Nas últimas três semanas o leitor e eu temos transitado pelo velho Caminho do Ouro de Mambucaba, também conhecido como Estrada Cesarea. Ele é demorado mesmo. Rico em história e margeado por fascinante natureza, está contudo seriamente ameaçado pela depredação e pela falta de cuidado. Oxalá o Plano de Manejo do Parque Nacional da Bocaina, recém saído do forno, salte para fora do papel e seja executado, preservando para as gerações futuras esse patrimônio de todos os brasileiros.
Após anos em desuso por conta da decadência da produção de ouro em Minas, o advento do ciclo do café no Vale do Paraíba, em meados do século XIX, fez com que os fazendeiros voltassem a utilizar a trilha de Mambucaba extensivamente. O fluxo de comboios cafeeiros à Mambucaba transformou a trilha quase em uma rodovia, sempre abarrotada de animais cargueiros- os caminhões de outrora.
Tão potente foi a revolução econômica provocada pelo café no Vale do Paraíba que Areias, São José do Barreiro e, tributariamente, Bananal -os principais destinos da Estrada Cesarea durante o ciclo desse produto – tornaram-se no espaço de 50 anos os municípios mais ricos do Brasil
Debret, em sua viagem a São Paulo, em 1827, já há muito findo o ciclo aurífero, mas apenas incipiente o seu congênere cafeeiro, pintou a Bananal e a Areias de então. A primeira não passava de uma rua cercada de morros pelados, enquanto a segunda em pouco lhe excedia, sendo também de pífias dimensões. Quanto a Barreiro, era tão insignificante que sequer foi retratada pelo artista francês.
De fato, Bananal foi elevada à categoria de vila somente em 1832, ganhando o estatuto de cidade 17 anos depois, em 1849. Areias, de outra parte, virou vila em 1816, ao passo que São José do Barreiro foi fundada apenas na década de 1820. Alguns anos depois, em meados do século XIX, as três localidades juntas eram responsáveis pela exportação de um milhão trezentas e setenta mil arrobas de café por ano, sendo a parcela de Barreiro e Areias -os maiores utilitários do caminho de Mambucaba – de aproximadamente quatrocentas mil arrobas, uma produção de vulto que justificaria plenamente a manutenção da Trilha, com o intuito de escoar a produção.
Ainda que a Estrada Cesarea tenha servido ao ouro, foi o café que enriqueceu Mambucaba. Essa pequena vila, beneficiada por ser porto terminal da trilha procedente do Vale do Paraíba, cresceu à larga no ciclo da rubiácea. Com o dinheiro advindo desse comércio, ergueu em 1834 um imponente templo católico, a igreja de Nossa Senhora do Rosário que, recentemente restaurada, pode ser ainda hoje visitada. Poucos anos depois, na década de 1850, repetindo em menor escala a sorte de suas vizinhas Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty, todas destino de trilhas mais movimentadas, Mambucaba havia se tornado uma localidade florescente. Por essa época a vila tinha teatro, loja maçônica e até um vice-consulado da França.
A Estrada Cesarea foi utilizada também de forma extensiva para o contrabando de escravos, cuja importação cessara oficialmente em 1850 com a lei Euzébio de Queiróz. Tal tráfico, patrocinado por um rico fazendeiro de Bananal, o comendador Manuel de Aguiar Vallim, era tão ostensivo que Joaquim Nabuco gestionou com sucesso junto ao Imperador para que não lhe fosse o título de Barão de Bananal.
Ainda no século passado, segundo Alcir Lenharo, as trilhas que iam ter aos portos da região da Baía da Ilha Grande serviam também para escoar as produções de milho, fumo e farinha de mandioca. Dados confirmados por outros viajantes de antanho, que informam ter sido a produção de gêneros alimentícios da Barreiro daqueles tempos superior às suas necessidades.
Quanto ao calçamento, tão visível ainda nos dias de hoje na Estrada Cesarea, não há dúvida de que já existia em meados do século passado. A questão é se de fato ele já existia em 1740, como afirmam Gurgel e Amaral, ou se só teria sido executado com o advento do café.
A trilha de Paraty foi pavimentada (ou reformada) em seus trechos mais difíceis, a partir de 1825. Para cobrir esse custo estabeleceu-se um pedágio e, no ano de 1835, Maia cita que o caminho “teve 30 braças empedradas com a largura de 20 palmos”.
Juntando-se essa informação aos apontamentos de Emílio Zaluar, que, em 1859, de viagem do Rio para São Paulo teceu alguns comentários interessantes sobre o Caminho do Ouro de Mambucaba, pode-se inferir que também a estrada Cesarea tenha sido calçada durante o Ciclo do Café. Fica no ar, todavia, a dúvida a respeito da pavimentação anterior a esta data em alguns trechos. A despeito de hoje conhecermos a trilha por Travessia Barreiro—Mambucaba, vale ressaltar ter Zaluar informado que essa Estrada dirigia-se, no seu ramal principal, não a São José do Barreiro, mas a Areias:
Os municípios do norte da província de São Paulo, segundo me informam, têm todos estradas que se dirigem para o litoral, feitas às custas dos cofres provinciais; porém o do Barreiro não goza do mesmo benefício, e para transportar seus produtos a Mambucaba, que é o porto mais próximo mantém três caminhos que confluem de diversos pontos do município (quer-se crer Formoso, Arapeí e o próprio Barreiro) à estrada Cesarea (de Areas a Mambucaba), tendo qualquer uma delas a extensão de duas léguas e uma mais de três” (1 légua = 6,17 km). Esta Vila nunca obteve quantia alguma da tesouraria provincial, não só para a fatura como para a manutenção dêstes caminhos, de modo que só os municípios têm carregado com toda a despesa; e, utilizando-se apenas pouco mais de duas léguas da estrada Cesarea, pagam no entanto os impostos de barreira, sem que lhes leve em conta esta justa consideração.
As estradas mais importantes desse Município (Areias) são a estrada geral de São Paulo e a chamada Cesarea, que comunica essa localidade com o porto de Mambucaba, e por onde se faz a importação dos produtos comerciais e agrícolas. Esta estrada tem onze léguas de extensão e está mal conservada, excetuando a parte que pertence à província do Rio de Janeiro, que se acha quase toda empedrada.
Mesmo em nossos dias, o lado paulista da Estrada Cesarea é menos pavimentado que o seu equivalente fluminense. Este contudo, a continuar o veloz ritmo de depredação a que está submetido, seja pela ausência completa de manutenção, seja pela erosão natural, seja pela retirada criminosa dos pés-de- moleque para a edificação de muros e residências, logo ficará tão despavimentado quanto o lado paulista.
Semana que vem eu concluo.
Leia também
Responsabilização por crimes ambientais na Amazônia é destaque de oficina online
Realizada pelo projeto JusAmazônia, evento vai reunir representantes do Sistema de Justiça para o debate sobre desafios e prioridades para o acesso à justiça no bioma →
PEC das Praias ressurge na CCJ do Senado e pode ser votada nesta quarta
Proposta que transfere terrenos da União no litoral teve repercussão negativa entre maio e junho; novo relatório de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tenta suavizar texto, mas problemas permanecem →
Países não conseguem chegar a um acordo para combater poluição plástica
A expectativa era finalizar o tratado global neste domingo (01), mas não se chegou a um entendimento do que ou como fazer isso →