Mesmo para um homem que lutou na Segunda Guerra Mundial e já passou dos 84 anos, como ele, a voz do jornalista Michael Frome parece fraca e cansada. Mas foi ela que levantou, dias atrás, o auditório em Curitiba onde mais de mil pessoas o ouviam naquele momento encerrar, com a promessa de dias melhores, uma semana de palestras um tanto agourentas sobre o futuro do planeta.
Aplaudido de pé, ele desceu do palco com alguma dificuldade – o que serviu para esticar as palmas por mais de cinco minutos – e emendou ao pé da escada numa conversa sobre a dificuldade que têm os jornalistas para transformar em notícias os assuntos do meio ambiente. Shazam! Como se a pergunta o destravasse, quem respondeu foi um Frome instantaneamente mais jovem, parecendo conservado em mais de meio século de indignação: “O problema é que os bons jornalistas estão ficando raros. Há muita gente por aí fazendo mau jornalismo”.
E o que tem isso a ver com o desinteresse dos meios de comunicação e do público pelos problemas ambientais? Tudo, segundo ele. “Os jornalistas se habituaram demais a ouvir as autoridades. Eles acabaram presos no círculo fechado das pessoas poderosas e perderam a coragem de publicar o que vêem e ouvem sem passar pelo filtro dos altos cargos. Ora, há muita gente boa fazendo coisas importantes em meio ambiente, mas essas pessoas raramente estão nos gabinetes de primeiro escalão ou nos postos de chefia. Logo, os jornalistas não conseguem encontrá-las, porque eles estão muito ocupados almoçando com presidentes de empresa ou ministros de Estado. Basta ver como a imprensa americana está cobrindo a invasão do Iraque. Ela publica diariamente o que o governo diz sobre a guerra. Não o que acontece no Iraque. Os jornais lidam com o presidente George Bush como se ele fosse uma pessoa de verdade. Ora, basta olhar Bush uma vez para ver que ele não é propriamente uma pessoa de verdade”.
Frome passou pelo Brasil na reta final da campanha presidencial nos Estados Unidos. E em Curitiba não pôs os pés fora do hotel sem um botão da campanha de John Kerry espetado no peito. Por quê? “Porque fiz questão de mostrar aos brasileiros que nem todo americano apóia o presidente Bush. Há americanos que são contra ele. Eu sou contra ele”. Exibir uma preferência tão ostensiva por um candidato não atentaria contra a isenção jornalística? “Não caio nessa conversa. Pensando bem, nunca fui imparcial. Para mim, o jornalista não pode ser imparcial porque tem que ser um advogado das boas causas. Precisa defender a liberdade de expressão, o direito à verdade, atacar a corrupção, tirar a roupa do rei diante da opinião pública. Como fazer isso sendo imparcial?”
A carreira de Frome pode ser descrita por duas curvas que se cruzam em direções opostas. A dos prêmios por sua militância ambiental e política sobe sem parar. E a dos bons empregos em grandes redações veio descambando, à medida que seu prestígio crescia, para jornais e revistas alternativos. Frome estreou em grande estilo. Trabalhando para o Washington Post, ele foi o primeiro repórter a pisar na Polônia depois da retirada alemã, voando com um piloto militar que levava um carregamento de ovos para o país arrasado. Tudo o que ele escreveu naquela viagem deu primeira página no jornal.
A partir da década de 50, seu currículo passa a alinhavar passagens por publicações chamadas “Changing Times” , “Woman’s Day”, “American Forests”, “Living Wilderness”, “Western Outdoors” e “Field & Stream”. Sinal da mudança de rota. Frome havia pulado de cabeça no jornalismo ambiental e estava abrindo trilhas alternativas num caminho que mesmo para ele às vezes parece fechado.
Fez carreira típica de encrenqueiro. Perdeu a coluna que tinha na “American Forests” porque nela batia regularmente no serviço florestal do governo americano. Caiu do cargo de editor de “Field & Stream”, onde tinha o hábito de denunciar a pilhagem de recursos naturais por mineradoras, madeireiras e empreiteiras de ferrovias, quando bateu de frente num senador de Rhode Island, que acusara de só votar contra a natureza.
Mas Frome foi em frente. Escreveu mais de 20 livros. Um deles, “Green Ink”, é uma introdução ao jornalismo ambiental em que ele destilou suas décadas de prática nas redações e seus anos de aula na universidade de Western Washington. Nele, ensina – como não poderia deixar de ser – o caminho das pedras para quem pretende ganhar a vida na imprensa pelo desvio do ambientalismo. No fundo, o livro se resume a duas lições: “Seja alfabetizado e corra riscos”.
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