Seu nome é Pale Male. Seu endereço, um dos metros quadrados mais caros do mundo – a cobertura sobre o 12º andar do número 927 da Quinta Avenida, quase esquina com a rua 74, em Manhattan. Um apartamento neste prédio é avaliado entre 10 e 15 milhões de dólares. Com vista para o Central Park, Pale Male divide o prédio com moradores como a atriz Mary Tyler Moore e Paula Zahn, apresentadora do canal CNN. Woody Allen mora no prédio ao lado.
Tão conhecido em Nova York quanto seus célebres vizinhos, esta história poderia ser a de mais um milionário engomado do bairro, não fosse Pale Male um falcão.
Além de ser tema de dois documentários e um livro, em dezembro passado ele ganhou a mídia local e mundial quando foi expulso do prédio por moradores que alegavam que os restos de seus alimentos, como ossos, caíam sobre a calçada. O ninho foi removido. Mas a história não parou por aí. Afinal, estamos em Nova York. Um movimento popular conseguiu reconduzi-lo ao lar, e à fama.
Aos 14 anos, Pale (pálido) Male (macho) – apelido dado por um observador de pássaro, por causa de sua plumagem clara – é uma das maiores atrações do lado leste do Central Park. Dezenas de pessoas aglomeram-se diariamente, inverno ou verão, desde as 5 da manhã, munidas de telescópios e binóculos, para observar o ninho construído sobre uma cornija. Elas acompanham cada passo, cada vôo, cada quebrada de ovo – y otras cositas más. “Ora, esta é a cidade do Sex and the City”, alega uma observadora.
Um dos visitantes no feriado da semana passada era a paulista Rachel Muszkat, residente na cidade, que levava seus três filhos, Johnattan, Daniel e Michelle, para observar os pássaros no telescópio de plantão. “Olha o ninho, filho, você está vendo?”, perguntava ela enquanto carregava um deles no colo. Empresas doaram o equipamento especialmente para a causa – eles ficam sob tutela dos apaixonados observadores. O lugar de observação, em frente a um lago, chega a ser fotografado em álbuns de casamentos de chineses que, tradicionalmente, tiram suas fotos no parque. Um site na Internet acompanha o dia-a-dia do amado predador.
Com apenas um ano de idade, Pale Male construiu um ninho sobre a marquise superior do prédio e lá ficou. Ele dispõe de uma vista total sobre seu território e o edifício tem como vantagem grades pontudas que assustam pombos. Há também uma marquise de um metro que protege o ninho do sol e de vento. “Pale Male procurou vários lugares antes de escolher o luxuoso endereço”, explica o radialista Bill Fowler, devoto observador da ave. “Primeiramente, ele tentou construir o ninho sobre uma árvore. Mas alguns corvos tentaram derrubar – eles não queriam falcões naquelas árvores”, explica Bill. “Foi aí que ele partiu para a busca de prédios”. Sorte dele, que não dependeu dos ávidos corretores nova-iorquinos.
Pale Male casou-se quatro vezes, teve 26 filhotes, 23 sobreviveram e hoje moram no parque. Sua amada chama-se Lola. “Ela tem quase o dobro do tamanho dele”, conta Bill (foto). “Isso faz sentido, pois é ela quem carega ovos do tamanho de bolas de beisebol. Por outro lado, ele é mais aerodinâmico, um ótimo voador”, acrescenta. Bill conta que, originalmente, Lola era chamada de Lolita, por ser bem mais nova que Pale Male. “Quando ela amadureceu, trocamos por Lola”, lembra. Quando há ovos no ninho, Lola senta-se sobre eles para mantê-los aquecidos. Mas Pale Male não é machista – ele a deixa sair duas ou três vezes por dia para dar uma voadinha. Se ela ficasse sentada durante seis ou oito semanas seguidas, sem uma pausa sequer, acabaria atrofiando seus músculos. Quando Lola sai, Pale Male pousa no ninho e ocupa seu lugar sobre os ovos. Quando ela volta, ele deixa o ninho em busca de alimento para a amada: pombos, esquilos ou ratos. Quando os filhotes nascem, faz a mesma coisa. Pale Male traz a caça, Lola alimenta a prole e depois deixa as crias com o pai. Pega o que sobrou e vai para o parque comer sozinha, para que os filhotes não a perturbem durante a refeição.
Três dos filhotes de Pale Male e Lola já são “casados”. Eles voltam para casa, dão alô para os pais, mas não moram mais com eles. No parque, cada falcão, ou cada casal, domina um território de 1,5 quilômetro quadrado. Isso indica que eles já aprenderam a viver como verdadeiros nova-iorquinos – abrem mão do espaço pessoal para estar na cidade de Frank Sinatra. Para comparar, num ambiente selvagem, eles teriam de 8 a 16 quilômetros quadrados para viver. A explicação é simples. “O parque é tão rico em comida que parece um supermercado. Aqui eles encontram pombos, ratos, esquilos, pássaros. Não há como abrir mão de tudo isso tão facilmente”, diz Bill.
Ao contrário de 15 anos atrás, falcões são relativamente comuns na região de Nova York e no resto do nordeste americano. A espécie migra do México, e segue a rota migratória do Atlântico – da qual Nova York faz parte. “Depois de sobrevoar o Atlântico, elas chegam nesta região densamente povoada e, de repente, deparam-se com este oásis que é o Central Park”, ensina Bill. Não são os únicos. Anualmente, o parque recebe 270 espécies de aves – algumas estão de passagem, outras fazem dele a sua nova casa. E os falcões ficam. Não é a toa que o parque reúne uma grande comunidade de observadores de pássaros, a maior parte membros da National Audubon Society. Além do Central Park, cidades ao norte de Manhattan na beira do rio Hudson, ou o Prospect Park, no Brooklyn, também atraem pássaros do Atlântico.
Quando o ninho de Pale Male e Lola foi retirado do prédio, Bill foi o responsável em recolher assinaturas de protesto. Dez mil pessoas assinaram pessoalmente ou via internet. Protestos na porta do prédio chamaram a atenção da mídia. Enquanto isso, Pale Male foi correr atrás do prejuízo. Era visto catando galhos no parque para reconstruir o lar. Sem um ninho, ele seria capaz de perder Lola para outro macho com alguma mansão nas redondezas para Lola colocar seus ovos em março. As assinaturas foram enviadas diretamente ao conselho do prédio – presidido por Richard Cohen, marido de Paula Zahn. Até Mary Tyler Moore ficou do lado dos defensores das aves. “Quando o problema chegou ao controle da cidade de Nova York, o processo andou bem rápido – eles queriam de verdade que isso fosse resolvido logo” contenta-se Bill. Três semanas mais tarde, colocaram-se galhos onde ficava o antigo ninho para avisar a Pale Male que ele era bem-vindo novamente.
Bill explica que os galhos que os falcões usam para fazer o ninho são apanhados instintivamente das árvores, e não do chão. Desta forma, eles são limpos. Por outro lado, são mais frescos e frágeis. “Este ano, o ninho não estava forte o suficiente, o frio se estendeu pela primavera, mais do que o normal, e quando eles foram colocar o berço sobre o ninho ele acabou ficando sobre a cornija – ou seja, há um túnel de vento”,conta Bill. “Estamos tentando arrumar isso, para que não entre vento no ninho. No ano que vem os galhos estarão mais fortes, assim como o ninho”, sorri. De qualquer forma, Pale Male já sabe que se ele é capaz de fazer um ninho aqui, ele é capaz de fazê-lo em qualquer lugar.
* Tânia Menai é jornalista e mora há 9 anos em Nova York. Colabora para o site No Mínimo e as revistas Veja, Super Interessante, Exame e Aprendiz.
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