Em todo o mundo, nunca, ao longo da história, os temas relacionados à importância do equilíbrio entre as atividades humanas e a conservação da natureza foram tão evidenciadas. Essa percepção de urgência mais acentuada não se deve apenas a uma melhor consciência da sociedade sobre a incoerência ética e moral de promover avanços na degradação de áreas naturais de forma indistinta e descontrolada, não permitindo que as gerações futuras desfrutem das belezas que os diferentes ambientes e sua biodiversidade proporcionam.
O que tem efetivamente motivado um acréscimo determinante de preocupação entre nós são os efeitos sinérgicos envolvendo as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. Estamos vivenciando fenômenos cada vez mais frequentes e intensos das consequências do desequilíbrio do clima, acentuado de forma muito expressiva pela ausência de uma cobertura suficiente de áreas naturais conservadas.
A recente crise hídrica que atingiu de forma dramática todo o território paranaense e o excesso de chuvas que acarretou em ameaça iminente de bloqueio do acesso ao Porto de Paranaguá não representam apenas fenômenos esporádicos, mas sim um “novo normal” que precisa ser prontamente atenuado e mitigado a partir de mudanças de comportamento que envolvem toda a sociedade. Fazer a contabilidade do conjunto de prejuízos econômicos decorrentes desses desequilíbrios ambientais já representa uma forma bastante efetiva de dimensionar o tamanho desses problemas.
Sabemos hoje com muito mais precisão que os remanescentes naturais de um território são provedores dos serviços ecossistêmicos fundamentais para a nossa qualidade de vida e manutenção dos negócios, além e representarem um elemento fundamental para mitigar os efeitos dos eventos climáticos extremos, a partir do que denominamos de “infraestrutura verde”, seja em áreas urbanas ou rurais.
Apesar dos valorosos, embora pontuais, esforços de instâncias públicas e privadas em prol da conservação de áreas naturais e da biodiversidade em todo o território paranaense, ano a ano, temos identificado avanços na supressão ilegal de remanescentes naturais a partir de um amplo conjunto de pressões, ainda bastante intensas, tanto no que se refere à ampliação de áreas para atividades agrícolas como para a expansão urbana e industrial.
É notória a necessidade de um maior fortalecimento dos organismos governamentais, em todas suas instâncias, no sentido de promover um maior controle e monitoramento de nossos remanescentes naturais, os quais, além de estarem sobre continuada pressão voltada à supressão de vegetação, sofrem também com a extração seletiva de espécies da flora e de ações de caça, colocando em risco um amplo conjunto de ambientes naturais típicos do sul do Brasil e que são associados ao Bioma Mata Atlântica, como a Floresta com Araucária e os Campos Naturais.
É preciso urgentemente incrementar o trabalho de fiscalização que poderá reverter o quadro atual em que nossas últimas áreas naturais ainda bem conservadas estão sendo colocadas em grande risco de destruição. Mas também é necessário reconhecer o papel desses remanescentes naturais como áreas de produção de serviços ecossistêmicos, como a água, a conservação dos solos, a proteção dos rios, a polinização da agricultura, a manutenção da paisagem, o uso para atividades turísticas, como sumidouros de carbono e promotores da conservação da biodiversidade e da resiliência aos efeitos das mudanças climáticas, dentre muitos outros benefícios diretos que fornecem.
Estamos conscientes de que remanescentes naturais e as áreas degradadas que necessitam de restauração cumprem um papel fundamental nas nossas estratégias de desenvolvimento social e econômico. Esse contexto impõe incorporar o conceito de “produção de natureza” para promover a devida valorização de nosso patrimônio natural como instrumento aliado aos negócios e a busca de melhor qualidade de vida, passando a representar uma demanda de premência emergencial para todos nós.
Hoje, além das Unidades de Conservação públicas, o Paraná conta com centenas de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), que são frações das propriedades privadas incluídas formalmente no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O Paraná é pioneiro no advento do ICMS-Ecológico, que promove uma distribuição de 5% do montante destinado aos municípios a partir de critérios voltados a conservação da natureza.
Recentemente, em uma medida inédita, o município de Antonina promulgou uma Lei em que parte do ICMS-E arrecadado a partir da existência de RPPNs em seu território serão repassadas aos proprietários, como forma de estímulo para incremento das ações de conservação nestas UCs privadas e também para estimular a criação de novas RPPNs. A totalidade do município de Antonina está integrada na área da Grande Reserva Mata Atlântica, outra iniciativa inovadora que promove ações de desenvolvimento regional com base no conceito de produção de natureza e de uma economia restaurativa, onde a boa conservação significa novas e mais qualificadas oportunidades de emprego e renda.
Independentemente de serem ou não decretadas como RPPNs, são as áreas privadas que detêm grande parte do que nos resta de áreas naturais bem conservadas. Diversas iniciativas pontuais e demonstrativas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) já foram colocadas em prática em todo Brasil e também no Paraná. Já estamos em plenas condições de transformar as ricas experiências demonstrativas em uma política pública abrangente e que efetivamente possa fazer com que os proprietários rurais entendam seus remanescentes adicionais ao cumprimento da legislação como um ativo econômico comparável a uma “terceira safra”.
Um maior diálogo com empresas como Itaipu que já avançou bastante em investimentos efetivos em prol da conservação, além da Copel, Sanepar, dentre outras corporações potencialmente interessadas, poderão proporcionar melhores condições para o lançamento de programas mais amplos e com compromisso de longo prazo neste particular, sempre focando na priorização para as áreas de maior relevância para a conservação em nosso estado.
Outro mecanismo desenvolvido no Paraná já promove o envolvimento de corporações na pauta da conservação da natureza, através da primeira certificação de biodiversidade até hoje lançada no mercado – a Certificação LIFE. A ferramenta permite mensurar os impactos ambientais de qualquer tipo de negócio, independente do ramo de atividade e porte, identificando o que cada atividade empresarial não consegue mitigar em seus processos de gestão ambiental. Essa variável não atendida, passa a ser assumida pelas empresas como uma ação adicional e voluntária em conservação da biodiversidade.
Grupo Boticário, Gaia e Gaede, Posigraf, Itaipu, C-Pack são empresas que já aderiram a essa prática, servindo de exemplo para que possamos incorporar a agendada da conservação nos negócios como uma demanda indispensável e de forma generalizada, não apenas apoiando os esforços já realizados pelo poder público, mas garantindo maior resiliência e fortalecimento dos negócios em geral pela demonstração de responsabilidade e qualidade na sua agenda ambiental corporativa, hoje fortemente estimulada pela pauta ESG que envolve todas as atividades econômicas.
Se quisermos efetivamente atingir escala e permitir mudanças de cenários, são exemplos assim que podem nos garantir uma efetiva mudança de rumos. Mas o poder público estadual também precisa fazer a sua parte, resgatando e gerando avanços em relação a nossa nova realidade. As estruturas atuais não têm condições para dar um atendimento dentro das necessidades que o território paranaense demanda, sendo que a atual gestão deverá anunciar duas medidas de caráter estratégico sem precedentes.
Neste Mês do Meio Ambiente de 2023, não existem indicações de anúncios mais relevantes para buscar avanços que já não podem esperar. Como exercício provocativo, poderia ocorrer o anúncio da efetivação do segundo batalhão da Polícia Ambiental do Paraná, duplicando o efetivo atual da estrutura responsável pela fiscalização e controle do patrimônio natural no estado. Além disso, como medida excepcional e de grande impacto, deveria sem anunciada a criação do “Instituto de Conservação do Patrimônio Natural do Paraná (ICPN)”.
Uma nova autarquia para atuar em complemento as ações do Instituto Águas e Terras, que manteria suas responsabilidades atuais, à exceção da gestão do Patrimônio Natural, a ser delegado ao novo instituto e representaria uma mudança de visão em relação ao tema da conservação da natureza em nosso estado. Com a seleção dos funcionários qualificados para assumir as responsabilidades do novo instituto já presentes no quadro de profissionais do Governo do Estado, um esforço adicional de novas contratações de especialistas, nas diferentes áreas voltadas a conservação e restauração de nosso patrimônio natural, poderia ser efetivado ao longo da atual gestão.
Os dois anúncios que gostaríamos de receber, aqui explicitados representam um novo posicionamento do Governo do Estado do Paraná, reforçando de maneira indissociável de suas demais atividades, o compromisso e a oferta de serviços qualificados para amparar um desafio que não pode mais esperar: manter e restaurar os ambientes naturais do Paraná numa proporção e condições de qualidade que nos permitam avançar no desenvolvimento de nossa sociedade com saúde, boas condições de vida e protagonismo no posicionamento estratégico de nossas atividades econômicas e comerciais.
Esses compromissos, uma vez assumidos pelo Governo do Estado do Paraná, resgatariam uma dívida histórica e há muito reivindicada por diversos setores de nossa sociedade. Temos convicção de que essas pautas não são mais um pleito de uma minoria, mas, sim, uma necessidade premente que tem o apoio geral de grande parte da sociedade paranaense, que não quer ficar para trás, presa em padrões de desenvolvimento que já não deveriam ser considerados viáveis. O Paraná merece e deve liderar uma pauta em que a conservação de seu patrimônio natural seja reconhecida como uma prioridade fundamental promover avanços em busca do desenvolvimento social e econômico do estado.
As opiniões e informações publicadas nas sessões de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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