As mulheres. Seres extraordinárias, competentes, resilientes, batalhadoras, corajosas, provedoras, lutadoras, abnegadas. E se de fatos somos isso tudo, por que estamos sempre em busca de ocupar o espaço que merecemos de verdade e por que a luta é sempre mais dura e difícil? Se temos tantas qualidades, por que não somos vistas dessa forma?
Em busca de oportunizar e potencializar o protagonismo feminino das populações tradicionais em Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Comunidades Quilombolas da Amazônia a fim de fortalecê-las nas tomadas de decisões em seus territórios, 70 mulheres ribeirinhas, indígenas, agricultoras familiares, parteiras, mãe de santo, professoras, profissionais de saúde, policiais, lideranças, cacicas, extrativistas, comunicadoras, pescadoras, marisqueiras, artesãs, quilombolas, benzedeiras e quebradeiras de coco, se reuniram em Manaus no período de 27 a 30 de março de 2023 na sede da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) com os seguintes objetivos:
- Proporcionar a equidade socioeconômica e ambiental entre homens e mulheres para intensificar o desenvolvimento sustentável comunitário.
- Valorizar o empoderamento e o papel da mulher na conservação ambiental e organização social das populações originárias da floresta.
- Proporcionar – por meio da vivência feminina – contribuições para a conservação da floresta em pé e sua biodiversidade com intuito de aprimorar a qualidade de vida das comunidades, por meio da implementação e disseminação do conhecimento sobre o desenvolvimento sustentável.
- Fortalecer as organizações da sociedade civil na temática do empoderamento feminino em seus territórios.
Durante os três dias de evento algumas rodas de conversas trouxeram à tona temas sensíveis que agitaram de forma empoderada o sentimento de todas as mulheres presente. Elenco abaixo, de forma encadeada:
1) Quais os desafios e as vantagens de ser mulher em seus territórios? Atualmente as mulheres possuem mais desafios do que vantagens para atuarem em seus territórios. Diversas delas tiveram que percorrer 6 dias para chegar até Manaus em busca de debater e trazer suas demandas e necessidades, que não são poucas.
2) Como funciona e qual é o papel das políticas públicas para as mulheres da floresta? Para elas, as políticas públicas existem, mas são poucas ou nada eficientes. Para muitas delas a energia e água ainda são uma realidade bem distante. Segundo dados do trata em 2016, 1 a cada 7 mulheres brasileiras não tinham acesso a água. Atualmente, no Norte, 60% possuem acesso água potável e 74% no Nordeste.
Quando o assunto é energia, a maioria das comunidades rurais ainda possuem energia movida a gerador com duração de 4 horas diárias, o que impossibilita o armazenamento e beneficiamento de produtos.
3) O papel da mulher nos movimentos sociais. os movimentos sociais possibilitam que essas mulheres possam ir para o embate com narrativas baseadas em suas realidades, conquistando a duras penas um lugar de fala onde seus anseios e esperanças em um futuro melhor possa ser alcançado.
4) A importância da mulher na gestão de negócios. Sem acesso a uma educação relevante, como as mulheres podem gerir negócios que tem demonstrado grande potencial de gerar renda e agregar valor as famílias desses locais? É necessário investir na educação empreendedora e garantir que essas mulheres demonstrem sua capacidade de gestão em empreendimentos locais.
5) Democracia da beleza, autoestima e autoimagem. As mulheres oriundas dos diversos territórios possuem belezas extraordinárias e ao vermos esse conjunto tão plural em um único lugar nos enche de orgulho, Mas nem tudo e tão leve e suave como as mulheres gostariam que fosse, por essa razão, é importante discutir assuntos delicados como:
6) Como identificar, combater e enfrentar todas as formas de violência contra a mulher? E por mais que essas mulheres carregam toda a força de onde elas vieram ainda enfrentam fragilidade impregnada em uma cultura machista e patriarcal. Muitas não conseguem sequer identificar que vivem em um ambiente e ou relacionamento abusivo. Se nos centros urbanos onde há uma rede de proteção para esse tipo de violência, ainda há dificuldade de se reconhecer e denunciar, imagina para aquela mulher que não tem para onde ir e para quem pedir socorro. É necessário medidas diferenciadas e que considerem a especificidade de cada território onde essas mulheres estão inseridas. Outro fator importante nesse evento foi trazer à tona
7) A importância da segurança alimentar e nutricional para as populações tradicionais. Os territórios disponibilizam de forma natural e gratuita uma diversidade de alimentos de forma sazonal e não deixam que as famílias passem fome. Mas ter comida nem sempre e sinônimo de segurança alimentar e nutricional. Discutir, implementar ações que contribuam para que as famílias possam conhecer e entender as nutrientes existentes nos produtos oriundos da floresta e das águas requer investimento em uma educação inclusiva que valorize os saberes tradicionais e introduzam o conhecimento científico também. Porque para as mulheres além do alimento de todos os dias e importante e tem valor ancestral o cuidar de si mesma, por essa razão abrir um espaço para internalizar:
8) Como cuidar do corpo e da alma das mulheres da florestatranscende toda a cultura e a vivência de quem sempre se utilizou ou ainda utiliza dos produtos da floresta e sua diversidade para curar e amenizar as mais diversas dores. Com folhas, frutos, cascas e saber milenar para fortalecer o corpo e alma e para enfrentar os mais diferentes desafios enfrentados por essas mulheres, mães e avós lutam para manter viva uma tradição secular: cuidar do corpo e da mente para se manter sã, firme e forte.
E para dar mais liga nesse debate e fortalecer a temática atual nada melhor do que entender e debater
9) A relação das mulheres com a crise climática, tema atual e complexo que afeta especialmente aquelas que tem a missão e o compromisso de cuidar da maior riqueza desse planeta: as florestas. Com enchentes e secas cada vez mais severas, as principais afetadas o são as mulheres e as crianças que é para quem sobra a responsabilidade de enfrentar grandes distâncias em busca do bem mais precioso, a água.
Essa realidade poderá e deverá ser minimizada quando houver investimentos concretos em uma política pública inclusiva que possam enxergar a importância de se prover acesso a essa população marginalizada por séculos e ainda invisibilizadas no contexto atual. Por isso, é urgente investir em uma:
10) Educação para transformação, que garante o que está estabelecido pela Constituição. Essas mulheres merecem uma educação que transformem a forma de enxerga o mundo, uma educação que faça sentido, com transformação, paixão, conhecimento, pertencimento e reconhecimento por tudo aquilo que é construído. Sem dúvida essa transformação ir de encontro com essa.
11) A alma empreendedora feminina que cria, inspira que resiste e insiste em empreender, crescer, contribuir, impulsionar, gerar renda, desenvolver, lutar e resultar em uma trajetória onde essas mulheres possam ser protagonistas de suas próprias histórias.
E nesse logos e belos debates e trocas, em um cenário de integração, discussão, acolhimento nasce a Carta da Rede de Mulheres Protetoras e Defensoras das Águas e das Florestas do Norte e Nordeste com demandas focadas na seguintes temáticas: (i) Educação, (ii) mudanças climáticas, (iii) saúde, (iv) empoderamento, (v) segurança, (vi) desenvolvimento econômico, (vii) infraestrutura e regularização fundiária e (viii) segurança alimentar, e para que chegue as diversos órgãos na esfera federal, estadual, municipal porque afinal a Amazônia são elas, mulheres que conservam, cuidam e preservam. A Amazônia é vida viva, que precisa ser protegida. A Floresta, a água e a vida e não são completas sem elas.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
Leia também
Amazônida, com orgulho
Um olhar da Amazônia sobre a perspectiva do empoderamento e representatividade das mulheres para a proteção da floresta e dos povos →
As protagonistas da ciência e conservação ambiental no Brasil
Documentário “Mulheres na Conservação” acompanha a vida, as histórias e o trabalho de sete cientistas que doam suas vidas para projetos de conservação da natureza →
Mulheres emitem menos gases de efeito estufa no trânsito
Elas sofrem mais os efeitos das mudanças climáticas, embora os homens são quem mais emitem gases causadores do aquecimento global, mostram dados referentes à cidade de São Paulo →