O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta sexta-feira, 13 de maio, um levantamento inédito sobre a gestão ambiental dos 5.560 municípios do país. O trabalho faz parte do Perfil dos Municípios Brasileiros, que está em sua terceira edição, mas esta foi a primeira vez que o Meio Ambiente foi abordado de maneira específica. E detalhada.
Com quase 400 páginas, o suplemento é baseado em questionários respondidos pelos gestores municipais. O resultado é um amplo panorama que passa pela estrutura administrativa das cidades, os recursos financeiros, a legislação, as unidades de conservação, as condições ambientais e os instrumentos e ações do poder público.
Como o documento parte de respostas subjetivas, não serve para medir dados concretos, como a quantidade de poluição ou a área de desmatamento. Mas revela a visão estratégica dos secretários de Meio Ambiente e prefeitos sobre os desafios que têm pela frente. Ou a falta de visão.
Fica evidente o desconhecimento e despreparo de boa parte dos responsáveis pelo meio ambiente na esfera municipal. Um em cada quatro municípios brasileiros (23,3%) não reconhece a existência, em seu território, de nenhum tipo de problema ambiental. No mapa acima, eles são ilustrados pelas bolinhas verdes (as bolinhas vermelhas indicam os 229 municípios que disseram enfrentar todos os problemas ambientais propostos pelo IBGE). Desconsiderando a hipótese de existir essa quantidade de paraísos ecológicos no país, só há duas explicações possíveis para isso: ou esses gestores estão escondendo o jogo ou fizeram a pesquisa de má vontade. Em ambos os casos, é preocupante.
O “otimismo” também se revela quando o assunto são alterações ambientais que tenham afetado a população nos últimos 24 meses (os dados são de 2002): 59% dos municípios garantem que não sofreram desse mal. Surpreende que tal leitura da realidade não acometa apenas as prefeituras de cidades pequenas e bucólicas. Nove entre os 33 municípios com mais de 500 mil habitantes também não identificam motivos recentes de preocupação ambiental: Belém (PA), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Guarulhos (SP), Porto Alegre (RS), São Gonçalo (RJ), Sorocaba (SP) e Uberlândia (MG).
Entre os municípios que reconhecem alterações ambientais marcantes, destacam-se os seguintes problemas: esgoto a céu aberto (46%), desmatamento (45%), queimadas (42%) e presença de vetores de doença (40%). Nas grandes cidades, o segundo e terceiro lugares ficam para a ocupação irregular de território e a poluição sonora, respectivamente.
A análise das respostas por sua distribuição geográfica revela alguns fatos novos e preocupantes. Os municípios ao norte do rio Amazonas, em Roraima, no Amapá e no norte do Pará informam, de maneira bastante homogênea, a existência de desmatamento e queimadas em suas regiões. Os pesquisadores alertam que este pode ser um aviso para a formação de um novo arco do desmatamento no norte da Amazônia (mapa). Tudo indica que a devastação na área ainda está em estágio inicial, uma vez que nem os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectaram essas atividades. O que dá tempo aos governos de tomar medidas para conter a destruição.
Também na Amazônia Legal, o documento analisou a situação na área de influência da BR-163, cujo asfaltamento é uma das obras prioritárias do governo e afetará 67 municípios do Mato Grosso (34), Pará (28) e Amazonas (5). A julgar pela pesquisa, essas prefeituras não estão aptas a lidar com o impacto ambiental que a rodovia, ligando Cuiabá (MT) a Santarém (PA), causará. Apenas 25% delas têm algum tipo de legislação ambiental, contra uma média nacional de 43%. Os gestores, principalmente os de Mato Grosso, também não reconhecem a existência de queimadas e desmatamentos na área, contrariando os dados oficiais. No mapa ao lado vê-se a área de influência da BR-163, com os municípios que responderam não enfrentar queimada ou desmatamento, e os focos de incêndio detectados pelo IBGE.
Segundo o documento, esta disparidade ocorre por causa dos interesses econômicos envolvidos no empreendimento. Os gestores não informam o problema por receio de ver comprometida a promessa de “progresso” que a obra anuncia. Além disso, os políticos locais interpretam as alterações ambientais como benéficas à economia. O prejuízo ecológico seria, quando muito, “um mal necessário”.
Esta visão, no entanto, não é compartilhada pelo resto do país. Pelo contrário: várias respostas revelam como a degradação ambiental prejudica a economia. Quase a metade dos municípios brasileiros (47%) afirma que pelo menos uma de suas atividades primárias (pesca, agricultura ou pecuária) foi afetada por impactos ambientais. As cidades dependentes da pesca mencionaram a diminuição da quantidade e qualidade da produção, associada a fatores como a degradação da mata ciliar, o assoreamento dos rios e a pesca predatória. Na agricultura, os principais problemas apontados foram a escassez de água e a erosão de solo. Também os municípios ligados à pecuária, de forma quase unânime (93,3%), revelam ter problemas relacionados à escassez ou qualidade da água.
É nesta consciência da necessidade de preservação ambiental para a manutenção das práticas econômicas que pode estar a chave de novas medidas que favoreçam o desenvolvimento sustentável.
Talvez por isso, é possível constatar que pouco a pouco crescem as iniciativas políticas na área ambiental. O estudo mostra que 389 cidades recebem verbas do ICMS Ecológico, mecanismo fiscal que destina recursos do estado para municípios que desenvolverem projetos ambientais. Mas a maioria dessas ações está concentrada nos estados de Minas Gerais e Paraná (81%). No estado de São Paulo, onde o ICMS Ecológico foi implantado há 12 anos, apenas 5% dos municípios recebem o incentivo.
Segundo os pesquisadores do IBGE, o ICMS Ecológico pode favorecer a criação de unidades de conservação municipais, um tipo ainda pouco explorado de área protegida. A maioria das unidades de conservação ainda é gerida pelos estados e pela União.
O Brasil tem 689 unidades de conservação municipais distribuídas em apenas 439 cidades (8% do total). Apesar disso, 948 municípios informaram ter áreas protegidas. A diferença se explica pelo desconhecimento dos gestores (que declararam terras indígenas como ambientais e áreas federais como sendo municipais) ou por problemas técnicos que impedem as reservas de integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O que levou os pesquisadores à conclusão de que os municípios não estão a par das normas de criação, implantação e gestão de unidades de conservação.
A maioria das reservas é constituída por Áreas de Proteção Ambiental (APA), cuja utilização para atividades econômicas é mais flexível. São 94% delas, abrangendo 7,7 milhões de hectares. Os outros 6% constituem áreas de proteção integral, somando cerca de 3,3 milhões de hectares.
De todo modo, os municípios não podem enfrentar os problemas ambientais de forma isolada. A pesquisa chama a atenção para a importância da articulação entre eles. Um quinto das prefeituras disse participar de algum consórcio intermunicipal na área ambiental.
Exemplo claro desta necessidade é o projeto da transposição do rio São Francisco, cuja área de influência atinge cerca de 8% da população brasileira em 505 municípios. Os pesquisadores destacaram o grau de mobilização da sociedade civil na região, ao mostrar que 72% dessas cidades participam de comitês hidrográficos para deliberar sobre a proteção do rio. Não por acaso, o dano ambiental mais apontado pelos municípios ao longo do São Francisco tem relação com os recursos hídricos: é o assoreamento (57%), cujas principais causas são o desmatamento (79%) e a degradação de mata ciliar (72%). A situação é mais grave em Minas Gerais, onde todas as cidades banhadas pelo rio detectaram assoreamento.
Deixando de lado o despreparo dos políticos – mal que não é exclusivo da área ambiental – é possível extrair diversas conclusões da pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros. Entre elas, sobressai a demanda pela institucionalização do meio ambiente nos municípios, indispensável para o fortalecimento das ações para a sua preservação, bem como para o aumento da captação de recursos para o setor.
Leia também
Novas espécies de sapos dão pistas sobre a história geológica da Amazônia
Exames de DNA feitos em duas espécies novas de sapos apontam para um ancestral comum, que viveu nas montanhas do norte do estado do Amazonas há 55 milhões de anos, revelando que a serra daquela região sofreu alterações significativas →
Documentário aborda as diversas facetas do fogo no Pantanal
“Fogo Pantanal Fogo” retrata o impacto devastador dos incêndios de 2024 sobre o cotidiano de ribeirinhos e pantaneiros e as consequências das queimadas para a biodiversidade →
R$ 100 milhões serão destinados à recuperação de vegetação nativa na Amazônia
Com dois primeiros editais lançados, programa Restaura Amazônia conta com recursos do Fundo Amazônia e da Petrobras →