Sempre causa espanto, indignação e aquela sensação de “o que diabo é isto?” quando a gente vê instâncias governamentais que supostamente deveriam proteger o ambiente tomarem decisões que fazem exatamente o contrário.
Foi o caso da aprovação da Resolução 457 do CONAMA, de 26 de junho, que possibilita que pessoas físicas tenham a guarda de animais silvestres apreendidos. Dia de festa para traficantes de animais! Com direito a bolo e velinhas. O presente fica por conta do próprio CONAMA!
Agora, pessoas que mantém animais ilegalmente podem ficar com eles, caso Centros de Triagem não possam recebê-los. É algo assim como você poder ficar com as galinhas que roubou se o galinheiro do dono estiver muito cheio.
A Resolução 457 tem sido apontada, com certa razão, como um documento que legaliza o tráfico de animais no país. O traficante pode capturar os animais e entregá-los voluntariamente ao IBAMA, que devolve e ainda dá a guarda, até que seja dada a destinação adequada, o que pode não acontecer nunca. Está fácil ou está muito fácil?
A medida, que tem a principal função de “desafogar” os Centros de Triagem, deve ter como consequência imediata o aumento da retirada de animais na natureza, afinal, facilitou para quem for pego mantendo animais ilegalmente.
Ou seja, resolve um problema causando um outro maior.
Serão três possibilidades de manter os animais:
Termo de Depósito de Animal Silvestre (TDAS): Provisório. O infrator se responsabiliza pela manutenção e manejo do animal apreendido.
Termo de Guarda de Animal Silvestre (TGAS): Provisório. O interessado, que não detinha o espécime e se cadastrar, assume voluntariamente o dever de guarda de animais resgatados, entregues espontaneamente ou apreendidos, enquanto não houver outra destinação.
Termo de depósito preliminar: Provisório. Feito pelo agente fiscalizador no momento da apreensão que, mediante justificativa, pode confiar o animal apreendido ao autuado até que lhe seja dada outra destinação.
Claro que existem muitas regras para que as pessoas possam manter os animais, que preferencialmente devem ir para os CETAS, mas eu, você e o coelhinho da páscoa sabemos que o estado não tem condições de fiscalizar o cumprimento destas regras, principalmente levando-se em conta o volume de animais que certamente vai “aparecer”.
Uma das regras é que o “interessado” tenha condições econômicas de manter os animais e espaço físico para isto. Como exatamente será avaliada a condição econômica? Quem vai lá checar o espaço? A Resolução 457 só prevê que o interessado apresente uma “declaração de capacidade de manutenção do animal”.
A guarda provisória não pode ser concedida a animais da Classe Reptilia e Aves da Ordem Passeriformes com distribuição geográfica coincidente com o local da apreensão, o que é interessante, pois se considerarmos que cerca de 90% das apreensões de passeriformes são de aves de ocorrência local, espera-se que sejam feitos poucos TDAS Termo de Depósito de Animal Silvestre) ou TGAS (Termo de Guarda de Animal Silvestre) para estas espécies, certo? Vamos observar.
Também não podem ser objeto de TDAS animais silvestres vítimas de maus tratos comprovados por laudo técnico. Vocês têm ideia de quantos laudos técnicos deverão ser elaborados? O Estado tem condições de fazer isto? Quais os critérios para constatação de maus tratos?
Outra inconsistência da Resolução: interessados em firmar Termos de Depósito ou Termos de Guarda de Animal Silvestre deverão estar inscritos em cadastro informatizado próprio que será criado. Quer dizer que um traficante deve se cadastrar antes de ser preso? Tipo, cadastra antes e, se um dia for pego, já está tudo certinho para firmar um Termo de Depósito de Animal Silvestre. Parabéns, CONAMA!
Quem sofre para usar o SISFAUNA, sistema informatizado de registro de animais em cativeiro, que foi criado a mais de 5 anos e ainda não funciona de forma eficiente, vê com ceticismo a criação de outro sistema.
Para o cadastro neste novo sistema, a pessoa precisa, além de enviar fotos dos recintos (ainda não entendi quem vai lá para comprovar que as fotos são mesmo do local), o interessado precisa acrescentar “fotografia do animal em, no mínimo, dois ângulos que permitam a identificação individual do espécime”. Vai ser muito interessante ver se alguém consegue, por exemplo, identificar montes de coleirinhos por foto. E o que acontecerá se aves forem fotografadas quando jovens, como serão identificadas posteriormente como adultos? Este é o tipo de regra “de papel”, que fica interessante escrita mas que não é factível, e é, portanto, inútil.
Depois de cumpridas todas as exigências (o que pode levar até 60 dias), muitas delas inconsistentes, se o depósito não for concedido, o órgão ambiental tem 30 dias para retirar os animais….que é claro, podem “morrer” neste período total de 90 dias.
Outros “furos” na resolução são a indefinição sobre o número máximo de animais para estabelecimento de Termos de Depósito de Animal Silvestre TDAS. No caso de Termos de Guarda de Animal Silvestre, o máximo são 10 animais. A Resolução 457 também não especifica nada sobre proibir a reprodução dos animais.
A Resolução 457 do CONAMA teve o bom senso de ao menos excluir desta “festa” espécies ameaçadas (salvo casos com a anuência do IBAMA), mérito anulado pelo fato de que a pressão de retirada de animais da natureza que ela deve gerar pode colocar espécies em risco.
A Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB) posicionou-se contra a Resolução 457, por considerá-la um estímulo direto à retirada de animais da natureza para o comércio ilegal, que é uma das principais causas de ameaça para muitas espécies.
*O texto acima foi inicialmente publicado no Facebook da SZA e republicado em ((o))eco com a permissão da autora.
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Resolução 457
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Diante disso temos uma certeza. Quem decide atuar na área ambiental com caráter conservacionista, precisa estudar muito de legislação. As universidades estão defasadas nesse sentido.