Novas espécies sempre revelam o quanto falta conhecer da biodiversidade brasileira, mesmo em regiões há séculos exploradas. Em áreas isoladas e de difícil acesso, pequenos organismos podem carregar pistas valiosas sobre a evolução, o clima e a urgência da conservação ambiental.
No alto da Serra do Quiriri, entre Santa Catarina e Paraná, um sapo que cabe na ponta de um lápis é o mais novo membro do gênero Brachycephalus. Ele vive escondido na serrapilheira úmida da Mata Atlântica de altitude e costuma ser localizado pelo “canto”, restrito a poucas horas do dia.
Medindo de 8,9 mm a 13,4 mm, o sapinho carrega grande importância científica. Características como desenvolvimento direto – sem fase de girino –, alta resistência ao frio, incapacidade de nadar e poucos dedos revelam adaptações extremas às matas numa faixa entre 700 m e 1.800 m de altitude.
Contudo, esses sapos são registrados há mais de duzentos anos. O alemão Johann Baptist von Spix registrou o primeiro após chegar ao Brasil, no início do século 19. O nome científico da ararinha-azul é Cyanopsitta spixii porque ela foi descrita pelo mesmo naturalista.
Depois, o gênero de anfíbios foi praticamente esquecido. “Passaram-se quase 150 anos para se descobrir a segunda espécie”, lembra o pesquisador Luiz Fernando Ribeiro. O cenário começou a mudar só no fim do século 20 e início dos anos 2000, quando mais cientistas passaram a procurar os sapinhos.
Hoje, há 45 espécies descritas, todas exclusivas da Mata Atlântica. Mas essa explosão de descobertas não significa que os sapos “apareceram” agora. “Na verdade, o gênero é tão biodiverso quanto outros, só que ninguém tinha pesquisado”, disse Ribeiro.

Custosa identificação
Publicada na revista Plos One, a descrição da nova espécie exigiu quase uma década de trabalho. “Foram nove anos incríveis”, conta o biólogo Marcos Bornschein. A demora se deve a expedições marcadas por trilhas íngremes e dificuldades para localizar pela vocalização os diminutos animais, ocultos no chão da floresta.
O trabalho em laboratório foi igualmente decisivo para uma identificação precisa.“Análises moleculares e do canto foram fundamentais”, explicou Bornschein, já que a cor é similar entre espécies da família e o som ajuda a separar o que o olho confunde.
Ribeiro detalhou que pesquisadores organizaram o gênero Brachycephalus em três grandes grupos, com diferenças marcantes. “Há conjuntos mais coloridos e montanhosos, outros com placas ósseas no dorso e os chamados ‘sapos-pulga’, ainda menores”.
O nome científico escolhido também ganhou destaque: Brachycephalus lulai. A referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Ribeiro, aponta à uma bem sucedida política de estabelecimento de áreas protegidas federais.
“Nunca nenhum outro governo criou tantas unidades de conservação quanto nos mandatos dele”, afirma o pesquisador, lembrando que, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), foram estabelecidos 25 milhões de ha em reservas ecológicas no período.

Vulnerabilidade térmica
Do ponto de vista climático, Bornschein avalia que a espécie pode ser menos vulnerável no curto prazo do que alguns de seus parentes. Com a crise, o ambiente onde vive tende a subir, avançando sobre os campos de altitude, num “movimento que o anfíbio pode acompanhar com o avanço da vegetação”.
A principal ameaça, porém, vem de ações humanas mais diretas, como desmatamento e degradação das serras, ainda verdadeiras “ilhas no céu”. “Qualquer perturbação maior no ecossistema pode comprometer toda a população de uma vez”, resumiu Ribeiro.
Essa vulnerabilidade levou cientistas e ongs como a Mater Natura a defender o desenho de uma unidade de conservação que proteja as florestas nebulares e campos de altitude na região. A entidade ajudou a identificar quatro em cada dez das espécies do gênero Brachycephalus.

A proposta na mesa de negociações é a de um parque nacional abrigando parte das serras do Quiriri (SC) e do Araçatuba (PR), protegendo espécies endêmicas e serviços associados às montanhas, como fontes de água, turismo sustentável e estabilidade climática.
O parque, porém, não é consenso. Enquanto parlamentares asseguram que o traçado não atinge nenhuma família agricultora ou propriedades produtivas, outros políticos criticam seu desenho e restrições ao uso da terra, e cobram ampla participação social nos debates.
Por isso, o presidente da Mater Natura, Paulo Pizzi, defende que a decisão olhe além do curto prazo. “Se esses ambientes de montanha desaparecerem, perdemos não apenas espécies, mas também histórias evolutivas que ainda nem compreendemos por completo”, descreveu.
Isso evidencia que essa disputa vai muito além de proteger espécies ou de um traçado no mapa: envolve qual modelo de proteção e de desenvolvimento prevalecerá naquelas montanhas sulistas.

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