Reportagens

Soltar mais ararinhas-azuis é crucial para estabilizar população da espécie

Aves vindas da Alemanha passarão por cativeiro e devem ser reintroduzidas em junho em seu ambiente natural, na Caatinga

Aldem Bourscheit ·
17 de fevereiro de 2025

A importação de novas ararinhas-azuis revigora esforços para conservar a espécie, mas libertar ainda mais aves é necessário para garantir uma população estável na natureza, onde foi extinta há quase três décadas por tráfico, caça e destruição ambiental.

Era início da noite do último 28 de janeiro quando o Embraer Lineage tocou a pista do Aeroporto Internacional de Petrolina, no interior de Pernambuco. O avião trouxe de Berlim, capital da Alemanha, uma carga estratégica: 41 ararinhas-azuis para reforçar a conservação da espécie no Brasil.

O longo voo com as 11 caixas abrigando os animais passou pela ilha espanhola de Tenerife. Petrolina foi escolhida para a chegada pela proximidade com os locais de quarentena e de soltura das aves. Isso deve reduzir seu estresse durante o transporte por terra. 

Os animais ficam até esta terça-feira (18) em isolamento sanitário, para garantir que não estejam doentes – podendo contaminar outras espécies ou pessoas –, e depois seguem para cativeiro em Curaçá, na Bahia, a uma centena de quilômetros da cidade pernambucana.

“Algumas dessas aves comporão novo grupo de soltura para dar continuidade ao projeto de reintrodução, as demais farão parte do plantel reprodutivo”, explica Ugo Vercillo, diretor da ong BlueSky Caatinga. “Esperamos realizar a soltura em junho desse ano”, conta.

As ararinhas-azuis libertas em meados de 2022, numa unidade de conservação em Curaçá, interior da Bahia. Foto: Cromwell Purchase/ACTP

A entidade executa e o ICMBio coordena o projeto de reprodução em cativeiro e de reintrodução das aves na natureza. A meta é repovoar a região de Curaçá e Juazeiro, na Caatinga baiana, onde a espécie (Cyanopsitta spixii) vivia livre até ser eliminada por ações humanas.

As aves chegadas no fim de janeiro são o segundo grupo remetido nos últimos anos pela alemã ACTP, sigla em Inglês da Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados de Extinção. Em 2020, 52 aves foram trazidas. Dois anos depois, 20 delas foram libertadas.

Em junho passado, o Governo Brasileiro não renovou um acordo com o criador europeu, por supostas irregularidades na transferência de espécimes a um mega zoológico indiano. Contudo, a vinda das 41 novas ararinhas aponta que o programa de reintrodução segue ativo.

“Não há nenhum acordo de parceria vinculado a essa transferência. Foram seguidos os procedimentos legais de importação de fauna ameaçada e listada na Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites)”, descreve o ICMBio.

Ugo Vercillo lembra que a responsabilidade técnica pelo criadouro em Curaçá é agora da BlueSky, que conduziu o processo de importação. “Os trâmites legais foram os mesmos de 2020, com todas as licenças e autorizações necessárias emitidas pelos órgãos responsáveis na Alemanha e no Brasil”, diz.

Chegada das 41 ararinhas-azuis ao aeroporto de Petrolina, em 28 de janeiro. Vídeo: ACTP / GZRRC / BlueSky.

Desafio populacional

Das 20 ararinhas libertas em 2022, dez seguem voando livres na região dos federais Refúgio de Vida Silvestre e Área de Proteção Ambiental (APA) da Ararinha Azul. As demais teriam sido alvo de predadores. Na década de 1990, uma fêmea foi liberada, mas também não sobreviveu.

Aves da ameaçada espécie já foram importadas para reintrodução na natureza ao longo dos anos de países como Espanha, Filipinas, Paraguai, Catar, Alemanha e Bélgica, lista o ICMBio. 

Hoje, a autarquia conta 112 desses animais no país: as 41 recém vindas da Alemanha, outras 27 no Zoológico de São Paulo e 44 já no criadouro científico em Curaçá (BA). Algumas dessas aves procriaram, enquanto outras têm idade avançada, entre 25 e 30 anos. 

Também haveria ao menos 241 ararinhas-azuis em criadouros privados na Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Índia. “Certamente este número é maior, pois a última atualização é de dezembro de 2023. Há diversos casais reprodutores fora do Brasil”, reconhece o ICMBio.

Pois, esses estoques nacional e no Exterior da espécie são estratégicos para assegurar a reintrodução anual de aves na natureza, até que ela tenha novamente uma população estável no longo prazo.

“Não se estabelece uma população viável com poucas solturas, mas sim com um programa que se mantenha sustentável em longo prazo”, avalia o órgão ambiental federal.

Ararinhas-azuis em cativeiro. Foto: Marcus Romero.

Atento à necessidade, Ugo Vercillo (Blue Sky) afirma que a ACTP continuará enviando aves ao Brasil. “Para tanto, é preciso que haja a compreensão e o consentimento por parte do governo do Brasil”, diz o biólogo. 

Num artigo publicado em 2023 na revista Bird Conservation International, ele e outros cientistas estimam que a ararinha estará fora de perigo quando sua população livre somar de 700 a 800 animais. Isso aconteceria com a soltura anual de ao menos 20 aves, ao longo de duas décadas.

Atenção externa

A reintrodução correta de ararinhas-azuis na Caatinga depende também das condições e da legalidade de criadores no Brasil e no Exterior. O ICMBio afirma que segue investigando a origem e situação das aves, hoje espalhadas globalmente. 

Conforme a autarquia, ao menos parte dos animais no Exterior é registrada junto à Cites em cada país, mas o grande interesse de traficantes no raro emplumado dificulta afirmar que todas são legalizadas perante à Convenção. 

“O Governo Brasileiro vem trabalhando junto aos demais países e ao Comitê Permanente da Cites para resolver as questões referentes a ararinhas-azuis no Exterior”, afirma.

A vinda recente das ararinhas-azuis da Alemanha foi apoiada por outros órgãos federais e estaduais e pelo indiano Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Center (GZRRC), para onde a ACTP remeteu 26 ararinhas-azuis e 4 araras-azuis-de-lear, em fevereiro 2023.

As respostas do ICMBio foram repassadas por email por sua Assessoria de Imprensa. Não houve retorno de nossas tentativas de contato com a ACTP até o fechamento da reportagem.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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