Reportagens

Desmatamento quase perfeito

Bairro nobre de Florianópolis foi palco de um crime com requintes de crueldade. As árvores cortadas eram queimadas e enterradas para não deixar provas.

Fabrício Escandiuzzi ·
15 de fevereiro de 2005 · 20 anos atrás

As matas do Jurerê Internacional, um dos bairros mais nobres e caros da ilha de Florianópolis, em Santa Catarina, foram vítimas de um crime ambiental digno de página policial. Cerca de 42 mil hectares de florestas nativa, área equivalente a 42 mil campos de futebol, foram desmatados na surdina e as provas enterradas. Literalmente. Para não levantar suspeitas, as árvores foram arrancadas, queimadas e soterradas. O crime demorou seis anos para ser descoberto pelo Ibama.

O analista ambiental Apoena Calixto Figueroa explicou que o Ibama só constatou o desmatamento em outubro do ano passado. Em agosto, o instituto começou a receber denúncias de que havia focos de fumaça numa mata próxima ao Jurerê. Para desvendar o mistério, foi feito um sobrevôo e utilizadas fotos aéreas da região. “Comparamos com fotos de satélite de 1998 e vimos que metade da área já havia sido desmatada”, revela.

O crime foi executado paulatinamente, desde 1999. As árvores cortadas estavam dentro de uma propriedade particular, mas numa área de preservação permanente que abriga espécies ameaçadas de extinção. Entre elas o jacaré-de-papo-amarelo e a lontra.

A área desmatada fica às margens do rio Papaquara, na divisa com a Estação Ecológica de Carijós, mantida pelo Governo Federal. O local é de difícil acesso e como o Jurerê Internacional fica no norte da ilha e o aeroporto no sul, raramente o bairro é sobrevoado. O desmatamento ocorreu nos fundos do terreno e a um quilômetro da área residencial do Jurerê.

Apoena explica que a área era composta de restinga arbórea em estágio avançado de recuperação e contribuía para a formação de um manguezal. Por isso não seria possível conceder licença para a derrubada. “Acredito que vai levar de 40 a 50 anos para recuperar a área no estágio em que se encontrava. Sem contar o prejuízo irrecuperável para a fauna que existia ali”.

O terreno pertence à Agropastoril e Construtora Celso Ramos (ACCR), da família Ramos, uma das mais tradicionais e influentes da política catarinense. O patriarca, Celso Ramos, foi governador do Estado de 1961 a 1966. O Ibama multou a empresa em 400 mil reais, mas por ser reincidente ela terá que pagar o triplo deste valor. A multa anterior referia-se a um desmatamento de 2 hectares na mesma área.

O Ibama busca agora obter uma medida judicial para evitar que novos problemas aconteçam na região. “Vamos tentar embargar administrativamente o local. O Ministério Público Federal já entrou no caso e estamos aguardando a Justiça emitir o embargo”, informa Apoena.

A explosão imobiliária vem crescendo na capital catarinense nos últimos anos. Muito se comentou em Florianópolis de que no local do desmatamento seria construído um grande empreendimento imobiliário com importantes empresas de São Paulo. O fato foi negado pela construtora. A assessoria de imprensa da ACCR informou que não tem o que dizer sobre o desmatamento e que irá atender a todas as solicitações legais que lhe forem requeridas.

A defesa perante o Ibama já foi apresentada – e indeferida. O instituto vem monitorando constantemente o local via satélite.

* Fabrício Escandiuzzi é jornalista e bacharel em direito. Colabora com as revistas Época e Criativa.

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