Era a primeira vez que dividia uma missão com meu companheiro fotógrafo Francisco Ipanaqué: percorrer durante dez dias a provincia de Sucumbíos, fronteira com a Colômbia, – na zona com a maior presença da guerrilheira das FARC – em buscas de áreas que poderiam trazer turismo local e internacional.
Propostas de turismo em Sucumbíos? A idéia retumbou em minha cabeça por conta da grande quantidade de notícias relacionadas à violência armada, exatamente naquela região.
Saímos de Quito, capital do Equador, 14 quilomêtros ao sul da linha equatorial que divide os hemisférios do planeta . Descemos pela cordilheira oriental, passamos ao pé do Reventador, um vulcão ativo que mais de uma vez, durante a última década, cubriu de cinzas a capital dos equatorianos.
Na zona urbana e na periferia, ou seja no coração dos assentamentos de colonos em Sucumbíos e no seu entorno imediato, os efeitos da exploração petroleira eram evidentes: piscinas negras e viscosas, torres metálicas das quais saiam enormes línguas de fogo, vegetação reduzida a arbustos amarelos e secos, tubos oxidados cortando a cobertura vegetal até onde a vista alcançava.
Para deixar este panorama, avançamos a um porto no rio Cuyabeno. Alugamos uma pequena voadeira que durante quatro horas nos levaria rio adentro em busca das áreas alagadas.
Bem quando o som do motor de popa começava a nos fazer dormir, o guia interropeu a jornada; caminhava cambaleando no centro da embarcação diante de nosso olhar absorto e com a mão direita dava pequenos golpes no casco. Depois de quinze segundos – que foram como horas em meio àquele silêncio infinito – o dorso de um boto cor de rosa surgiu timidamente, emitiu um pequeno som e novamente submergiu.
A experiência nos deixara atonitos: cetáceos de água doce!
Foi como despertar da letargia da viagem. Em nosso entorno já não havia mais as margens do rio. A inundação rodeava a copa das árvores. Havíamos chegado à reserva de Cuyabeno, vizinha mais próxima e irmã menor da reserva do Yasuní, onde está uma das reservas da biosfera mais grandes e completas do mundo.
Mas qual é a relação da reserva Cuyabeno, com que começo esta história, e a do Yasuni que é até onde queremos chegar com esta viagem?
Várias: a reserva de Cayabeno enfrenta uma sobre exploração turística, enquanto no Yasuní a Unesco interveio para preservá-la como zona de proteção integral. Ademais, em torno desta última o governo equatoriano levantou uma grande expectativa sobre a aplicação de um sistema de pagamentos por serviços ambientais: a não-exploração das maiores reservas petroleiras já encontradas no país para preservar o santuário natural.
Uma relação histórica.
Visualizar Yasuni – Equador em um mapa maior |
A relação do Equador com a Amazonia é tão velha quanto sua própria existência.. Historiadores reputam a este país a iniciativa de formar uma expedição que levou um punhado de espanhois e nativos a descubrirem o rio Amazonas, o mais cumprido e de maior superfície de todo o planeta; ícone da floresta na região ocidental do Equador, Peru e Brasil.
Mas por que então esta região de selva voltou a recuperar o protagonismo, que anteriormente era considerado quase como um mito?
Isso ocorreu graças à iniciativa chamada Yasuní ITT.
A iniciativa Yasuní Ishpingo Tambococha Tiputini – ITT é uma proposta governamental que busca deixar embaixo da terra 846 milhões de petróleo em troca de que a comunidade internacional entregue ao menos 50% do que o estado equatoriano ganharia por explorar o campo. A proposta foi elaborada em 2007 e já registra ingressos de ao menos 3,5 milhões de dólares.
Todo este petróleo está, em sua maior parte, debaixo do Parque Nacional Yasuní, uma reserva ecológica que protege o lugar com maior biodiversidade do planeta, em termos proporcionais. Esta região de 9,8 mil km2 foi declarada uma área protegida pelo governo equatoriano em 1979, e uma década depois a UNESCO considerou toda a zona uma Reserva da Biosfera, incluindo-a na lista dos patrimônios naturais da humanidade.
Biodiversidade
“Segundo a análises de dados realizada por pesquisadores dos Estados Unidos, Equador, Reino Unido e Alemanha no Ysuní, o parque abriga 150 espécies de anfíbios, 596 espécies de pássaros, 200 espécies de mamíferos e estima-se que apenas ali vivam 100 mil espécies de insetos.
Os cientistas também confirmaram que em um hectare do Ysuní, há mais espécies de árvores – cerca de 655 – do que a soma de todas as espécies nativas do Estados Unidos e Canadá. O número chega superar as 1100 espécies de árvores em uma área de 25 hectares.” A citação foi retirada de um estudo publicado em janeiro, na revista científica digital (acesso livre), Plos ONe
Para Gorky Villa, botânico equatoriano, integrante da organização Finding Species, e um dos autores do estudo. “Em um hectare do Ysuní há mais árvores, arbustos e cipos que emqualquer outro lugar do mundo.”
Deixar o petróleo debaixo da terra significa evitar a liberação na atmosfera de 400 milhões de toneladas cúbicas de dióxido de carbono.
As discórdias
No início de seu mandato, o governo do presidente Rafael Correa criou uma comissão encarregada de negociar o projeto Ysuni ITT, sobre o qual diversos países haviam expressado interesse em doar recursos em troca dos serviços ambientais prestados. A Alemanha encabeçava a lista com mais de 50 milhões de euros por ano.
A comissão tinha como líderes dois senhores considerados influentes em questões ambientais no governo da autodenominada Revolução Cidadã: Fánder Falconi e Roque Sevilla.
Falconi estava à frente do Ministério do Exterior/ Chancelaria e Sevilla havia sido alcade da capital Quito. Ambos encabeçavam uma delegação que assinaria os primeiros acordos com os países doadores, mais precisamente durante a Cúpula Mundial do Clima, em Copenhague, Dinamarca, em dezembro de 2009.
No entanto, a assinatura de um documento que criava a figura de fundo para a administração dos recursos que seriam doados, foi barrada pelo próprio presidente Rafeal Correa, que considerava tal negociação prejudicial ao interesses do país.
Concretamente, Correa se opunha a que a comunidade internacional administrasse o destino dos fundos que seriam entregues ao país em troca da exploração do petróleo. O argumento: um assunto de soberania.
Esta decisão agitou o meio político do Equador no último mês de janeiro, pois os dois homens fortes em questões ambientais no governo renunciaram à comissão que imediatamente foi reestruturada.
A imprensa local, como o jornal El Universo (www.eluniverso.com), o maior em circulação no país, tem colocado em dúvida a intenção do governo de preservar o petróleo sob a terra e denunciou a presença de máquinas nos limites da enorme reserva da biosfera.
“Faz mais de um ano, a Petroamazonas, empresa estatal, começou tarefas nos setores afastados do ITT. Hoje, as máquinas constroem um novo oleoduto até o campo Edén Yuturi, já em vistas em um plano de extração do petróleo cru do Ysuní”, afimou o Universo em sua investigação.
No início de fevereiro, o governo reiniciou as negociações de uma proposta e em meados do mês recebeu uma oferta do Egito.
E enquanto tudo isto vai acontecencdo, o Yasuni segue surpreendendo o mundo: de acordo com a Pontifícia Universidade Católica do Equador, em um boletim público, afirmou qua foram descobertas, na reserva, cinco novas espécies de rás.
A esperança do Yasuní, no momento, depende da política.
Ricardo Tello é jornalista free-lance. Foi editor dos diários El Universo de Guayaquil e El Tempo de Cuenca. Ganhou diversos prêmios como o Jorge Matilla Ortega, no Equador, e na primeira convocatória das Bolsas de Investigação Jornalística da Fundação Avina. Atualmente divide seu trabalho com a docência universitária.
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