Reportagens

Operação enxuga-gelo

Polícia e Ministério Público Federal avançam nas investigações de extração ilegal de palmito na Reserva do Tinguá (RJ), mas falta apoio do Judiciário.

Carolina Elia ·
9 de dezembro de 2005 · 19 anos atrás

No primeiro domingo de sol de dezembro no Rio de Janeiro, principalmente quando ele vem depois de um sábado chuvoso, é de se esperar que nada aconteça além de praias lotadas e churrascos no terreno do vizinho. Mas na tarde do último dia 4, moradores de bairros próximos à Reserva Biológica do Tinguá, na Baixada Fluminense, tiveram policiais federais e militares batendo à sua porta. Eles estavam atrás de suspeitos de extrair e comercializar palmitos da reserva. Encontraram o que procuravam.

No interior de uma casa acharam 41 potes de palmito em conserva. Outros 27 estavam vazios, porém lavados e prontos para serem reutilizados. Ao lado havia restos de palmitos, algumas substâncias químicas e um caldeirão para a fervura da iguaria ilegal. Um casal foi preso no local. Tanto ele quanto ela tinham passagem pela polícia por extração de palmito na Reserva do Tinguá.

Na delegacia, ele confirmou que foi flagrado em meados deste ano pela Polícia Federal cortando palmito na unidade de conservação e que, ao ser solto, voltou à atividade. Segundo a esposa, ele voltou por insistência do comprador da mercadoria, que paga de 3 a 4 reais por pote de palmito. A última ida dele à reserva foi na véspera da prisão, dia 3, quando derrubou sozinho cerca de 40 palmeiras da espécie Jussara (Euterpe edulis), que só existe na Mata Atlântica e está ameaçada de extinção.

Em casa preparava o palmito para a conserva. O que significa fervê-lo, lacrá-lo num pote e adicionar por conta própria ácido cítrico, sulfito, benzoato e sal. Ele utiolizaria as substâncias para clarear o palmito e evitar reclamação dos clientes. Os policiais perguntaram ao homem se ele consumia o produto. A resposta foi sincera: não. Motivo? Toda aquela química faz mal ao estômago. Ele sabe das coisas. Segundo o professor Ricardo Chaloub, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as substâncias encontradas costumam ser utilizadas para a conservação de alimentos, mas podem ser nocivas dependendo da quantidade empregada.

O atravessador

A polícia não revelou os nomes do casal detido, nem o resultado das buscas em outras casas da região. Mas sabe-se que um dos últimos endereços revistados no domingo foi a casa de Antônio Fernandes de Souza, suspeito de ser um dos principais atravessadores de palmito das regiões de Santo Antônio, Jaceruba e Xerém — todas próximas ao Tinguá. Ele não foi encontrado, mas a polícia apreendeu 29 potes de palmito em conserva, sem marca, com aparência artesanal e sem nota fiscal. Também encontrou 108 potes vazios prontos para acondicionar palmito e material relacionado à atividade ilegal.

Na ausência de Antônio, quem foi parar na delegacia para explicar o flagrante foi seu filho. Ele afirma que o pai parou de trabalhar com palmito há alguns anos e que as conservas encontradas em sua casa eram para consumo pessoal. Negou também que Antônio trabalhasse com palmitos vindos da Reserva do Tinguá. Disse que, quando o pai operava no ramo, recebia as peças da região de Angra dos Reis – que também enfrenta problemas de extração ilegal da espécie.

Mas há indícios de que Antônio e outros atravessadores de palmito estejam abrindo novos focos de exploração dentro da Reserva do Tinguá. Com a repressão da Polícia e do Ministério Público Federal à atividade na área próxima a Xerém, muitos palmiteiros começaram a atuar em Miguel Pereira. “Para mim, não é surpresa”, diz Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal responsável pelas buscas no dia 4.

O que lhe surpreendeu mesmo foi a decisão do juiz Iorio Forti, da 2a Vara Federal de São João de Mereti, de libertar cinco homens flagrados em agosto, no Tinguá, com mais de 300 peças de palmito. Eles respondiam às acusações de corte ilegal em unidade de conservação e de formação de quadrilha, dois crimes inafiançáveis.A condenação era considerada certa, o que poderia servir de exemplo para os demais palmiteiros da região. Mas o juiz considerou que não houve formação de quadrilha e concedeu perdão judicial aos réus pelo crime ambiental, alegando que eles já haviam pago pelo delito ao ficarem presos por quatro meses.

Segundo o procurador Renato Machado, do Ministério Público Federal, o recurso do perdão judicial não é aplicável a crimes ambientai e vai recorrer da decisão. Enquanto isso, a polícia continua a investigar e reprimir a extração ilegal de palmito na Reserva do Tinguá com a esperança de que, no fim, a Justiça colabore e não faça seus agentes parecerem que trabalham para enxugar gelo em pleno domingo de sol.

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