Chico Mendes foi um herói ambiental?
De Marc Dourojeanni Prezado José Augusto: Gosto e valorizo muito as discordâncias expressadas com seriedade e bons argumentos o que, ademais, você sempre aplica nos seus textos. Após ler a sua coluna sobre Chico Mendes, com interesse e respeito, não consegui discrepar de muitas das suas reflexões gerais sobre o assunto, nem sobre o próprio personagem. Por exemplo, eu não teria sequer pensado no comentário que foi feito à minha coluna, no sentido de que a elevação do Chico Mendes ao status de herói responde a uma “carência de ídolos e mártires”. Também comparto as suas disquisições sobre o “que é um ambientalista?”. Não tive a intimidade que você e outros tiveram com Chico Mendes, mas, em razão do meu trabalho, conheci pessoalmente ao personagem e tive a oportunidade de escutá-lo falar em várias ocasiões. Admito que os discursos dele, como os de outros líderes dos povos da floresta, sempre me pareceram genuínos e que, em muitas ocasiões, não consegui reter lágrimas de emoção escutando-os. Por isso, concordo de bom grado que a indiscutível influência dos amigos e guias intelectuais do personagem pode ter sido, apenas, um suplemento à sua convicção ambiental e um refinamento estratégico para ter maior repercussão. Mas, a minha tese é que, para que alguém seja convertido em herói representativo de um objetivo social, neste caso a conservação da natureza e seus recursos, deve ter feito de modo consistente algo realmente significativo para seu beneficio. As lutas do Chico Mendes e dos seus companheiros da época, resultou apenas no estabelecimento das discutíveis reservas e assentamentos extrativistas. Para muitos, como bem se sabe, estas categorias são apenas processos de reforma agrária disfarçados de ambientalismo, que ademais já estão em plena decomposição. Os “empates”, ao contrário, aportaram muitos benefícios consideráveis para os seringueiros: posse segura da terra, possibilidade de fazer chácaras familiares, subsídios generosos, diversos serviços sociais, novas infra-estruturas, capacitação, opção de explorar madeira e muito apoio político de alguns partidos. Em contrapartida não aportaram praticamente nada para o objetivo de conservar a biodiversidade e usar adequadamente os recursos naturais. Pior ainda, a idéia de que as reservas extrativistas são “unidades de conservação” vendeu aos políticos e à cidadania a atrativa, embora mentirosa tese de que a natureza pode ser preservada explorando-a e transformando-a em ambientes antrópicos. Suponho que você e eu não chegaremos a um consenso neste tema, nem é necessário. Como você, acho que é um assunto importante, cuja discussão não diminui a transcendência do personagem na história da Amazônia. Cordialmente →