os próximos passos.
As mudanças apresentadas por Damião não foram sequer discutidas com o Comitê Técnico-Científico.
Durante coletiva de imprensa, Darcton argumentou que “não faz parte do mandato do CTC a reestruturação do INPE”. “A reestruturação me foi solicitada pelo MCTIC e comuniquei para o público interno juntamente com o CTC. Não tem nada a ver o processo de restruturação organizacional do INPE com o atropelo do processo de escolha do novo diretor”, disse Damião, durante o encontro com jornalistas.
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