Todos os dias, pela manhã, Andréa Catani segue o mesmo ritual. Acorda por volta das 6 horas, toma café da manhã, coloca uma roupa confortável e sai para trabalhar. Mas ao contrário dos paulistanos que utilizam transportes motorizados a combustível para chegar ao local de emprego, a atleta e gerente comercial de 34 anos tem como principal meio de locomoção um instrumento muito mais simples, econômico e saudável: a bicicleta. Para manter seu condicionamento físico, pedala cerca de 45 minutos até chegar à empresa em que trabalha. No caminho, enfrenta diversos obstáculos – o grande fluxo de automóveis e pedestres, a falta de segurança e a indiferença com que os motoristas tratam os ciclistas. Mas o principal é a poluição da capital.
Especialmente em dias mais secos, quando a umidade do ar gira em torno de apenas 20%. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os gases tóxicos eliminados por escapamentos de veículos e a fumaça despejada de grandes indústrias são ainda mais prejudiciais nessas condições, provocando doenças respiratórias e atrapalhando o rendimento dos esportistas. “Uma vez, no inverno passado, eu estava indo para o trabalho e passei de bike por um túnel daqui. Quando estava no meio do caminho, minha garganta simplesmente grudou. Foi uma coisa muito estranha, que nunca tinha acontecido antes. Fiquei com o nariz ardendo, sem conseguir falar e ainda saí de lá muito cansada”, lembra Andréa. A falta de vento dentro dos túneis agrava a situação, impedindo a circulação do ar e concentrando os gases em um só local.
A ciclista diz não tomar muitas precauções em relação à poluição, a não ser evitar pedalar atrás de ônibus e caminhões. Quando chega ao trabalho, Andréa tem um kit de higiene e beleza à sua espera, que utiliza para limpar o rosto e se livrar dos resquícios da fuligem. O algodão sai preto de sujeira. Apesar de todos os contratempos, ela não desiste de ter sua bicicleta sempre por perto. “Acho que pedalar em ambientes poluídos faz mal, mas deixar o esporte é ainda mais prejudicial à saúde. Percebo isso pelo meu condicionamento físico. Quando abandono a bike, rendo bem menos”, conta a gerente comercial, que também costuma atender seus clientes de bicicleta e já chegou a pedalar 90 quilômetros em um só dia.
Adeptos do rapel e da escalada também sentem os efeitos dos gases tóxicos quando colocam em prática suas habilidades. A ponte da avenida Sumaré, na região oeste da capital, é o principal ponto de encontro dos rapeleiros em São Paulo. Aos sábados e domingos ou na madrugada de dias de semana, os esportistas se reúnem para se aventurar pendurados em cordas de fibra sintética e mosquetões (peça de alumínio que prende a pessoa à corda). “Normalmente, fazemos num horário com menos trânsito, para evitar a poluição e o barulho dos veículos”, diz o auxiliar de farmácia Marcos Hortencio Junior, que desde 1997 faz rapel na ponte.
Também adepto da escalada, ele é grande conhecedor das técnicas do esporte e não abre mão de se aventurar nos horários de folga. Hortencio já escalou em diversos morros e pedreiras da região e explica que, quanto mais afastado de São Paulo, menos poluído é o local. “Quando estamos a mais ou menos 100 quilômetros da capital já percebemos a pureza do ar pelas características das rochas. Se olharmos com atenção, vemos alguns liquens que só sobrevivem em locais sem poluição. Essa é a maneira mais simples de se verificar as condições do ambiente”.
A poluição das águas é tão prejudicial à saúde quanto a do ar. Estar em contato com rios ou córregos contaminados por esgotos pode provocar diversos tipos de moléstias, como cólera, hepatite infecciosa, desinteria, micoses, conjuntivites e febre tifóide. De acordo com o Ministério da Saúde, 70% dos leitos hospitalares no Brasil são ocupados por pessoas que contraíram doenças transmitidas por águas poluídas. Mas como é muito difícil encontrar rios completamente limpos, grande parte da população ignora o problema e utiliza as águas para o lazer, mesmo que infectadas por bactérias patogênicas.
A represa de Guarapiranga, maior reservatório de água de São Paulo, é reduto de esportistas que buscam diversão e aventura mas não se preocupam com a poluição. Ao sul da cidade, próximo à Baixada Santista, o reservatório é o maior da capital e também cenário para a prática de esportes radicais nos finais de semana. Centenas de atletas suam pelos 637 km² do reservatório. Segundo relatório da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), a qualidade da água na represa é apenas regular, o que representa considerável grau de risco para os banhistas.
Paulo Rodrigues, mais conhecido pelo apelido Pêra, é dono do Centro de Vela Esportiva localizado no manancial e, há mais de dez anos, está em contato com as águas de Guarapiranga. “Existe um conjunto de fatores que prejudica as condições da represa”, avalia. Uma das causas da degradação ambiental, segundo ele, é a habitação irregular ao longo das margens do reservatório. “Às vezes, encontramos alguns dejetos flutuando, como sacos plásticos. O mau cheiro também incomoda bastante”, diz.
Navegador desde 1972 e dono de importantes títulos nacionais em campeonatos de vela, Rodrigues é grande conhecedor do local e tomou parte em um episódio que marcou a história de Guarapiranga. “Em meados dos anos 90, uma quantidade considerável de algas verdes apareceu nas águas do reservatório”, conta. Essas algas são tóxicas e surgiram na represa por causa dos esgotos que eram despejados no local. Isso provocou a perda na qualidade da água, deixando-a com cheiro e gosto ruins. “Hoje a situação já melhorou bastante”, diz Rodrigues.
Treinadora e corredora de aventura, há seis anos Gabriela de Carvalho participa de competições que misturam modalidades esportivas como canoagem, rapel, mountain bike, técnicas radicais e trekking. Durante as provas, chega a passar até sete dias no meio da mata, dorme no chão e toma água dos rios. “Normalmente, levamos um tipo de cloro para pingar na água. Mas como o tempo é fator determinante durante a corrida, muitas vezes deixamos de tomar esse tipo de cuidado. Já aconteceu de eu voltar para casa com diarréia”, diz.
Além de ser prejudicial à saúde, a poluição ambiental pode acabar desestimulando a prática de esportes em contato com a natureza. “Como estamos em contato direto com a natureza, não esperamos encontrar algo que vai contra ela. Teve uma prova, em especial, em que o rio tinha tanto lixo e cheiro ruim que fiquei desmotivada”, lamenta Gabriela, referindo-se a uma competição da qual participou recentemente na cidade de Cubatão (localizada ao pé da Serra do Mar, a 57 km de São Paulo). “É até perigoso contaminar os alimentos, já que nossas mochilas acabam em contato com o rio durante as provas”, observa.
* Aline Ribeiro é repórter em São Paulo e, atualmente, colaboradora da revista Exame.
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